ARTIGO 9
“CREIO NA SANTA IGREJA CATÓLICA”
748.
“Sendo Cristo a Luz dos Povos, este sacrossanto
Sínodo, congregado no Espírito Santo, deseja ardentemente anunciar o Evangelho
a toda criatura e iluminar todos os homens com a claridade de Cristo que
resplandece na face da Igreja. Com essas palavras começa a “Constituição dogmática
sobre a Igreja” do Concílio Vaticano II. Com isso, o Concílio mostra que o
artigo de fé sobre a Igreja depende inteiramente dos artigos concernentes a Cristo
Jesus. A Igreja não tem outra luz senão a de Cristo; segundo uma imagem cara
aos Padres da Igreja, ela é comparável à lua, cuja luz é reflexo do sol.
749.
O artigo sobre a Igreja depende também inteiramente
do artigo sobre o Espírito Santo, que o precede. “Com efeito, após termos
mostrado que o Espírito Santo é a fonte e o doador de toda a santidade,
confessamos agora que foi Ele quem dotou a Igreja de Santidade”. Segundo a
expressão dos Padres, a Igreja é o lugar “onde floresce o Espírito”.
750.
Crer que a Igreja é “santa” e “católica” e que é “una”
e “apostólica” (como acrescenta o Símbolo niceno-constantinopolitano) é
inseparável da fé em Deus Pai, Filho e Espírito Santo. No Símbolo dos Apóstolos,
fazemos profissão de crer em uma Igreja Santa (“Credo […] Ecclesiam”), e
não na Igreja, para não confundir Deus com suas obras e para atribuir
claramente à bondade de Deus todos os dons que ele pôs em sua Igreja.
PARÁGRAFO 1
A
IGREJA NO DESÍGNIO DE DEUS
I.
As denominações e as imagens da Igreja
751.
A palavra “igreja” [“ekklésia”, do grego “ekkaléin”
“chamar fora”] significa “convocação”. Designa assembleias do povo, geralmente de
caráter religioso. É o termo frequentemente usado no Antigo Testamento grego
para a assembleia do povo eleito diante de Deus, sobretudo para a assembleia do
Sinai, onde Israel recebeu a Lei e foi constituído por Deus como seu povo
santo. Ao se denominar “Igreja”, a primeira comunidade dos que acreditaram em
Cristo se reconhece herdeira dessa assembleia. Nela, Deus “convoca” seu povo de
todos os confins da terra. O termo “Kyriakà”, do qual deriva “Church”,
“Kirche”, significa “a que pertence ao Senhor”.
752.
Na linguagem cristã, a palavra “Igreja” designa a
assembleia litúrgica, mas também a comunidade local ou toda a comunidade
universal dos crentes. Estes três significados são inseparáveis. A “Igreja” é o
povo que Deus reúne no mundo inteiro. Existe nas comunidades locais e se realiza
como assembleia litúrgica, sobretudo eucarística. Ela vive da Palavra e do
Corpo de Cristo e se torna, assim ela mesma, corpo de Cristo.
OS SÍMBOLOS DA IGREJA
753.
Na Sagrada Escritura, encontramos grande quantidade
de imagens e figuras interligadas, pelas quais a Revelação fala do mistério
inesgotável da Igreja. As imagens encontradas do Antigo Testamento constituem
variações de uma ideia de fundo, a de “povo de Deus”. No Novo Testamento, todas
essas imagens encontram novo centro pelo fato de Cristo tornar-se a “Cabeça”
deste povo, que é, então, seu corpo. Em torno deste centro, agruparam-se
imagens “tiradas ou da vida pastoril ou da vida dos campos, ou do trabalho de construção
ou da família e do casamento”.
754.
“Com efeito, Assim a Igreja é o redil, do
qual Cristo é a única e necessária porta. Ela é também o rebanho, do qual o
próprio Deus prenunciou que seria o pastor. Suas ovelhas, embora governadas por
pastores humanos, são, contudo, incessantemente conduzidas e alimentadas pelo
próprio Cristo, Bom Pastor e Príncipe dos pastores, que deu sua vida por suas
ovelhas”.
755.
“A Igreja é a lavoura ou o campo de
Deus” (cf. 1Cor 3,9). Nesse campo cresce a oliveira antiga, cuja raiz santa
forma os Patriarcas e em que foi feita e se fará a reconciliação dos judeus e dos
gentios. Ela foi plantada pelo celeste Viticultor como vinha eleita. Cristo é a
verdadeira Videira e fecundidade aos ramos, quer dizer, a nós que, pela Igreja,
permanecemos nele, sem o qual nada podemos fazer”.
756.
“Com frequência a Igreja é também chamada de construção
de Deus. O próprio Senhor comparou-se à pedra que os construtores rejeitaram,
mas que se tornou a pedra angular. Sobre este fundamento a Igreja é construída
pelos Apóstolos, e deles recebe firmeza e coesão. Essa construção recebe vários
nomes: casa de Deus, na qual habita sua família; morada de Deus no
Espírito; tenda de Deus entre os homens e, principalmente, templo santo,
que, representado pelos santuários de pedra e louvado pelos santos Padres e, não
sem razão, comparado, na liturgia, com a Cidade santa, a nova Jerusalém. Nela, de
fato, quais pedras vivas, formamos nesta terra um templo espiritual. João
contempla “esta cidade que, na renovação do mundo, desce do céu, da presença de
Deus, vestida com noiva enfeitada para seu esposo”.
757.
“A Igreja é chamada também “Jerusalém celeste” e
“nossa Mãe” (Gl 4, 26). É ainda descrita como a esposa imaculada
do Cordeiro imaculado. Cristo “amou a Igreja e se entregou por ela, a fim de
santificar” (Ef 5, 25-26); associou-a a si por uma aliança indissolúvel e
incessantemente “a nutre e dela cuida” (Ef 5, 29)”.
II.
Origem, fundação e missão da Igreja
758.
Para investigar o mistério da Igreja, convém meditar
primeiro sobre sua origem no desígnio da Santíssima Trindade e sobre sua realização
progressiva no curso da história.
UM PROJETO NASCIDO NO CORAÇÃO DO PAI
759.
“O Pai eterno, por livre e misterioso desígnio de
sua sabedoria e bondade, criou todo o universo; decidiu elevar os homens à
comunhão da vida divina”, à qual chama todos os homens em seu Filho: “Todos os
que creem em Cristo, o Pai quis chamá-los a formarem a santa Igreja”. Esta “família
de Deus” se constitui e se realiza gradualmente ao longo das etapas da história
humana, segundo as disposições do Pai. Com efeito, “desde a origem do mundo a
Igreja foi prefigurada. Foi admiravelmente preparada na história do povo de
Israel e na antiga aliança. Foi fundada nos últimos tempos. Foi manifestada
pela efusão do Espírito Santo. E no fim dos tempos será gloriosamente consumada”.
A IGREJA PREFIGURADA DESDE A ORIGEM DO MUNDO
760.
“O mundo foi criado em vista da Igreja”, diziam os
cristãos dos primeiros tempos. Deus criou o mundo em vista da comunhão com sua
vida divina, comunhão esta que se realiza pela “convocação” dos homens em
Cristo, e esta “convocação” é a Igreja. A Igreja é a finalidade de todas as
coisas. As próprias vicissitudes dolorosas, como a queda dos anjos e o pecado
do homem, só foram permitidas por Deus como ocasião e meio para desdobrar toda
a força de seu braço, toda a medida de amor que Ele queria dar ao mundo:
“Assim como a
vontade de Deus é um ato e se chama mundo, assim também sua intenção é a
salvação dos homens e se chama Igreja”.
A IGREJA PREPARADA NA ANTIGA ALIANÇA
761.
O congraçamento do povo de Deus começa no instante
em que o pecado destrói a comunhão dos homens com Deus e a dos homens entre si.
A convocação da Igreja é, por assim dizer, a reação de Deus ao caos provocado
pelo pecado. Esta reunificação realiza-se secretamente dentro de todos os
povos: “ele aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a
que pertença” (At 10, 35).
762.
A preparação longínqua da reunião do povo de
Deus começa com a vocação de Abraão, a quem Deus promete que será o pai de um
grande povo. A preparação imediata tem início com a eleição de Israel como povo
de Deus. Por sua eleição, Israel deve ser o sinal do congraçamento futuro de todas
as nações. No entanto, já os profetas acusam Israel de ter rompido a Aliança e
de se ter comportado como uma prostituta. Anunciam uma nova e eterna Aliança. “Esta
Aliança nova, Cristo instituiu”.
A IGREJA – INSTITUÍDA POR JESUS CRISTO
763.
