CREIO
NO ESPÍRITO SANTO
ARTIGO 5
“JESUS CRISTO
DESCEU AOS INFERNOS, RESSUSCITOU DOS MORTOS NO TERCEIRO DIA”
631.
“Ele desceu também às profundezas da terra. Aquele
que desceu é o mesmo que subiu acima de todos os céus, a fim de encher o
universo” (Ef 4, 9-10). O Símbolo dos Apóstolos confessa, em um mesmo
artigo da fé, a descida de Cristo aos infernos e sua ressurreição dos mortos no
terceiro dia, porque, em sua páscoa, é do fundo da morte que ele fez jorrar a
vida:
“Christus, Filius
tuus, qui, regressos ab
inferis, humano generi
serenus illuxit, et vivit et regnat in saecula saeculorum. Amen”. |
“Cristo, teu
Filho, que, retomado dos
infernos, brilhou sereno
para o gênero humano, e viver e reinar pelos
séculos dos séculos. Amém”. |
PARÁGRAFO 1
CRISTO
DESCEU AOS INFERNOS
632.
As frequentes afirmações do Novo Testamento,
segundo as quais Jesus “ressuscitou dos mortos” (1 Cor 15, 20),
pressupõem que, anteriormente à ressurreição, ele tenha ficado na morada dos mortos.
Este é o sentido primeiro dado pela pregação apostólica à descida de Jesus aos
infernos: Jesus conheceu a morte como todos os seres humanos e com sua alma
esteve com eles na morada dos mortos. No entanto, para lá foi como Salvador.
proclamando a boa notícia aos espíritos que ali estavam aprisionados.
633.
A Escritura denomina a morada dos mortos, para a qual
Cristo morto desceu, dos infernos, ou sheol ou Hades, visto que
os que lá se encontram estão privados da visão de Deus. Este é, com efeito, o
estado de todos os mortos, maus ou justos, à espera do Redentor, o que não significa
que a sorte deles seja idêntica, como Jesus mostra na parábola do pobre Lázaro
recebido no “seio de Abraão”. “São precisamente essas almas santas, que
esperavam seu libertador no seio de Abraão, que Jesus libertou ao descer aos infernos”.
Jesus não desceu aos infernos para ali libertar os condenados nem para destruir
o inferno da condenação, mas para libertar os justos que o haviam precedido.
634.
“Também aos mortos foi anunciada a Boa Nova...” (1
Pe 4, 6). A descida aos infernos é o cumprimento, até sua plenitude, do
anúncio evangélico da salvação. É a fase última da missão messiânica de Jesus,
fase condensada no tempo, mas imensamente vasta em sua real significação de
extensão da obra redentora a todos os homens, de todos os tempos e de todos os
lugares, pois todos os que são salvos tornam-se participantes da redenção.
635.
Cristo desceu, portanto, à profundeza da terra, a
fim de que “os mortos” ouvissem “a voz do Filho de Deus” (Jo 5, 25) e a
escutando vivessem. Jesus, “o Príncipe da vida”, “participou da mesma condição,
para destruir, com a sua morte, aquele que tinha o poder da morte, isto é, o diabo.
Assim libertou os que, por medo da morte, passavam a vida toda sujeitos à escravidão” (Hb
2, 14-15). A partir de agora, Cristo ressuscitado tem “a chave da morte e
da morada dos mortos” (Ap 1, 18), e “em nome de Jesus, todo joelho se
dobre no Céu, na Terra e abaixo da terra” (Fl 2, 10).
“Um grande silêncio
reina sobre a terra. Um grande silêncio e uma grande solidão. Um grande
silêncio, porque o Rei está dormindo; a terra estremeceu e ficou silenciosa,
porque o Deus feito homem adormeceu e acordou os que dormiam a séculos. […] Ele
vai antes de tudo à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Faz
questão de visitar os que estão mergulhados nas trevas e na sombra da morte. Deus
e seu Filho vão ao encontro de Adão e Eva cativos, agora libertos dos
sofrimentos. [...] Eu sou o teu Deus, que por tua causa me tornei teu filho.
[…] Acorda, tu que dormes, porque não te criei para permaneceres na mansão dos
mortos, levanta-te, dentre os mortos; eu sou a vida dos mortos”.
Resumindo:
636.
Na expressão “Jesus desceu
à mansão dos mortos”, o símbolo confessa que Jesus morreu realmente e que, por sua
morte por nós, venceu a morte e o diabo “aquele que tinha o poder da morte” (Hb
2, 14).
637.
O Cristo morto, em sua alma
unida à sua pessoa divina, desceu à morada dos mortos. Abriu as portas do céu
aos justos que o haviam precedido.
PARÁGRAFO 2
AO
TERCEIRO DIA RESSUSCITOU DOS MORTOS
638.