Cabe ao Filho realizar, na plenitude dos tempos, o
plano de salvação de seu Pai. Este é o motivo da sua “missão”. “O Senhor Jesus
iniciou sua Igreja, pregando a Boa Nova, isto é, o advento do Reino de Deus
prometido nas Escrituras havia séculos”. Para cumprir a vontade do Pai, Cristo
inaugurou o Reino dos céus na terra. A Igreja “é o Reino de Cristo já misteriosamente
presente”.
764.
“Este Reino manifesta-se lucidamente aos homens na
palavra, nas obras e na presença de Cristo”. Acolher a palavra de Jesus é “acolher
o próprio Reino”. A semente e o começo do Reino são o “pequeno rebanho” (Lc 12,
32) dos que Jesus veio convocar em torno de si, dos quais ele mesmo é o pastor.
Eles constituem a verdadeira família de Jesus. Aos que assim reuniu em torno dele,
ensinou uma “maneira de agir” nova e também uma oração própria.
765.
O Senhor Jesus dotou sua comunidade de uma
estrutura que permanecerá até a plena consumação do Reino. Há antes de tudo a
escolha dos Doze, com Pedro como seu chefe. Representando as doze tribos de
Israel, eles são as pedras de fundação da nova Jerusalém. Os Doze e os outros
discípulos participam da missão de Cristo, de seu poder, mas também de sua
sorte. Por meio de todos esses atos, Cristo prepara e constrói a sua Igreja.
766.
A Igreja nasceu primeiro do dom total de Cristo para
nossa salvação, antecipado na instituição da Eucaristia e realizado na cruz. “O
começo e o crescimento da Igreja são significados pelo sangue e pela água que saíram
do lado aberto de Jesus crucificado”. “Pois do lado de Cristo agonizante na Cruz
é que nasceu o admirável sacramento de toda a Igreja”. Da mesma forma que Eva
foi formada do lado de Adão adormecido, assim a Igreja nasceu do coração traspassado
de Cristo morto na cruz.
A IGREJA MANIFESTADA PELO ESPÍRITO SANTO
767.
“Terminada a obra que o Pai havia confiado ao Filho
para realizar na terra, foi enviado o Espírito Santo no dia de Pentecostes para
santificar a Igreja permanentemente”. Foi então que “a Igreja se manifestou publicamente
diante da multidão e começou a difusão do Evangelho com a pregação”. Por ser “convocação”
de todos os homens a salvação, a Igreja é, por sua própria natureza,
missionária enviada por Cristo a todos os povos para fazer deles discípulos.
768.
Para realizar sua missão, o Espírito Santo “dota e
dirige a Igreja mediante os diversos dons hierárquicos e carismáticos”. “Por
isso a Igreja, enriquecida com os dons de seu Fundador e empenhando-se em
observar fielmente seus preceitos de caridade, humildade e abnegação, recebeu a
missão de anunciar o reino de Cristo e de Deus e de estabelecê-lo em todos os
povos. Deste reino ela constitui na terra a semente e o início”.
A IGREJA – CONSUMADA NA GLÓRIA
769.
“A Igreja […] só terá sua consumação na glória
celeste, quando do retorno glorioso de Cristo. Até aquele dia, ‘a Igreja avança
em sua peregrinação por meio das perseguições do mundo e das consolações de
Deus’. Aqui na terra, sente-se em exílio, longe do Senhor e aspira ao advento pleno
do Reino, ‘a hora em que ela será, na glória, reunida a seu Rei’. A consumação
da Igreja e, por meio dela, a do mundo, na glória, não acontecerá sem grandes
provações. Só então ‘todos os justos, desde Adão, de Abel, o justo, até o
último eleito’ serão congregados junto do Pai na Igreja universal”.
III.
O mistério da Igreja
770.
A Igreja está na história, mas, ao mesmo tempo, a transcende.
Unicamente “com os olhos da fé” se pode enxergar em sua realidade visível uma
realidade simultaneamente espiritual, portadora de vida divina.
A IGREJA – AO MESMO TEMPO VISÍVEL E
ESPIRITUAL
771.
“O mediador único, Cristo, constitui e incessantemente
sustenta aqui na terra sua santa Igreja, comunidade de fé, esperança e caridade,
como um ‘todo’ visível, difunde a verdade e a graça a todos”. A Igreja é ao
mesmo tempo:
– “sociedade provida
de órgãos hierárquicos e Corpo Místico de Cristo”;
– “assembleia
visível e comunidade espiritual”;
– “Igreja
terrestre e Igreja enriquecida de bens celestes”.
Essas
dimensões constituem “uma só realidade complexa em que se funde o elemento divino
e o elemento humano”.
A Igreja “caracteriza-se
por ser humana e, ao mesmo tempo, divina; visível, mas dotada de dons invisíveis;
fervorosa na ação e devotada à contemplação; presente no mundo e, no entanto,
peregrina. Tudo isso de modo que nela é humano se ordene ao divino e a ele se
subordine: o visível ao invisível; a ação à contemplação; a realidade presente à
cidade futura, para qual caminhamos”.
“Ó humildade! Ó sublimidade!
Tabernáculo de Cedar e santuário de Deus; morada terrestre e palácio celeste;
casa de barro e sala régia; corpo de morte e templo de luz; desprezo para os soberbos
e esposa de Cristo! És morena, És formosa, ó filha de Jerusalém: ainda que
desconfigurada pelo labor e pela dor do longo exílio, a beleza celeste te
enfeita”.
A IGREJA – MISTÉRIO DA UNIÃO DOS HOMENS
COM DEUS
772.
É na Igreja que Cristo realiza e revela seu próprio
mistério como a meta do desígnio de Deus: “Reencabeçar tudo em Cristo” (Ef 1,
10). São Paulo diz: “este mistério é grande” (Ef 5, 32) referindo-se à
união esponsal de Cristo e a Igreja. Por estar ela unida a Cristo como a seu Esposo,
a própria Igreja também se torna mistério. Contemplando nela o mistério, São
Paulo exclama: “Cristo no meio de vós, a esperança da glória” (Cl 1,
27).
773.
Na Igreja, esta comunhão dos homens com Deus pelo amor
“jamais acabará” (1 Cor 13, 8) é a finalidade para a qual se volta
tudo que nela é meditação sacramental, ligado ao mundo presente que passa. Sua
estrutura ordena-se integralmente à santidade dos membros do corpo místico de Cristo.
A santidade é medida segundo o “grande mistério”, em que a Esposa responde com o
dom do amor ao dom do Esposo. Maria nos precede a todos na santidade que é o
mistério da Igreja como “a Esposa sem mancha nem ruga”. Por isso, “a dimensão
mariana da Igreja antecede sua dimensão petrina”.
A IGREJA – SACRAMENTO UNIVERSAL DA
SALVAÇÃO
774.
A palavra grega “mysterion” foi traduzida para
o latim por dois termos: “mysterium” e “sacramentum”. Na segunda
interpretação, o termo “sacramentum” exprime mais o sinal visível da
realidade escondida da salvação, indicada pelo termo “mysterium”. Neste
sentido, Cristo mesmo é o mistério da salvação: “Non est enim aliud Dei
mysterium, Christus – não existe outro mistério de Deus a não ser Cristo. A
obra salvífica de sua humanidade santa e santificante é o sacramento da
salvação que se manifesta e age nos sacramentos da Igreja (que as Igrejas do
Oriente também denominam “os santos mistérios”). Os sete sacramentos são os
sinais e os instrumentos pelos quais o Espírito Santo difunde a graça de
Cristo, que é a Cabeça, na Igreja que é o seu Corpo. A Igreja, portanto, contém
e comunica a graça invisível que ela significa. É neste sentido analógico que ela
é chamada de “sacramento”.
775.
“A Igreja é, em Cristo, como que o sacramento ou o sinal
e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano”.
Ser sacramento da união íntima dos homens com Deus é o primeiro objetivo da
Igreja. Visto que a comunhão entre dos homens está enraizada na união com Deus,
a Igreja é também o sacramento do gênero humano. Nela, esta unidade
já começou, pois ela congrega homens “de toda as nações, tribos, povos e línguas”
(Ap 7, 9). Ao mesmo tempo, a Igreja é “sinal e instrumento” da plena
realização desta unidade que ainda deve vir.
776.
Como sacramento, a Igreja é instrumento de Cristo. “Nas
mãos dele, ela é instrumento da redenção de todos os homens”, “o sacramento
universal da salvação”, pelo qual Cristo “manifesta e atualiza o amor de Deus
pela humanidade”, que quer que o “gênero humano inteiro constitua o único povo
de Deus, se congregue no único corpo de Cristo, seja construído no único templo
do Espírito Santo”.
Resumindo:
777.
A palavra “Igreja”
significa “convocação”. Designa a assembleia daqueles que a Palavra de Deus convoca
para formarem o Povo de Deus e que, alimentados pelo Corpo de Cristo, tornam-se
corpo de Cristo.
778.
A Igreja é, ao mesmo
tempo, caminho e finalidade do desígnio de Deus: prefigurada na criação,
preparada na Antiga Aliança, fundada pelas palavras e atos de Jesus Cristo,
realizada por sua cruz redentora e por sua ressurreição, ela é manifestada como
mistério de salvação pela efusão do Espírito Santo. Será consumada na glória do
céu como assembleia de todos os resgatados da terra.
779.
A Igreja é, ao mesmo
tempo, visível e espiritual, sociedade hierárquica e corpo místico de Cristo.
Ela é una, formada de um elemento humano e um elemento divino. Somente a fé
pode acolher este mistério.
780.
A Igreja é, no mundo
presente, o sacramento da salvação, o sinal e o instrumento da comunhão de Deus
e dos homens.
PARÁGRAFO 2
A IGREJA – POVO DE DEUS, CORPO DE CRISTO, TEMPLO DO
ESPÍRITO SANTO
I.
A Igreja – Povo de Deus
781.
“Em qualquer época e em qualquer povo, é aceito por
Deus todo aquele que teme e pratica a justiça. Aprouve, contudo, a Deus santificar
e salvar os homens não singularmente, sem nenhuma conexão uns com os outros,
mas constituí-los num povo, que o conhecesse na verdade e santamente o servisse.
Escolheu, por isso Israel como seu povo. Estabeleceu com ele uma aliança e
instruiu passo a passo [...]. Tudo isso, porém, aconteceu em preparação e
figura para aquela nova e perfeita aliança que se estabeleceria em Cristo
[...]. Esta é a Nova Aliança, isto é, o Novo Testamento em seu sangue, chamando,
de entre judeus e gentios, um povo que junto crescesse na unidade, não segundo
a carne, mas no Espírito”.
As CARACTERÍSTICAS DO POVO DE DEUS
782.
O povo de Deus tem características que o distinguem
nitidamente de todos os agrupamentos religiosos, étnicos, políticos ou
culturais da história:
– Ele é o povo de Deus: Deus não pertence, como propriedade,
a nenhum povo. Ele, porém, adquiriu para si um povo dentre os que outrora não
eram um povo: “a gente escolhida, um sacerdócio régio, uma nação santa” (1 Pd 2,
9).
– A pessoa torna-se membro deste povo não
pelo nascimento físico, mas pelo “nascimento do alto”, “da água e do Espírito”
(Jo 3, 3-5), isto é, pela fé em Cristo e pelo Batismo.
– Este povo tem por chefe (cabeça) Jesus Cristo
(ungido, Messias), porque, da mesma Unção, o Espírito Santo, ele flui da Cabeça
para o corpo, este é “o povo messiânico”.
– A condição deste povo é a dignidade da
liberdade dos filhos de Deus: nos corações deles, como em um templo, reside o
Espírito Santo”.
– “Sua lei é o mandamento novo de amar
como Cristo mesmo nos amou”. É a lei “nova” do Espírito Santo.
– Sua missão é ser o sal da terra e a luz
do mundo. “Ele constitui para todo o gênero humano a mais forte semente de
unidade, esperança e salvação”.
– Sua meta é “o Reino de Deus, iniciado na terra por
Deus mesmo, reino a ser estendido mais e mais, até que, no fim dos tempos, seja
consumado pelo próprio Deus”.
UM POVO SACERDOTAL, PROFÉTICO E RÉGIO
783.
Jesus Cristo é aquele que o Pai ungiu com o
Espírito Santo e que constituiu “Sacerdote, Profeta e Rei”. O Povo de Deus inteiro
participa dessas três funções de Cristo e assume as responsabilidades de missão
e de serviço daí decorrentes.
784. Ao entrar no Povo de Deus pela fé e pelo Batismo, recebe-se participação na vocação única deste povo, em sua vocação sacerdotal: “Cristo Senhor, Pontífice tomado dentre os homens, fez do novo povo ‘um reino e sacerdotes para Deus Pai’. Os batizados pela regeneração e unção do Espírito Santo são, efetivamente, consagrados para formarem uma morada espiritual e um sacerdócio santo”.
785.
“O povo santo de Deus participa também da função profética
de Cristo”. Isso se verifica de modo particular pelo sentido sobrenatural da
fé, que é de todo o povo, leigos e hierarquia, quando “adere indefectivelmente
à fé, uma vez por todas transmitida aos santos”, nela aprofunda sua compreensão
e torna-se testemunha de Cristo no meio deste mundo.
786.
O povo de Deus participa da função régia de
Cristo. Cristo exerce sua realeza atraindo para si todos os homens por sua
morte e ressurreição. Cristo, Rei e Senhor do universo, se fez servidor de
todos, não veio “para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate
por muitos” (Mt 20, 28). Para o cristão, “reinar é servir”, particularmente
“nos pobres e nos sofredores, nos quais a Igreja reconhece a imagem de seu
Fundador pobre e sofredor. O povo de Deus realiza sua “dignidade régia”,
vivendo em conformidade com esta vocação de servir com Cristo.
“Todos os que
renasceram em Cristo obtiveram, pelo sinal da cruz, a dignidade real e, pela
unção do Espírito Santo, receberam a consagração sacerdotes. Por isso, não
obstante o serviço especial do nosso ministério, todos os cristãos foram
revestidos de um carisma espiritual que os torna membros desta família de reis
e deste povo de sacerdotes. Não será, na verdade, função régia o fato de uma
alma, submetida a Deus, governar seu corpo? Não será função sacerdotal consagrar
ao Senhor uma consciência pura e oferecer, no altar do coração, a hóstia
imaculada de nossa piedade?”
II.
A Igreja – Corpo de Cristo
A IGREJA É COMUNHÃO COM JESUS
787.
Desde o início, Jesus associou seus discípulos à
sua vida, revelou-lhes o mistério do Reino, deu-lhes participar de sua missão, de
sua alegria e de seus sofrimentos. Jesus fala de uma comunhão ainda mais íntima
entre ele e os que o seguiriam: “Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós.
[…] Eu sou a videira e vós, os ramos” (Jo 15, 4-5). Ele anuncia uma
comunhão misteriosa e real entre seu próprio corpo e o nosso: “Quem se alimenta
com a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim, e eu nele” (Jo 6,
56).
788. Quando sua presença visível lhes foi tirada, Jesus não deixou seus discípulos órfãos. Prometeu ficar com eles até o fim dos tempos, enviou-lhes seu Espírito. A comunhão com Jesus tornou-se, de certa maneira, mais intensa: “Ao comunicar seu Espírito, fez de seus irmãos, chamados de todos os povos misticamente os componentes de seu próprio Corpo”.
789.
A comparação da Igreja com o corpo ilumina a íntima
ligação entre a Igreja e Cristo. Ela não é somente congregada em torne dele; é
unificada nele, em seu corpo. Destacam-se, mais especificamente, três aspectos
da Igreja – corpo de Cristo: a unidade de todos os membros entre si, por sua união
com Cristo; Cristo Cabeça do corpo; a Igreja, Esposa de Cristo.
“UM SÓ CORPO”
790.
Os crentes que respondem à Palavra de Deus e tornam-se
membros do Corpo de Cristo ficam estreitamente unidos a Cristo: “Neste corpo, a
vida de Cristo se difunde por meio dos crentes, os quais os sacramentos, de
forma misteriosa e real, unem a Cristo sofredor e glorificado”. Isto é particularmente
verdade com relação ao Batismo, pelo qual, “participando realmente do Corpo de
Cristo”, somos elevados à comunhão com ele e entre nós”.
791.
A unidade do corpo não acaba com a diversidade dos
membros: “Na edificação do corpo de Cristo, há diversidade de membros e de funções.
Um só é o Espírito que distribui dons variados para o bem da Igreja, segundo
sua riqueza e as necessidades dos ministérios. A unidade do corpo místico
produz e estimula entre os fiéis a caridade: “Por isso, se um membro sofre, todos
os membros padecem com ele; ou, se um membro é honrado, todos os membros se
regozijam com ele”. A unidade do corpo místico vence todas as divisões humanas:
“Vós todos que fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo. Não há mais
judeu ou grego, escravo ou livre, homem ou mulher, pois todos vós sois um só,
em Cristo Jesus” (Gl 3, 27-28).
“DESTE CORPO, CRISTO É A CABEÇA”
792.
Cristo “é a Cabeça do Corpo, que é a Igreja”
(Cl 1, 18). Ele é o princípio da criação e da redenção. Elevado na glória
do Pai, ele “em tudo tem a primazia” (Cl 1, 18), principalmente sobre
a Igreja, por meio da qual estende o seu reino sobre todas as coisas.