“Anunciamos esta Boa-Nova: a promessa que Deus fez
aos nossos pais, ele a cumpriu para nós, os filhos, ao ressuscitar Jesus” (At 13,
32-33). A ressurreição de Jesus é a verdade culminante de nossa fé em Cristo, crida
e vivida como verdade central pela primeira comunidade cristã, transmitida como
fundamental pela Tradição, estabelecida pelos documentos do Novo Testamento,
pregada, juntamente com a cruz, como parte essencial do mistério pascal.
“Cristo ressuscitou
dos mortos.
Por sua morte
venceu a morte,
aos mortos deu a
vida”.
I.
O evento histórico e transcendente
639.
O mistério da ressurreição de Cristo é um
acontecimento real, que teve manifestações historicamente constatadas, como
atesta o Novo Testamento. São Paulo escrevia aos Coríntios, pelo ano de 56: “Eu
vos transmiti [...] o que eu mesmo tinha recebido, a saber: que Cristo morreu
pelos nossos pecados, segundo as Escrituras. Foi sepultado e, ao terceiro dia,
foi ressuscitado, segundo as Escrituras; e apareceu a Cefas e, depois aos Doze” (1
Cor 15, 3-4). O apóstolo fala aqui da viva tradição da
ressurreição, que ficou conhecendo após sua conversão às portas de Damasco.
O TÚMULO VAZIO
640.
“Por que procurais entre os mortos aquele que está
vivo? Não está aqui. Ressuscitou” (Lc 24, 5-6). No quadro dos
acontecimentos da Páscoa, o primeiro elemento com qual nos deparamos é o
sepulcro vazio. Ele não constitui em si uma prova direta. A ausência do corpo
de Cristo no túmulo poderia ser explicada de outra forma. Apesar disso, o sepulcro
vazio constitui para todos um sinal essencial. Sua descoberta pelos discípulos
foi o primeiro passo para o reconhecimento do próprio fato da ressurreição. Este
é o caso das santas mulheres, em primeiro lugar, e de Pedro, logo depois. O
discípulo “que Jesus amava” (Jo 20, 2) afirma que, ao entrar no túmulo vazio
e descobrir “as faixas de linho no chão” (Jo 20, 6), “viu e creu”. Isto supõe
que ele tenha constatado, pelo estado do sepulcro vazio”, que a ausência do
corpo de Jesus não poderia ser obra humana e que Jesus não havia simplesmente retornado
à uma vida terrena, como acontecera com Lázaro.
AS APARIÇÕES DO RESSUSCITADO
641.
Maria de Mágdala e as santas mulheres, que vinham terminar
de embalsamar o corpo de Jesus, sepultado às pressas, na tarde da Sexta-feira
Santa, devido à chegada do sábado, foram as primeiras a encontrar o
Ressuscitado. Assim, as mulheres foram as primeiras mensageiras da ressurreição
de Cristo para os próprios Apóstolos. A eles, Jesus apareceu em seguida:
primeiro a Pedro, depois aos Doze. Pedro, chamado a confirmar a fé de seus
irmãos, vê, portanto, o Ressuscitado antes deles, e é baseada em seu testemunho
que a comunidade exclama: “Realmente, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão” (Lc 24,
34).
642. Tudo o que aconteceu nesses dias pascais convoca todos os Apóstolos, de modo particular Pedro, para a construção dos novos tempos que começaram naquela manhã pascal. Como testemunhas do Ressuscitado, são eles as pedras de fundação de sua Igreja. A fé da primeira comunidade dos crentes tem por fundamento o testemunho de homens concretos, conhecidos dos cristãos, a maioria ainda vivendo entre eles. Estas “testemunhas da ressurreição de Cristo” são, antes de tudo, Pedro e os Doze, mas não somente eles: Paulo fala claramente de mais de quinhentas pessoas às quais Jesus apareceu de uma só vez, além de Tiago e dos outros Apóstolos.
643.
Diante desses testemunhos, é impossível interpretar
a ressurreição de Cristo fora da ordem física e não reconhecê-la como um fato
histórico. Os fatos mostram que a fé dos discípulos foi submetida à prova
radical da paixão e morte de cruz de seu Mestre, anunciada antecipadamente por
ele. O abalo provocado pela paixão foi tão grande que os discípulos (pelo menos
alguns deles) não creram de imediato na notícia da ressurreição. Longe de nos falar
de uma comunidade tomada de exaltação mística, os Evangelhos nos apresentam discípulos
abatidos, “com rosto triste” (Lc 24, 17), assustados, porque não
acreditaram nas santas mulheres que voltavam do sepulcro, considerando suas
palavras “um delírio” (Lc 24, 11). Quando Jesus se manifesta aos onze, na
tarde da Páscoa, “os criticou pela falta de fé e pela dureza de corações,
porque não tinham acreditado naqueles que o tinham visto ressuscitado” (Mc 16,
14).