793.
Ele nos une à sua páscoa. Todos os membros
devem esforçar-se por se assemelhar a ele “até Cristo ser formado em vós” (Gl 4,
19). “Por isso somos inseridos nos mistérios de sua vida, nos associamos a suas
dores como o corpo à Cabeça, para que padecendo com ele, sejamos com ele também
glorificados”.
794.
Ele provê ao nosso crescimento. Para nos fazer
crescer em direção a ele, nossa Cabeça, Cristo dispõe, em seu corpo, a Igreja,
os dons e os serviços pelos quais nós nos ajudamos mutuamente no caminho da
salvação.
795.
Cristo e a Igreja formam, portanto, o “Cristo
total” (“Christus totus”). A Igreja é una com Cristo. Os Santos têm
consciência bem viva desta unidade:
“Alegremo-nos, portanto,
e demos graças por nos termos tornado não somente cristãos, mas o próprio
Cristo. Compreendeis, irmãos, a graça que Deus nos concedeu ao nos dar Cristo como
Cabeça? Admirai e rejubilai, nós nos tornamos Cristo. Com efeito, uma vez que ele
é a Cabeça e nós somos os membros, o homem inteiro é constituído por ele e por nós.
A plenitude de Cristo é, portanto, a Cabeça e os membros. O que significa isso:
a Cabeça e os membros? Cristo e a Igreja”.
“Redemptor no ter
unam se personam cum sancta Ecclesia, quam assumpsit, exhibuit – Nosso
Redentor mostrou-se como uma só pessoa com a santa Igreja, por ele assumida”.
“Caput et membra
sunt quasi una persona mystica – Cabeça e membros são como uma só pessoa
mística”.
Uma palavra de
Santa Joana d’Arc a seus juízes resume a fé dos santos doutores e exprime o bom
senso do crente: “Quanto a Jesus Cristo e à Igreja, parece-me que são uma só
coisa e que não se deve fazer objeções a isso”.
A IGREJA É A ESPOSA DE CRISTO
796.
A unidade entre Cristo e a Igreja, Cabeça e membros
do corpo, implica também a distinção dos dois em uma relação pessoal. Este
aspecto é muitas vezes expresso pela imagem do Esposo e da Esposa. O tema de
Cristo Esposo da Igreja foi preparado pelos profetas e anunciado por João
Batista. O Senhor mesmo designou-se como “o noivo” (Mc 2, 19). O apóstolo
apresenta a Igreja e cada fiel, membro de seu Corpo, como uma Esposa “desposada”
com Cristo Senhor, para ser com ele um só Espírito. Ela é a Esposa imaculada do
Cordeiro imaculado, Cristo “se entregou por ela, a fim de santificar pela
palavra aquela que ele purifica” (Ef 5, 26), a associou a si por uma
Aliança eterna e dela não cessa de cuidar como de seu próprio corpo.
“Eis o Cristo
total, cabeça e corpo, um só formado por muitos. […] Seja a cabeça a falar,
sejam os membros, é sempre Cristo quem fala. Fala desempenhando o papel da cabeça [‘ex
persona capitis’], fala desempenhando o papel do corpo [‘ex persona
corporis’]. Conforme o que está escrito: ‘Serão uma só carne. Este
mistério é grande – eu digo isto com referência a Cristo e à Igreja’ (Ef 5,
31-32). O Senhor mesmo diz no Evangelho: ‘Já não são dois, mas uma só carne’ (Mt 19,
6). Como vistes, há de fato duas pessoas diferentes e, todavia, elas constituem
uma só coisa na união conjugal. Na qualidade de Cabeça ele se diz ‘esposo’, na
qualidade de Corpo se diz ‘esposa’”.
III.
A Igreja – Templo do Espírito Santo
797.
“Quod est spiritus noster, id est anima nostra,
ad membra nostra, hoc est Spiritus Sanctus ad membra Christi, ad corpus
Christi, quod est Ecclesia – Aquilo que nosso espírito, ou seja, a nossa
alma, é em relação a nossos membros, assim é o Espírito Santo em relação aos
membros de Cristo, ao corpo de Cristo que é a Igreja”. “A este Espírito de
Cristo, em princípio invisível, deve-se atribuir também a união de todas as
partes do corpo tanto entre si como com sua Cabeça, pois ele está todo na
Cabeça, todo no corpo e todo em cada um de seus membros”. O Espírito Santo da
Igreja “o Templo do Deus Vivo” (2 Cor 6, 16):
“Com efeito, à
própria Igreja foi confiado o dom de Deus […] e nela foi depositada a comunhão
com Cristo, isto é, o Espírito Santo, penhor da incorruptibilidade, confirmação
de nossa fé e escada de nossa ascensão para Deus. […] De fato, lá onde está a
Igreja, ali também está o Espírito de Deus, e lá onde está o Espírito de Deus,
ali está a Igreja e toda graça”.
798.
O Espírito Santo é “o Princípio de toda ação vital
e verdadeiramente salutar em cada uma das diversas partes do corpo”. Ele opera,
de múltiplas maneiras, a edificação do corpo inteiro na caridade: pela Palavra
de Deus, “que tem poder para edificar” (At 20, 32); pelo Batismo, por meio do qual
forma o corpo de Cristo; pelos sacramentos, que proporcionam crescimento e cura
aos membros de Cristo; pela “graça concedida aos Apóstolos, que ocupa o
primeiro lugar entre seus dons”; pelas virtudes, que fazem agir segundo o bem;
pelas múltiplas graças especiais (denominadas “carismas”), por meio das quais “torna
os fiéis aptos e prontos a tomarem sobre si os vários trabalhos e ofícios que
contribuem para a renovação e o maior incremento da Igreja”.
OS CARISMAS
799.
Quer extraordinários, quer simples e humildes, os
carismas são graças do Espírito Santo que, direta ou indiretamente, têm
utilidade eclesial, pois são ordenados à edificação da Igreja, ao bem dos
homens e às necessidades do mundo.
800.
Os carismas devem ser acolhidos com reconhecimento não
só por aquele que os recebe, mas também por todos os membros da Igreja. De
fato, eles são uma maravilhosa riqueza da graça para a vitalidade apostólica e
para a santidade de todo o corpo de Cristo, visto tratarem-se de dons que
provêm verdadeiramente do Espírito Santo e que são exercidos em plena conformidade
com os autênticos impulsos deste mesmo Espírito, isto é, segundo a caridade,
verdadeira medida dos carismas.
801.
Neste sentido, se faz sempre necessário o
discernimento dos carismas. Nenhum carisma dispensa a referência e da submissão
aos Pastores da Igreja. “A eles em especial cabe não extinguir o Espírito, mas provar
as coisas e ficar com o que é bom”, a fim de que todos os carismas cooperem, em
sua diversidade e complementaridade, para o “bem de todos” (1 Cor 12,
7).
Resumindo:
802.
“Ele se entregou por nós, para
nos resgatar de toda a iniquidade e purificar para si um povo que lhe pertença”
(Tt 2, 14).
803.
“Vós sois a gente
escolhida, o sacerdócio régio, a nação santa, povo que ele adquiriu” (1 Pd 2,
9).
804.
Ingressa-se no povo de
Deus pela fé e pelo Batismo. “Todos os homens são chamados a fazer parte do
povo de Deus”, a fim de que, em Cristo, “os homens constituam uma só família e
um só povo de Deus”.
805.
A Igreja é o Corpo de
Cristo. Pelo Espírito e por sua ação nos sacramentos, sobretudo na Eucaristia,
Cristo morto e ressuscitado constitui a comunidade dos crentes como seu corpo.
806.
Na unidade deste corpo
existe diversidade de membros e de funções. Todos os membros estão ligados uns
aos outros, particularmente aos que são pobres e aos perseguidos.
807. A Igreja é este corpo do qual Cristo é a Cabeça: a Igreja vive dele, nele e por ele; ele vive com ela e nela.
808.
A Igreja é a Esposa de
Cristo: ele a amou e entregou-se por ela. Purificou-a pelo seu sangue. Fez dela
a Mãe fecunda de todos os filhos de Deus.
809.
A Igreja é o templo do
Espírito Santo. O Espírito é como a alma do corpo místico, princípio de sua
vida, da unidade na diversidade e da riqueza de seus dons e carismas.
810.
“Desta maneira, aparece a Igreja
toda como ‘um povo reunido na unidade do pai e do filho e do Espírito Santo’”.
PARÁGRAFO 3
A IGREJA É UNA, SANTA, CATÓLICA E APOSTÓLICA
811.