644.
Mesmo confrontados com a realidade de Jesus ressuscitado,
os discípulos ainda duvidam, a ponto de o fato lhe parecer impossível: pensam
estar vendo um espírito. “Eles ainda não podiam acreditar, tanta era sua
alegria e sua surpresa” (Lc 24, 41). Tomé conhecerá a mesma provação da dúvida.
Quando da última aparição de Jesus na Galileia, contada por Mateus, “alguns tiveram
dúvida” (Mt 28, 17). Por isso, falta consistência à hipótese, segundo
a qual, a ressurreição teria sido um “produto” da fé (ou da credulidade) dos
Apóstolos. Muitos pelo contrário, a fé que tinham na ressurreição nasceu — sob
a ação da graça divina – da experiência direta da realidade de Jesus ressuscitado.
O ESTADO DA HUMANIDADE RESSUSCITADA DE CRISTO
645. Jesus, ressuscitado estabeleceu com seus discípulos relações diretas, estes o tocam e com ele comem. Convida-os, com isso, a reconhecerem que ele não é um fantasma e sobretudo a constatarem que o corpo ressuscitado, com o qual ele se apresenta, é o mesmo que foi martirizado e crucificado, pois ainda traz as marcas de sua paixão. Contudo, este corpo autêntico e real possui, ao mesmo tempo, as propriedades novas de um corpo glorioso: não está mais situado no espaço e no tempo, mas pode se tornar presente, a seu modo, onde e quando quiser, pois sua humanidade não pode mais ficar restrita a terra, mas já pertence exclusivamente ao domínio divino do Pai. Por esta razão, também Jesus ressuscitado é soberanamente livre de aparecer como quiser: sob a aparência de um jardineiro ou “sob outra aparência” (Mc 16, 12), diferente das que eram familiares aos discípulos; tudo isso para suscitar-lhes a fé.
646.
A ressurreição de Cristo não constitui um retorno à
vida terrestre, como as ressurreições que ele havia realizado antes da Páscoa:
a filha de Jairo; a do jovem de Naim; a de Lázaro. Tais fatos eram
acontecimentos miraculosos, porém as pessoas contempladas pelos milagres
voltavam simplesmente à vida terrestre “comum” pelo poder de Jesus. Em
determinado momento, voltariam a morrer. A Ressurreição de Cristo é
essencialmente diferente. Em seu corpo ressuscitado, ele passa de um estado de
morte para outra vida, para além do tempo e do espaço. Na ressurreição, o corpo
de Jesus é repleto do poder do Espírito Santo; participa da vida divina no
estado de sua glória, de modo que Paulo pode chamar a Cristo de “o homem
celeste”.
A RESSURREIÇÃO COMO ACONTECIMENTO TRANSCENDENTE
647.
“Só tu, noite feliz” – canta o Exsultet da
Páscoa – “soubeste a hora em que Cristo da morte ressurgia”. Com efeito,
ninguém foi testemunha ocular do próprio acontecimento da ressurreição, nenhum Evangelista
o descreve. Ninguém foi capaz de dizer como ela se produziu fisicamente. Menos
ainda sua essência mais íntima, sua passagem a outra vida, foi perceptível aos
sentidos. Como evento histórico, constatável pelo sinal do sepulcro vazio e
pela realidade dos encontros dos Apóstolos com Cristo ressuscitado, a Ressurreição
nem por isso deixa de estar no cerne do mistério da fé, no que ela transcende e
supera a história. É por isso que Cristo ressuscitado não se manifesta ao
mundo, mas a seus discípulos, “aqueles que o acompanharam desde a Galileia até
Jerusalém e que agora são suas testemunhas diante do povo.” (At 13,
31).
II.
A ressurreição – Obra da Santíssima Trindade
648.
A ressurreição de Cristo é objeto de fé, enquanto
intervenção transcendente do próprio Deus na criação e na história. Nela, as
três Pessoas divinas agem ao mesmo tempo, juntas, e manifestam sua originalidade
própria. Ela aconteceu pelo poder do Pai que “ressuscitou” (At 2, 24)
Cristo, seu Filho, e desta forma introduziu, de modo perfeito, sua humanidade –
com seu corpo – na Trindade. Definitivamente Jesus, “segundo o Espírito de
santidade foi declarado Filho de Deus com poder, desde a Ressurreição dos
mortos: Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm 1, 4). São Paulo insiste na
manifestação do poder de Deus pela obra do Espírito que vivificou a humanidade
morta de Jesus e a chamou ao estado glorioso de Senhor.
649.
O Filho, ele mesmo, realiza a própria Ressurreição
em virtude de seu poder divino. Jesus anuncia que o Filho do Homem deverá
sofrer muito, morrer e, em seguida, ressuscitar (sentido ativo da palavra). Em
outra ocasião, afirma explicitamente: “Porque dou a minha vida […] Eu tenho
poder de dá-la, como tenho poder de recebê-la de novo” (Jo 10,
17-18). Nós “cremos [...] que Jesus morreu e ressuscitou” (1 Ts 4,
14).
650.
Os Padres da Igreja contemplam a Ressurreição a
partir da Pessoa divina de Cristo que ficou unida à sua alma e a seu corpo
separados entre si pela morte: “Pela unidade da natureza divina, que permanece presente
em cada uma das duas partes do homem, estas se unem novamente. Assim, a morte se
produz pela separação do composto humano, e a Ressurreição, pela união das duas
partes separadas”.
III.
Sentido e alcance salvífico da ressurreição
651.
“Se Cristo não ressuscitou, a nossa pregação é sem
fundamento, e sem fundamento também é a nossa fé” (1 Cor 15, 14). A Ressurreição
constitui, antes de mais nada, a confirmação de tudo o que o próprio Cristo fez
e ensinou. Todas as verdades, mesmo as mais inacessíveis ao espírito humano,
encontram sua justificação se, ao ressuscitar, Cristo deu a prova definitiva,
que havia prometido, de sua autoridade divina.
652.
A Ressurreição de Cristo é “cumprimento das
promessas do Antigo Testamento” e do próprio Jesus, durante sua vida terrestre.
A expressão “segundo as Escrituras” indica que a Ressurreição de Cristo realiza
essas predições.
653. A verdade da divindade de Jesus é confirmada por sua ressurreição. Disser Ele: “Quando tiverdes elevado o Filho do Homem, então sabereis que “EU SOU” (Jo 8, 28). A ressurreição do Crucificado demonstrou que ele era verdadeiramente “EU SOU”, o Filho de Deus e Deus mesmo. São Paulo pôde declarar aos judeus: “A promessa que Deus fez aos nossos pais, Ele a cumpriu para nós ...; Ao ressuscitar Jesus, como está escrito no Salmo segundo: “Tu és o meu filho, eu hoje te gerei”” (At 13, 32-33). A ressurreição de Cristo está estreitamente ligada ao mistério da encarnação do Filho de Deus. É seu cumprimento segundo o desígnio eterno de Deus.
654.
Há duplo aspecto no mistério pascal: por sua morte
Jesus nos liberta do pecado; por sua ressurreição ele nos abre as portas de uma
vida nova. Esta é, por primeiro, a justificação que nos restitui a graça
de Deus, “Para que, como Cristo foi ressuscitou dos mortos pela ação gloriosa
do Pai, assim também nós vivamos uma vida nova” (Rm 6, 4). Ela consiste na
vitória sobre a morte do pecado e na nova participação na graça. Ela realiza a adoção
filial, pois os homens tornam-se irmãos de Cristo, como o próprio Jesus chama seus
discípulos após a ressurreição: “Ide anunciar a meus irmãos” (Mt 28, 10).
Irmãos não por natureza, mas por dom da graça, visto que esta filiação adotiva
proporciona a participação real na vida do Filho único, que se revelou plenamente
em sua ressurreição.
655.
A ressurreição de Cristo – e o próprio Cristo ressuscitado
– é princípio e fonte de nossa ressurreição futura: “Cristo
ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram… Como em Adão todos
morrem, assim em Cristo todos serão vivificados” (1 Cor 15, 20-22).
Na expectativa desta realização, Cristo ressuscitado vive no coração de seus
fiéis. Nele, os cristãos “experimentam os milagres do mundo vindouro” (Hb 6,
5) e sua vida é atraída por Cristo ao seio da vida divina “para que os que
vivem já não vivam para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou” (2
Cor 5, 15).
Resumindo:
656.
A fé na Ressurreição tem
por objeto um acontecimento ao mesmo tempo historicamente atestado pelos
discípulos, que encontraram verdadeiramente o Ressuscitado, e misteriosamente
transcendente, como entrada da humanidade de Cristo na glória de Deus.
657.
O sepulcro vazio e os panos
de linho no chão significam, por si mesmos, que o corpo de Cristo escapou às
correntes da morte e da corrupção pelo poder de Deus. Eles preparam os
discípulos para o reencontro com o Ressuscitado.
658.
Cristo, “primogénito
dentre os mortos” (Cl 1, 18), é o princípio de nossa própria ressurreição,
desde já pela justificação de nossa alma, mais tarde pela vivificação de
nosso corpo.
ARTIGO
6
“JESUS
SUBIU AOS CÉUS, ESTÁ SENTADO À DIREITA DE DEUS PAI TODO-PODEROSO”
659.