“Esta é a única Igreja de Cristo que, no Símbolo,
confessamos una, santa, católica e apostólica”. Esses quatro atributos,
inseparavelmente ligados entre si, indicam traços essenciais da Igreja e de sua
missão. A Igreja não os tem de si mesma; é Cristo que, pelo Espírito Santo, dá
à sua Igreja o ser una, santa, católica e apostólica, e é também ele que a convida
a realizar cada uma dessas qualidades.
812.
Só a fé pode reconhecer que a Igreja recebe estas
propriedades de sua fonte divina. Suas manifestações históricas constituem
sinais que falam também com clareza à razão humana. “A Igreja – lembra o
Concílio Vaticano I –, em razão de sua santidade, de sua unidade católica, de
sua inabalável firmeza, é ela mesma um grande e perpétuo motivo de
credibilidade e uma prova irrefutável de sua missão divina”.
I.
A Igreja é una
“O MISTÉRIO SAGRADO DA UNIDADE DA IGREJA”
813.
A Igreja é una por sua fonte: “O modelo supremo
e o princípio deste mistério é a unidade de um só Deus na Trindade de Pessoas,
Pai e Filho no Espírito Santo”. A Igreja é una por seu Fundador: “Pois
o próprio Filho encarnado, […] por sua cruz reconciliou todos os homens com
Deus, restabelecendo a união de todos em um só povo e em um só corpo”. A
Igreja é una por sua “alma”: “O Espírito Santo que habita nos crentes, que
plenifica e rege toda a Igreja, realiza esta admirável comunhão dos fiéis e os une
tão intimamente em Cristo, que ele é o princípio da unidade da Igreja”. É,
portanto, da própria essência da Igreja ser una:
“Que estupendo mistério!
Há um único Pai do universo, um único Logos do universo e também um único Espírito
Santo, idêntico em todo lugar; há também uma única virgem que se tornou mãe, e
me agrada chamá-la Igreja”.
814.
Contudo, desde a origem, esta Igreja una se apresenta
com grande diversidade, a qual provêm, ao mesmo tempo, da variedade
dos dons de Deus e da multiplicidade das pessoas que os recebem. Na unidade do Povo
de Deus, congregam-se as diversidades dos povos e das culturas. Entre os
membros da Igreja existe diversidade de dons, de encargos, de condições, de
modos de vida; “na comunhão eclesiástica há, legitimamente, Igrejas
particulares gozando de tradições próprias”. A grande riqueza desta diversidade
não se opõe à unidade da Igreja. No entanto, o pecado e o peso de suas
consequências ameaçam, sem cessar, o dom da unidade. Assim, o apóstolo precisa exortar
a “guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz” (Ef 4, 3).
815.
Quais são estes vínculos da unidade? “Sobretudo,
revesti-vos do amor, que une a todos na perfeição” (Cl 3, 14). Entretanto
a unidade da Igreja peregrinante é também assegurada por vínculos visíveis de
comunhão:
– a profissão de uma única fé recebida dos
Apóstolos;
– a celebração comum do culto divino, sobretudo dos
sacramentos;
– a sucessão apostólica, por meio do sacramento da
Ordem, que mantém a concórdia fraterna da família de Deus.
816.
“A única Igreja de Cristo […] é a que nosso
Salvador, depois de sua Ressurreição, entregou a Pedro para que fosse seu
pastor e confiou a ele e aos demais Apóstolos para propagá-la e regê-la. […]
Esta Igreja, constituída e organizada neste mundo como uma sociedade,
subsiste na (‘subsistit in’) Igreja Católica, governada pelo
sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele”.
“O decreto do
Concílio Vaticano II sobre o ecumenismo explicita: “Pois somente por meio da Igreja
católica de Cristo, ‘a qual é meio geral de salvação’, pode ser atingida toda a
plenitude dos meios de salvação. Cremos que o Senhor confiou todos os bens da
Nova Aliança somente ao colégio apostólico, do qual Pedro é o chefe, a fim, de
construir na terra um só corpo de Cristo, ao qual é necessário que se
incorporem plenamente todos os que, de alguma forma, já pertencem ao povo de
Deus”.
AS FERIDAS DA UNIDADE
817.
Na realidade, “nesta una e única Igreja de Deus, já
desde os primórdios, surgiram algumas cisões, que o Apóstolo censura com vigor
como condenáveis. Divergências mais amplas nasceram nos séculos posteriores.
Comunidades não pequenas separaram-se da plena comunhão com a Igreja católica,
por vezes não sem culpa de homens de ambas as partes”. As rupturas que ferem a
unidade do corpo de Cristo (distinguem-se a heresia, a apostasia e o cisma) não
acontecem sem os pecados dos homens:
“Ubi peccata
sunt, ibi multitudo, ibi schismata, ibi haereses, discussiones. Ubi autem
virtus, ibi singularitas, ibi unio, ex quo omnium credentium erat cor unum et
anima uma. — Onde estão os pecados, aí está a multiplicidade (das
crenças), aí o cisma, aí as heresias, aí as controvérsias. Onde, porém está a
virtude, aí está a unidade, aí, a comunhão, em força disso, os crentes eram um
só coração e uma só alma”.
818.
Os que hoje em dia nascem em comunidades que
surgiram de tais rupturas “e estão imbuídos da fé em Cristo [...] não podem ser
acusados do pecado de separação, e a Igreja católica os abraça com fraterna
reverência e amor. […] Justificados pela fé recebida no Batismo, estão incorporados
em Cristo, e por isso, com razão, são honrados com o nome de cristãos e merecidamente
reconhecidos pelos filhos da Igreja católica como irmãos no Senhor”.
819.
Além disso, “muitos elementos de santificação e de
verdade existem fora dos limites visíveis da Igreja católica como a palavra escrita
de Deus, a vida da graça, a fé, a esperança, a caridade, outros dons interiores
do Espírito Santo e outros elementos visíveis”. O espírito de Cristo serve-se
dessas Igrejas e comunidades eclesiais como meios de salvação, cuja força vem
da plenitude de graça e de verdade que Cristo confiou à Igreja católica. Todos
esses bens provêm de Cristo e a ele conduzem e “impulsionam para a unidade
católica”.
RUMO À UNIDADE
820.
A unidade, “Cristo a concedeu, desde o início, à
sua Igreja, e nós cremos que ela subsiste, sem possibilidade de ser perdida, na
Igreja católica e esperamos que cresça, dia após dia, até à consumação dos
séculos”. Cristo dá sempre à sua Igreja o dom da unidade, mas a Igreja deve sempre
orar e trabalhar para manter, reforçar e aperfeiçoar a unidade de Cristo quer
para ela. Por isso, Jesus mesmo orou na hora de sua paixão e não cessa de orar
ao Pai pela unidade de seus discípulos: “Que todos sejam um, como tu, Pai, estás
em mim, e eu em ti. Que eles estejam em nós, a fim de que o mundo creia que tu
me enviaste” (Jo 17, 21). O desejo de reencontrar a unidade de todos
os cristãos é um dom de Cristo e um convite do Espírito Santo.
821.
Para responder adequadamente a este apelo, exigem-se:
– renovação permanente da Igreja em maior fidelidade
à sua vocação. Esta renovação é a mola do movimento rumo a unidade;
– conversão do coração, “com vistas a
viver mais puramente segundo o Evangelho”, pois é a infidelidade dos membros ao
dom de Cristo que causa divisões;
– a oração em comum, pois “a conversão do
coração e a santidade de vida, juntamente com a preces particulares e públicas
pela unidade dos cristãos, devem ser consideradas a alma de todo o movimento
ecumênico e, com razão, podem ser chamadas de ecumenismo espiritual”;
– conhecimento fraterno reciproco;
– formação ecumênica dos fiéis, especialmente
dos presbíteros; – diálogo entre os teólogos e encontros entre os
cristãos de diferentes Igrejas e comunidades;
– colaboração entre cristãos nos diversos
campos do serviço aos homens”.
822.
A preocupação de realizar a união “diz respeito à
Igreja inteira, fiéis e Pastores”. Mas é preciso também “ter consciência de que
este projeto sagrado – a reconciliação de todos os cristãos na unidade de uma
só e única Igreja de Cristo – ultrapassa as forças e as capacidades humanas”.
Por isso depositamos toda a nossa esperança “na oração de Cristo pela Igreja,
no amor do Pai para nós e no poder do Espírito Santo”.
II.
A Igreja é santa
823.
“Nós acreditamos que a Igreja […] é, aos olhos da
fé, indefectivelmente santa. De fato, Cristo, Filho de Deus, que com o Pai e o
Espírito Santo é proclamado o ‘único Santo’, amou a Igreja como sua Esposa. Por
ela se entregou com o fim de santificá-la. Uniu-a a si como seu corpo e a cumulou
com o dom do Espírito Santo, para a glória de Deus”. A Igreja é, portanto, “o
povo santo de Deus”, e seus membros são chamados “santos”.
824.
A Igreja, unida a Cristo, é santificada por Ele; por
Ele e nele torna-se também santificante. Todas as obras da Igreja tendem, como
seu fim, “a santificação dos homens em Cristo e a glorificação de Deus”. É na
Igreja que está depositada “a plenitude dos meios de salvação”. É nela que “adquirimos
a santidade pela graça de Deus”.
825.
“Já na terra a Igreja está ordenada de verdadeira
santidade, embora imperfeita”. Em seus membros, a santidade perfeita ainda é algo
a adquirir: “Munidos de tantos e tão salutares meios, todos os cristãos, de
qualquer condição ou estado, são chamados pelo Senhor, cada um por seu caminho,
à perfeição da santidade pela qual é perfeito o próprio Pai”.
826.
A caridade é a alma da santidade à qual
todos são chamados: Ela “dirige todos os meios de santificação, dá-lhes forma e
os conduz ao fim”:
“Compreendi que a
Igreja tinha um corpo, composto de diferentes membros, não lhe faltava o membro
mais nobre e mais necessário (o coração). Compreendi que a igreja tinha um
Coração, e que este Coração ardia de Amor. Compreendi
que só o Amor fazia os membros da Igreja agirem, que, se
o Amor viesse a se apagar, os Apóstolos não anunciariam mais o
Evangelho, os Mártires se recusariam a derramar seu sangue… Compreendi
que o Amor continha todas as vocações, que o amor era tudo que ele abraçava
todos os tempos e todos lugares … em uma palavra, que ele é Eterno!”.
827.
“Enquanto Cristo, ‘santo, inocente, imaculado’, não
conheceu o pecado, mas veio apenas para expiar os pecados do povo, a Igreja, reunindo
em seu próprio seio os pecadores, ao mesmo tempo santa e sempre necessitada de purificação,
busca sem cessar a penitência e a renovação”. Todos os membros da Igreja,
inclusive seus ministros, devem reconhecer-se pecadores. Em todos eles o joio
do pecado continua ainda mesclado ao trigo do Evangelho até o fim dos tempos. A
Igreja reúne, portanto, pecadores alcançados pela salvação de Cristo, mas ainda
em via de santificação.
A Igreja “é santa,
não obstante compreender no seu seio pecadores, porque ela não possui em si
outra vida senão a da graça: é vivendo da sua vida que os seus membros se
santificam; e é subtraindo-se à sua vida que eles caem em pecado e nas
desordens que impedem a irradiação da sua santidade. É por isso que ela sofre e
faz penitência por estas faltas, tendo o poder de curar delas os seus filhos,
pelo Sangue de Cristo e pelo dom do Espírito Santo”.
828.
Ao canonizar certos fiéis, isto é, ao
proclamar solenemente que esses fiéis praticaram heroicamente as virtudes e
viveram na fidelidade à graça de Deus, a Igreja reconhece o poder do Espírito
de santidade que está em si e sustenta a esperança dos fiéis, propondo-lhes os
santos como modelos e intercessores. “Os santos e santas foram sempre foram fonte
e origem de renovação nas circunstâncias mais difíceis da história da Igreja”. Com
efeito, “a santidade é a fonte secreta e a medida infalível de sua atividade
apostólica e de seu impulso missionário”.
829.
“Enquanto, na beatíssima Virgem, a Igreja já atingiu
a perfeição, pela qual existe sem mácula e sem ruga, os cristãos ainda se
esforçam por crescer em santidade, vencendo o pecado e por isso elevam seus
olhos a Maria”: nela, a Igreja já é toda santa.
III.
A Igreja é católica
QUE QUER DIZER “CATÓLICO”?
830.
A palavra “católico” significa “universal” no
sentido de “segundo a totalidade” ou “segundo a integridade”. A Igreja é
católica em duplo sentido:
Ela é católica
porque nela Cristo está presente. “Onde está Jesus Cristo, está a Igreja católica”.
Nela subsiste a plenitude do corpo de Cristo unido à sua Cabeça, o que implica
que ela recebe dele “a plenitude dos meios de salvação” que ele quis: confissão
de fé correta e completa, vida sacramental integral e ministério ordenado na
sucessão apostólica. Neste sentido fundamental, a Igreja era católica no dia de
Pentecostes e o será sempre, até ao dia da Parusia.
831.
Ela é católica porque é enviada em missão por Cristo
à universalidade do gênero humano.
“Todos os homens
são chamados a pertencer ao novo Povo de Deus. Por isso este Povo, permanecendo
uno e único, deve se estender a todo o mundo e por todos os tempos, para que se
cumpra o desígnio da vontade de Deus, que, no início, formou uma natureza
humana e quer, ao final, congregar em si seus filhos que estavam dispersos. […]
Este caráter de universalidade que, marca o povo de Deus, é um dom do próprio
Senhor, pelo qual a Igreja católica, de maneira eficaz e perpétua, tende a
recapitular toda a humanidade com todos os seus bens sob Cristo Cabeça, na
unidade do seu Espírito”.
CADA IGREJA PARTICULAR É “CATÓLICA”
832.
“A Igreja de Cristo está verdadeiramente presente
em todas as legítimas comunidades locais de fiéis que, unidas aos seus Pastores,
são também elas, no Novo Testamento, chamadas ‘Igrejas’. […] Nelas os fiéis são
reunidos pela pregação do Evangelho de Cristo, nelas se celebra o mistério da
Ceia do Senhor. […] Nessas comunidades, embora muitas vezes pequenas e pobres,
ou vivendo na dispersão, está presente Cristo, por cuja virtude se constitui a
Igreja una, santa, católica e apostólica”.
833.
Por Igreja particular, que é, em primeiro lugar, a
diocese (ou a eparquia), entende-se uma comunidade de fiéis cristãos, em
comunhão na fé e nos sacramentos com seu Bispo, ordenado na sucessão
apostólica. Essas Igrejas particulares “são formadas à imagem da Igreja
universal; é nelas e a partir delas que existe a Igreja católica una e única”.
834.
As Igrejas particulares são plenamente católicas
pela comunhão com uma delas: a Igreja de Roma, “que preside na caridade”. “Pois
com esta Igreja, em razão de sua origem mais excelente, deve necessariamente
concordar cada Igreja, isto é, os fiéis de toda a parte”. “Com efeito, desde a
descida a nós do Verbo Encarnado, todas as Igrejas cristãs de toda parte
consideraram e continuam considerando a grande Igreja que está aqui [Roma] como
única base e fundamento, visto que, segundo as próprias promessas do Salvador,
as portas do inferno nunca prevalecerão sobre ela”.
835.
“Devemos, no entanto, evitar de conceber a Igreja universal
como sendo o somatório, ou, por assim dizer, a federação, de Igrejas
particulares. A Igreja é universal por vocação e por missão ao lançar suas
raízes na variedade dos terrenos culturais, sociais e humanos, se reveste, em
cada parte do mundo, de aspectos e de expressões exteriores”. A rica variedade
de disciplinas eclesiásticas, de ritos litúrgicos, de patrimônios teológicos e
espirituais próprios das Igrejas locais “mostra com maior evidência a catolicidade
da Igreja indivisa, por sua convergência na unidade”.
QUEM PERTENCE À IGREJA CATÓLICA?
836.
“Todos os homens, são chamados a está católica
unidade do Povo de Deus. A ela pertencem ou são ordenados, de diversos modos,
quer os fiéis católicos, quer os outros crentes em Cristo, quer todos os homens,
que, pela graça de Deus, são chamados à salvação”.
837. “São incorporados plenamente à sociedade, que é a Igreja, aqueles que, tendo o Espírito de Cristo, aceitam a totalidade de sua organização e todos os meios de salvação nela instituídos e em sua estrutura visível estão unidos a Cristo – que a dirige por meio do Sumo Pontífice e dos Bispos – pelos vínculos da profissão de fé, dos sacramentos, do regime eclesiástico e da comunhão. Contudo não se salva, embora esteja incorporado à Igreja, aquele que não persevera na caridade e permanece dentro da Igreja ‘com o corpo’, mas não ‘com o coração’.
838.
Por muitos motivos, “a Igreja sabe-se ligada aos batizados
que são designados como o nome cristãos, mas não professam na íntegra a fé ou
não guardam a unidade da comunhão sob o Sucessor de Pedro”. “Aqueles que creem
em Cristo e foram devidamente batizados estão constituídos em certa comunhão,
embora não perfeita, com a Igreja católica”. Com as Igrejas ortodoxas, esta
comunhão é tão profunda “que falta bem pouco para que ela atinja a plenitude
que autoriza uma celebração comum da Eucaristia do Senhor”.