“Depois de falar com os discípulos, o Senhor Jesus
foi elevado ao céu e sentou-se à direita de Deus” (Mc 16, 19). O
corpo de Cristo foi glorificado desde o instante de sua ressurreição, como
provam as propriedades novas e sobrenaturais das quais, a partir de então, seu
corpo desfruta em caráter permanente. No entanto, durante os quarenta dias em
que vai comer e beber familiarmente com seus discípulos e instruí-los sobre o
Reino, sua glória permanece ainda velada sob os traços de uma humanidade comum.
A última aparição de Jesus termina com a entrada irreversível de sua humanidade
na glória divina, simbolizada pela nuvem e pelo céu onde, desde então, está
sentado à direita de Deus. De modo totalmente excepcional e único, ele se
mostrará a Paulo, que se considera “como um aborto” (1 Cor 15,
8), em uma última aparição a qual constituirá Apóstolo.
660.
O caráter velado da glória do Ressuscitado, durante
este tempo, transparece em sua palavra misteriosa a Maria Madalena: “Ainda não
subi para junto do Pai. Mas vai dizer aos meus irmãos: Subo para junto do meu
Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus” (Jo 20, 17). Isso indica uma
diferença de manifestação entre a glória de Cristo ressuscitado e a de Cristo
exaltado à direita do Pai. O acontecimento ao mesmo tempo histórico e
transcendente da ascensão marca a transição de uma para a outra.
661.
Esta última etapa permanece intimamente unida à
primeira, isto é, à descida do céu realizada na encarnação. Só aquele que “saiu
do Pai” pode “retornar ao Pai”: Cristo. “Ninguém subiu ao céu, senão aquele que
desceu do céu: o Filho do Homem” (Jo 3, 13). Entregue a suas forças naturais,
a humanidade não tem acesso à “casa do Pai”, à vida e à felicidade de Deus. Só
Cristo pôde abrir esta porta ao homem, “Ele, vossa cabeça e princípio, subiu
aos céus, não para afastar-se de nossa humanidade, mas para dar-nos a certeza
de que nos conduzirá à glória da imortalidade”.
662.
“E quando eu for levantado da terra, atrairei todos
os homens a mim” (Jo 12, 32). A elevação na cruz significa e anuncia
a elevação da ascensão ao céu. É o começo dela. Jesus Cristo, o único Sacerdote
da nova e eterna Aliança, não “entrou num santuário feito por mão humana, […] mas
no próprio céu, a fim de comparecer, agora, na presença de Deus, em nosso favor” (Hb 9,
24). No céu, “Cristo exerce, em caráter permanente, seu sacerdócio”, por isso,
“ele tem poder ilimitado para salvar aqueles que, por seu intermédio, se
aproximam de Deus, já que está sempre vivo para interceder por eles” (Hb
7, 25). Como “sumo sacerdote dos bens futuros” (Hb 9, 11), ele é o
centro, é o ator principal da liturgia que honra o Pai nos céus.
663.
A partir de então, Cristo está sentado à
direita do Pai: “Por direita do Pai entendemos a glória e a honra da
divindade, onde aquele que existia como Filho de Deus, antes de todos os
séculos, como Deus e consubstancial ao Pai, sentou-se corporalmente, depois de encarnar-se
e de sua carne ser glorificada”.
664.
“Sentar-se à direita do Pai significa a inauguração
do reino do Messias, realização da visão do profeta Daniel referente ao Filho
do homem: “Foi-lhe entregue a soberania, a glória e a realeza. Todos os povos,
nações e línguas hão de servir-lhe. Seu poder é um poder eterno, que nunca lhe
será tirado e sua realeza é tal, que jamais será destruída” (Dn 7,
14). A partir desse momento, os Apóstolos se tornaram as testemunhas do “Reino
que não terá fim”.
Resumindo:
665.
A ascensão de Cristo assinala
a entrada definitiva da humanidade de Jesus no domínio celeste de Deus, de onde
voltará, até lá, no entanto, o esconde aos olhos dos homens.
666.
Jesus Cristo, Cabeça da
Igreja, nos precede no reino glorioso do Pai para que nós, membros de seu
corpo, vivamos na esperança de estarmos um dia eternamente com ele.
667.
Tendo entrado uma vez por
todas no santuário do céu, Jesus Cristo intercede sem cessar por nós como
mediador que nos garante permanentemente a efusão do Espírito Santo.
ARTIGO 7
“DONDE
VIRÁ JULGAR OS VIVOS E OS MORTOS”
I.
“Ele voltará na glória”
CRISTO JÁ REINA ATRAVÉS DA IGREJA…
668.
“Cristo morreu e ressuscitou para ser o Senhor dos
mortos e dos vivos” (Rm 14, 9). A ascensão de Cristo ao céu significa
sua participação, em sua humanidade, no poder e na autoridade do próprio Deus.
Jesus Cristo é Senhor: possui todo poder nos céus e na terra. Está “acima de
todo o principado, potestade, fortaleza e senhorio”, pois o Pai “pôs tudo debaixo
de seus pés” (Ef 1, 20-22). Cristo é o Senhor do cosmo e da história. Nele,
a história do homem e mesmo toda a criação encontram sua “recapitulação”, sua consumação
transcendente.
669.
Como Senhor, Cristo é também a cabeça da Igreja,
que é seu Corpo. Elevado ao céu e glorificado, tendo assim cumprido plenamente
sua missão, ele permanece na terra, em sua Igreja. A redenção é a fonte da
autoridade que Cristo, em virtude do Espírito Santo, exerce sobre a Igreja. “O
Reino de Cristo já está misteriosamente presente na Igreja”, “semente e início
deste reino na terra”.
670.
Desde a Ascensão, o desígnio de Deus em sua consumação.
Chegou-se à “última hora” (1 Jo 2, 18). “Portanto, a era final do
mundo já chegou para nós, e a renovação do mundo está irrevogavelmente determinada
e, de certo modo, já está antecipada nesta terra, pois já na terra a Igreja se
reveste de verdadeira santidade, embora imperfeita”. O Reino de Cristo
manifesta sua presença pelos sinais milagrosos que acompanham seu anúncio pela
Igreja.
À ESPERA DE QUE TUDO LHE SEJA SUBMETIDO
671.
Apesar de presente em sua Igreja, o Reino de Cristo
ainda não foio consumado “com grande poder e glória” (Lc 21, 27) pela
vinda do Rei à terra. Esse reino é ainda atacado pelos poderes maus, embora
estes já tenham sido radicalmente vencidos pela Páscoa de Cristo. Enquanto tudo
não for submetido a ele, “enquanto não houver novos céus e nova terra, nos
quais habita a justiça, a Igreja peregrina lev consigo, em seus sacramentos e em
suas instituições, que pertencem à presente, a figura deste mundo que passa.
Ela mesma vive entre as criaturas que, até o presente, gemem e sofrem como que dores
de parto e aguardam a manifestação dos filhos de Deus”. Por este motivo os
cristãos oram, sobretudo na Eucaristia, para apressar a volta de Cristo,
dizendo-lhe: “Vem, Senhor Jesus” (Ap 22, 20).
672.
Cristo afirmou, antes de sua Ascensão, que ainda
não chegara a hora do estabelecimento glorioso do Reino messiânico esperado por
Israel, que deveria trazer a todos os homens, segundo os profetas, a ordem definitiva
da justiça, do amor e da paz. O tempo presente é, segundo o Senhor, o tempo do
Espírito e do testemunho, mas é também um tempo ainda marcado pela “tristeza” e
pela provação do mal, que não poupa a Igreja e inicia os combates dos últimos
dias. É um tempo de expectativa e de vigília.
O ADVENTO GLORIOSO DE CRISTO, ESPERANÇA DE ISRAEL
673.
A partir da ascensão, a vinda de Cristo na glória é
iminente, embora não nos caiba “saber os tempos ou momentos que o Pai
determinou com a sua autoridade” (At 1, 7). Este acontecimento escatológico
pode ocorrer a qualquer momento, ainda que estejam “retidos” tanto ele como a provação
final que há de precedê-lo.
674.
A vinda do Messias glorioso depende, em cada momento
da história, de seu reconhecimento por “todo o Israel”. Uma parte desse Israel se
“endureceu” (Rm 11, 25) na “incredulidade” (Rm 11, 20) para com Jesus.
São Pedro, depois de Pentecostes, afirma aos judeus de Jerusalém: “Arrependei-vos,
portanto, e convertei-vos, para que vossos pecados sejam apagados. Assim, chegará
o tempo do refrigério que vem do Senhor. Este enviará o Cristo, Jesus, que de
antemão vos foi destinado. Entretanto, é necessário que o céu o acolha até que
se cumpra o tempo da restauração de todas as coisas. Pois assim falou Deus, nos
tempos passados, pela boca de seus santos profetas” (At 3, 19-21). São
Paulo lhe faz eco: “Se a rejeição deles resultou na reconciliação do mundo, o
que será o acolhimento deles senão a vida que vem dos mortos?” (Rm 11,
15). A entrada da “plenitude dos judeus” na salvação messiânica, depois da “plenitude
dos pagãos”, dará ao povo de Deus a possibilidade de chegar “à estatura do
Cristo em sua plenitude” (Ef 4, 13), na qual “Deus seja tudo em todos”
(1 Cor 15, 2).
A PROVAÇÃO DERRADEIRA DA IGREJA
675.
Antes do advento de Cristo, a Igreja deve passar
por uma provação final, que abalará a fé de muitos crentes. A perseguição, que
acompanha sua peregrinação na terra desvendará o “mistério de iniquidade” sob a
forma de uma impostura religiosa que há de trazer aos homens aparente solução a
seus problemas, à custa do abandono da verdade. A impostura religiosa suprema é
a do anticristo, isto é, a de um pseudo-messianismo em que o homem glorifica a
si mesmo em lugar de Deus e de seu Messias que veio na carne.