A IGREJA E OS NÃO CRISTÃOS
839.
“Os que ainda não receberam o Evangelho também se
ordenam por diversos modos ao povo de Deus”.
A relação da
Igreja com o povo hebreu. A Igreja, povo de Deus na Nova Aliança, descobre,
ao investigar seu próprio mistério, seus vínculos com o povo hebreu “a quem
Deus falou em primeiro lugar”. Diferentemente das outras religiões não cristãs,
a fé hebraica já é resposta à revelação de Deus na Antiga Aliança. É ao povo hebreu
que “pertencem a adoção como filhos, a glória, as alianças, as leis, o culto,
as promessas e também os patriarcas. Deles é que descende, quanto à carne, o
Cristo, que está acima de tudo, Deus bendito para sempre!” (Rm 9, 4-5),
pois “os dons e avocação de Deus são irrevogáveis” (Rm 11, 29).
840.
Ainda mais, quando se considera o futuro, o povo de
Deus da Antiga Aliança e o novo povo de Deus tendem para fins análogos: a
espera da vinda (ou da volta) do Messias. No entanto, se espera, do lado dos
cristãos, a volta do Messias, morto e ressuscitado, reconhecido como Senhor e
Filho de Deus, e, do lado dos hebreus, a vinda do Messias – cujos traços
permanecem encobertos, no fim dos tempos, espera acompanhada do drama da ignorância
ou do desconhecimento de Cristo Jesus.
841.
As relações da Igreja com os muçulmanos. “O plano
de salvação abrange também aqueles que reconhecem o Criador. Entre eles, em
primeiro lugar, os muçulmanos, que, professando ter a fé de Abraão, adoram
conosco o Deus único, misericordioso, juiz dos homens no último dia”.
842.
O vínculo da Igreja com as religiões não cristãs é
primeiro o da origem e do fim comuns do gênero humano:
“Com efeito, todos
os povos constituem uma só comunidade. Têm uma só origem, visto que Deus fez todo
o gênero humano habitar a face da terra. Têm igualmente um único fim comum:
Deus, cuja providência, o testemunho de bondade e o desejo de salvação abrangem
a todos, até os eleitos se reunirem na cidade santa”.
843.
A Igreja reconhece, nas outras religiões, a busca, “ainda
nas sombras e sob imagens”, do Deus desconhecido, mas próximo, pois é Ele quem dá
a todos vida, respiração e tudo o mais, e quer que todos os homens sejam
salvos. Assim, a Igreja considera tudo o que pode haver de bom e de verdadeiro
nas religiões “como uma preparação evangélica dada por Aquele que ilumina todo
homem para que, finalmente, tenham a vida”.
844.
Em seu comportamento religioso, porém, os homens mostram
também limitações e erros que desfiguram neles a imagem de Deus:
“Muitas vezes os
homens, enganados pelo maligno, enganaram-se em seus pensamentos e trocaram a
verdade de Deus pela mentira, servindo à criatura mais que ao Criador, ou,
vivendo e morrendo sem Deus neste mundo, se expõem ao extremo desespero”.
845.
Para reunir novamente todos os seus filhos – que o
pecado dispersou e desgarrou-o Pai quis convocar toda a humanidade na Igreja de
seu Filho. A Igreja é o lugar em que a humanidade deve reencontrar sua unidade
e sua salvação. Ela é “o mundo reconciliado”. Ela é esse navio que “navega bem
neste mundo ao sopro do Espírito Santo, com as velas da cruz do Senhor
plenamente desfraldadas”. Segundo outra imagem estimada pelos Padres da Igreja,
ela é figurada pela Arca de Noé, a única que salva do dilúvio.
“FORA DA IGREJA NÃO HÁ SALVAÇÃO”
846.
Como entender esta afirmação, com frequência
repetida pelos Padres da Igreja? Formulada de maneira positivo, ela significa
que toda salvação vem de Cristo-Cabeça por meio da Igreja, que é seu corpo:
“Apoiado na Sagrada
Escritura e na Tradição, o Concílio ensina que esta Igreja peregrina é
necessária para a salvação. O único mediador e caminho da salvação é Cristo,
que se torna presente para nós em seu corpo, que é a Igreja. Ele, porém,
indicando expressamente a necessidade da fé e do Batismo, ao mesmo tempo confirmou
a necessidade da Igreja, na qual os homens entram pelo Batismo, como por uma
porta. Por isso não podem se salvar aqueles que, sabendo que a Igreja católica
foi fundada por Deus, por meio de Jesus Cristo, como instituição necessária,
apesar disso não quiseram nela entrar ou nela perseverar”.
847.
Esta afirmação não visa àqueles que, sem culpa, desconhecem
Cristo e sua Igreja:
“Aqueles, portanto,
que, sem culpa, ignoram o Evangelho de Cristo e sua Igreja, mas buscam a Deus
com coração sincero e tentam, sob o influxo da graça, cumprir por obras a sua
vontade conhecida por meio do ditame da consciência podem conseguir a salvação
eterna”.
848.
“Deus pode, por caminhos dele conhecidos, levar a
fé todos os homens que, sem culpa própria, ignoram o Evangelho. Pois ‘sem a fé
é impossível agradar-lhe’. Mesmo assim, cabe à Igreja o dever e também o
direito sagrado de evangelizar” todos os homens.
A MISSÃO UMA EXIGÊNCIA DA CATOLICIDADE DA
IGREJA
849.
O mandato missionário. “Enviada por Deus às
nações para ser ‘o sacramento universal da salvação’, a Igreja, em virtude das
exigências íntimas de sua própria catolicidade e obedecendo à ordem de seu
fundador, esforça-se para anunciar o Evangelho a todos os homens”. “Ide, pois,
fazer discípulos entre todas as nações, e batizai-os em nome do Pai, do Filho e
do Espírito Santo. Ensinai-lhes a observar tudo o que vos tenho ordenado. Eis
que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28,
19-20).
850.
A origem e o objetivo da missão. O mandato
missionário do Senhor tem sua fonte última no amor eterno da Santíssima
Trindade: “A Igreja peregrina é, por sua natureza, missionária, pois ela se
origina da missão do Filho e da missão do Espírito Santo, segundo o desígnio de
Deus Pai”. O fim último da missão não é outro senão fazer os homens
participarem da comunhão que existe entre o Pai e o Filho em seu Espírito de
amor.
851.
O motivo da missão. A Igreja sempre derivou a
obrigação e a força de seu impulso missionário do amor de Deus por todos os homens:
“O amor de Cristo nos impele…” (2 Cor 5, 14). Com efeito, “Ele quer que
todos sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (1 Tm 2, 4).
Deus quer a salvação de todos pelo conhecimento da verdade. A salvação está na
verdade. Os que obedecem à moção do Espírito de verdade já estão no caminho da
salvação. A Igreja, à qual esta verdade foi confiada, deve ir ao encontro de
seu anseio, levando-lhes a mesma verdade. Ela tem de ser missionária, porque
crê no projeto universal de salvação.
852.
Os caminhos da missão. “O Espírito Santo é o protagonista
de toda a missão eclesial”. É ele quem conduz a Igreja pelos caminhos da
missão. “Esta missão, no decurso da história, continua e desdobra a missão do
próprio Cristo, enviado a evangelizar os pobres. Eis porque a Igreja, impelida
pelo Espírito de Cristo, deve trilhar a mesma estrada de Cristo, isto é, os
caminhos da pobreza, da obediência, do serviço, da imolação de si até a morte,
da qual Ele saiu vencedor por sua ressurreição”. É assim que “o sangue dos
mártires é semente de cristãos”.
853.
Em sua peregrinação, “não ignora a Igreja o quanto
se distanciam entre si a mensagem que ela profere e a fraqueza humana daqueles
aos quais o Evangelho foi confiado”. Somente avançando pelo caminho “da
penitência e da renovação” e “pela porta estreita da Cruz”, o Povo de Deus pode
estender o Reino de Cristo. Com efeito, “assim como Cristo consumou a obra da
redenção na pobreza e na perseguição, a Igreja é chamada a seguir o mesmo
caminho, a fim de comunicar aos homens os frutos da salvação”.
854.
Por sua própria missão, “a Igreja caminha com a
humanidade inteira. Experimenta com o mundo a mesma sorte terrena; é como o
fermento e a alma da sociedade humana a ser renovada em Cristo e transformada
na família de Deus”. O esforço missionário exige, pois, a paciência. Começa
pelo anúncio do Evangelho aos povos e aos grupos que ainda não creem em Cristo;
prossegue no estabelecimento de comunidades cristãs que sejam “sinais da
presença de Deus no mundo” e na fundação de Igrejas locais; organiza um
processo de inculturação para encarnar o Evangelho nas culturas dos povos; e não
deixará de conhecer também fracassos. “Porquanto aos homens, às sociedades e
aos povos, apenas gradualmente os atinge e penetra, e assim os assume na
plenitude católica”.