676.
Esta impostura anticrística se esboça no mundo toda
vez que se pretende realizar, na história, a esperança messiânica, a qual só pode
se realizar para além dela, por meio do juízo escatológico: mesmo em sua forma
branda, a Igreja rejeitou esta falsificação do reino vindouro sob o nome de milenarismo,
sobretudo sob a forma política de um messianismo secularizado, “intrinsecamente
perverso”.
677.
A Igreja só entrará na glória do Reino por meio
desta derradeira páscoa, em que seguirá seu Senhor em sua morte e ressurreição.
O Reino não se realizará, portanto, por um triunfo histórico da Igreja segundo
um progresso ascendente, mas por uma vitória de Deus sobre o desencadeamento último
do mal, que fará sua Esposa, descer do céu. O triunfo de Deus sobre a revolta
do mal assumirá a forma do juízo final, depois do derradeiro abalo cósmico
deste mundo que passa.
II.
Para julgar os vivos e os mortos
678.
Na linha dos profetas e de João Batista, Jesus
anunciou, em sua pregação, o juízo do último dia. Serão então revelados a conduta
de cada um e o segredo dos corações. Será também condenada a incredulidade culpada
que fez pouco da graça oferecida por Deus. A atitude em relação ao próximo
revelará o acolhimento ou a recusa da graça e do amor divino, Jesus dirá no último
dia: “Todas as vezes que fizestes isso a um destes mais pequenos, que são meus
irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25, 40).
679.
Cristo é Senhor da vida eterna. O pleno direito de
julgar definitivamente as obras e os corações dos homens pertence a ele como
Redentor do mundo. Ele “adquiriu” este direito por sua cruz. O Pai entregou “ao
filho o poder de julgar” (Jo 5, 22). Ora, o Filho não veio para julgar,
mas para salvar e para dar a vida que está nele. Pela recusa da graça nesta
vida, cada um já se julga a si mesmo, recebe de acordo com suas obras e pode
até condenar-se pela eternidade, ao recusar o Espírito de amor.
Resumindo:
680.
Cristo Senhor já reina através
da Igreja, mas ainda não lhe estão submetidas todas as coisas deste mundo. O
triunfo do reino de Cristo não se dará sem a última investida das potências do
mal.
681.
No dia do juízo, por
ocasião do fim do mundo, Cristo virá na glória para realizar o triunfo
definitivo do bem sobre o mal, os quais, como o trigo e o joio, terão crescido
juntos ao longo da história.
682.
Ao vir no fim dos tempos
para julgar os vivos e os mortos, Cristo glorioso revelará a disposição secreta
dos corações e retribuirá a cada um segundo suas obras e segundo tiver acolhido
ou rejeitado sua graça.
CAPÍTULO
TERCEIRO
CREIO NO ESPÍRITO SANTO
683.
“Ninguém será capaz de dizer “Jesus é Senhor”, a
não ser sob influência do Espírito Santo” (1Cor 12, 3). “Deus enviou aos
nossos corações o Espírito de seu Filho que clama: “Abá, Pai!’” (Gl
4, 6). Este conhecimento de fé só é possível no Espírito Santo. Para estar
em contato com Cristo, é preciso primeiro ter sido tocado pelo Espírito Santo.
É ele que nos precede e suscita em nós a fé. Por nosso Batismo, primeiro
sacramento da fé, a vida, que tem a sua fonte no Pai e nos é oferecida no
Filho, nos é comunicada intimamente e pessoalmente pelo Espírito Santo na
Igreja:
“O Batismo nos
concede a graça do novo nascimento em Deus Pai, por meio de seu Filho, no
Espírito Santo. Aqueles que têm o Espírito de Deus são conduzidos ao Verbo,
isto é, ao Filho; o Filho os apresenta ao Pai, e o Pai lhes concede a
incorruptibilidade. Portanto, sem o Espírito não é possível ver o Filho de
Deus, sem o Filho ninguém pode aproximar-se do Pai, pois o conhecimento do Pai
é o Filho, e o conhecimento do Filho de Deus se faz pelo Espírito Santo”.
684.
O Espírito Santo, por sua graça, é o primeiro no
despertar de nossa fé e na vida nova que é “conhecer o Pai e aquele que Ele
enviou, Jesus Cristo”. Todavia, é o último na revelação das Pessoas da
Santíssima Trindade. São Gregório de Nazianzeno, “o Teólogo”, explica esta
progressão pela pedagogia da “condescendência” divina:
“O Antigo
Testamento proclamava manifestamente o Pai, mais obscuramente o Filho. O Novo
manifestou o Filho, fez entrever a divindade do Espírito. Agora o Espírito tem
direito de cidadania entre nós e nos concede uma visão mais clara de si mesmo.