855.
A missão da Igreja exige esforço rumo à unidade
dos cristãos. Efetivamente, “as divisões entre cristãos impedem a Igreja
de realizar a plenitude da catolicidade, que lhe é própria, naqueles filhos
que, embora lhe pertençam pelo Batismo, estão separados da plena comunhão com
ela. Não só isso, mas também para a própria Igreja torna-se tanto mais difícil
exprimir, na realidade de sua vida, a plena catolicidade sob todos os aspectos”.
856.
A tarefa missionária implica um diálogo
respeitoso com os que ainda não aceitam o Evangelho. Os fiéis podem tirar
proveito para si mesmos deste diálogo, aprendendo a conhecer melhor “tudo
quanto de verdade e de graça já se achava entre as nações, em uma como que
secreta presença de Deus”. Se anunciam a Boa Nova aos que a desconhecem, é para
consolidar, completar, elevar a verdade e o bem que Deus difundiu entre os
homens e os povos e para purificá-los do erro e do mal, “para a glória de Deus,
a confusão do demônio e a felicidade do homem”.
IV.
A Igreja é apostólica
857.
A Igreja é apostólica, por ser fundada sobre os
Apóstolos, e isto em tríplice sentidos:
– ela foi e
continua sendo construída sobre “o alicerce dos apóstolos” (Ef 2, 20),
testemunhas escolhidas e enviadas em missão pelo próprio Cristo;
– ela conserva e transmite, com a ajuda do Espírito
Santo que nela habita, o ensinamento, o depósito precioso, as salutares
palavras ouvidas da boca dos Apóstolos;
– ela continua
a ser ensinada, santificada e dirigida pelos Apóstolos até a volta de Cristo,
graças aos que a eles sucedem na missão pastoral: o colégio dos Bispos, “assistido
pelos presbíteros, em união com o sucessor de Pedro, pastor supremo da Igreja”.
“Pastor eterno, vós
não abandonais o rebanho, mas sempre o guardais constantemente pela proteção
dos Apóstolos. Assim a Igreja é conduzida pelos mesmos pastores que pusestes à
sua frente como representantes de vosso Filho, Jesus Cristo, Senhor nosso”.
A MISSÃO DOS APÓSTOLOS
858.
Jesus é o Enviado do Pai. Desde o início de seu
ministério “chamou os que ele quis; e foram a ele. Ele constituiu então doze
para que ficassem com ele e para que os enviasse a anunciar a Boa Nova” (Mc 3, 13-14).
A partir daquela hora, eles passaram a ser seus “enviados” (é o que significa a
palavra grega “apóstolo”). Neles continua a própria missão de Jesus: “Como
o Pai me enviou também eu vos envio” (Jo 20, 21). Seu ministério é, portanto,
a continuação da própria missão de Jesus: “Quem vos recebe a mim recebe”, diz
ele aos Doze (Mt 10, 40).
859.
Jesus os associa à missão que recebeu do Pai: como “o
Filho não pode fazer nada por si mesmo” (Jo 5, 19.30), mas recebe tudo do
Pai que o enviou, assim os que Jesus envia nada podem fazer sem ele, de quem
recebem o mandato de missão e o poder de exercê-lo. Os Apóstolos de Cristo
sabem, portanto, que são qualificados por Deus como “ministros da aliança nova”
(2 Cor 3, 6), “ministros de Deus” (2 Cor 6, 4), “embaixadores de
Cristo” (2 Cor 5, 20), “ministros de Cristo e administradores dos
mistérios de Deus” (1 Cor 4, 1).
860.
No encargo dos Apóstolos, há um aspecto não transmissível:
serem as testemunhas escolhidas da ressurreição do Senhor e os fundamentos da
Igreja. Há também um aspecto permanente em seu ofício. Cristo prometeu-lhes ficar
com eles até o fim dos tempos. “Esta missão divina confiada por Cristo aos
Apóstolos deverá durar até o fim dos séculos, já que o Evangelho que eles devem
transmitir é para a Igreja, em todos os tempos, a fonte de toda vida. Por esta
razão os Apóstolos cuidaram de instituir sucessores”.
OS BISPOS, SUCESSORES DOS APÓSTOLOS
861.
“Para que a missão a eles confiada fosse continuada
após sua morte, confiaram a seus cooperadores imediatos, como por testamento, o
múnus de completar e confirmar a obra iniciada por eles, recomendando-lhes que
atendessem a todo o rebanho, no qual o Espírito Santo os instruíra para
apascentar a Igreja de Deus. Constituíra, pois, tais varões e administraram-lhes
depois a ordenação, a fim de que, quando eles morressem, outros homens íntegros
assumissem seu ministério”.
862.
“Assim como permanecem o múnus que o Senhor concedeu
singularmente a Pedro, o primeiro dos Apóstolos, a ser transmitido a seus
sucessores, da mesma forma permanece o múnus dos Apóstolos de apascentar a
Igreja, o qual deve ser exercido para sempre pela sagrada ordem dos Bispos”. Eis
por que a Igreja ensina que “os Bispos, por instituição divina sucederam aos
Apóstolos como Pastores da Igreja, de modo que quem os ouve, ouve a Cristo e quem
os despreza, despreza a Cristo e àquele por quem Cristo foi enviado”.
O APOSTOLADO
863.
Toda a Igreja é apostólica, na medida em que, por
meio dos sucessores de São Pedro e dos Apóstolos, permanece em comunhão de fé e
de vida com a sua origem. Toda a Igreja é apostólica, na medida em que é “enviada”
ao mundo inteiro; todos os membros da Igreja, ainda que de formas diversas,
participam deste envio. “A vocação cristã é também, por natureza, vocação ao
apostolado”. Denomina-se “apostolado” “toda a atividade do corpo místico” que
tende a “estender o Reino de Cristo a toda a terra”.
864.
“Sendo Cristo, enviado pelo Pai, a fonte e a origem
de todo apostolado da Igreja”, é evidente que a fecundidade do apostolado,
tanto o dos ministros ordenados como dos leigos, “depende de sua união vital
com Cristo”. De acordo com as vocações, os apelos da época e os variados dons
do Espírito Santo, o apostolado assume as mais diversas formas. No entanto, é
sempre a caridade colhida sobretudo na Eucaristia, “que é como que a alma de
todo o apostolado”.
865.
A Igreja é una, santa, católica e apostólica em
sua identidade profunda e última, porque é nela que existe e será consumado, no
fim dos tempos, “o Reino dos céus”, “o Reino de Deus”, que veio na pessoa de
Cristo e cresce, misteriosamente, no coração dos que lhe são incorporados, até sua
plena manifestação escatológica. Então todos os homens remidos por
ele, tornados nele “santos e imaculados na presença de Deus no Amor”, serão
reunidos como o único Povo de Deus, “a Esposa do Cordeiro”, “a Cidade
Santa descida do Céu, de junto de Deus, com a glória de Deus nela” – “a muralha
da cidade tinha doze alicerces, sobre eles estavam os nomes dos doze Apóstolos
do Cordeiro” (Ap 21, 14).
Resumindo:
866.
A Igreja é una: tem
um só Senhor, confessa uma só fé, nasce de um só Batismo, forma um só corpo
vivificado por um só Espírito, em vista de uma única esperança, no fim da qual
serão superadas todas as divisões.
867.
A Igreja é santa: o
Deus santíssimo é seu autor; Cristo, seu esposo, entregou-se por ela para santificá-la;
o Espírito de santidade a vivifica. Embora congregue pecadores, ela é “imaculada
(feita) de maculados” (“ex maculatis immaculata”). Nos santos brilha a santidade
da Igreja; em Maria ela já é a toda santa.
868.
A Igreja é católica: anuncia
a totalidade da fé; traz em si e administra a plenitude dos meios de salvação;
é enviada a todos os povos; dirige-se a todos os homens; abarca todos os
tempos; “ela é, por sua própria natureza, missionária”.
869.
A Igreja é apostólica: está
construída sobre fundamentos duradouros: “Os doze Apóstolos do Cordeiro”; ela é indestrutível; é
infalivelmente mantida na verdade: Cristo a governa por meio de Pedro e dos demais
Apóstolos, presentes em seus sucessores, no Papa e no colégio dos Bispos.
870.
“A única Igreja de Cristo –
que no Símbolo confessamos uma, santa, católica, apostólica […] – subsiste na
Igreja católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão
com ele, embora fora de sua estrutura visível se encontrem numerosos elementos
de santificação e de verdade”.