Com efeito, não era prudente, quando ainda não se confessava a divindade do
Pai, proclamar abertamente o Filho e, quando a divindade do Filho ainda não era
admitida, acrescentar o Espírito Santo como um peso suplementar, para usarmos uma
expressão um tanto ousada […]. Por meio de avanços e progressões – de glória em
glória – a luz da Trindade resplandecerá em claridade mais brilhantes”.
685.
Crer no Espírito Santo é, pois, professar que o
Espírito Santo é uma das Pessoas da Santíssima Trindade, consubstancial ao Pai
e ao Filho, “com o Pai e o Filho é adorado e glorificado”. Por isso tratou-se
do mistério divino do Espírito Santo na “teologia” trinitária. Aqui, portanto,
só se tratará do Espírito Santo na “economia” divina.
686.
O Espírito Santo está em ação com o Pai e o Filho do
início até a consumação do projeto de nossa salvação. É, porém, nos “últimos
tempos”, iniciados pela encarnação redentora do Filho, que ele é revelado e
dado, reconhecido e acolhido como Pessoa. Então este Projeto Divino, realizado em
Cristo, “Primogênito” e Cabeça da nova criação, poderá realizar-se na humanidade
pela efusão do Espírito: a Igreja, a comunhão dos santos, a remissão dos
pecados, a ressurreição da carne, a vida eterna.
“CREIO NO ESPÍRITO SANTO”
687.
“Ninguém conhece o que é de Deus, a não ser o
Espírito de Deus” (1 Cor 2, 11). Ora, seu Espírito que o revela nos dá
a conhecer Cristo, seu Verbo, sua Palavra viva, mas não se revela a si mesmo.
Aquele que “falou pelos profetas” nos faz ouvir a palavra do Pai. Mas, ele
mesmo, nós não o ouvimos. Só o conhecemos no momento em que nos revela o Verbo
e nos dispõe a acolhê-lo na fé. O Espírito de verdade, que desvela o Cristo,
não fala de si mesmo. Tal aniquilamento, propriamente divino, explica o motivo pelo qual “o mundo não é capaz de
receber” o Espírito, “porque não o vê, nem o conhece”, enquanto os que creem em
Cristo o conhecem, porque permanece junto deles (Jo 14, 17).
688.
A Igreja, comunhão viva na fé dos Apóstolos, por ela
transmite, é o lugar de nosso conhecimento do Espírito Santo:
nas Escrituras que ele inspirou:
— na Tradição, da qual os Padres da Igreja são testemunhas sempre
atuais;
— no Magistério da Igreja, ao qual ele assiste;
— na liturgia sacramental, por meio de suas palavras e de seus símbolos,
na qual o Espírito Santo nos coloca em comunhão com Cristo;
— na oração, na qual ele intercede por nós;
— nos carismas e nos ministérios, pelos quais a Igreja é
edificada;
— nos sinais de vida apostólica e missionária;
— no testemunho dos santos, no qual ele manifesta sua santidade e
continua a obra da salvação.
I.
A missão conjunta do Filho e do espírito
689.
Aquele que o Pai enviou a nossos corações, o
Espírito de seu Filho, é realmente Deus. Consubstancial ao Pai e ao Filho, ele é
inseparável dos dois, tanto na vida íntima da Trindade como em seu dom de amor
pelo mundo. Entretanto, ao adorar a Santíssima Trindade, vivificante,
consubstancial e indivisível, a fé da Igreja professa também a distinção das
Pessoas. Quando o Pai envia seu Verbo, envia sempre seu Sopro: missão conjunta em
que o Filho e o Espírito Santo são distintos, mas inseparáveis. Sem dúvida, é
Cristo que aparece – a imagem visível de Deus invisível – mas é o Espírito
Santo quem o revela.
690.
Jesus é Cristo, “ungido”, porque o Espírito é a unção
dele; e tudo o que advém a partir da encarnação decorre desta plenitude. Quando
finalmente Cristo é glorificado, pode, por sua vez, de junto do Pai, enviar o
Espírito aos que creem nele: comunica-lhes sua glória, isto é, o Espírito Santo
que o glorifica. A missão conjunta se desdobrará então nos filhos adotados pelo
Pai no corpo de seu Filho: a missão do Espírito de adoção será uni-los a Cristo
e fazê-los viver nele:
“A noção da unção
sugere […] que não existe nenhuma distância entre o Filho e o Espírito. Com
efeito, da mesma forma que entre a superfície do corpo e a unção do óleo nem a
razão nem os sentidos conhecem nenhum intermediário, assim é imediato o contato
do Filho com o Espírito, em consequência, aquele que vai entrar em contato com
o Filho, através da fé, deve, necessariamente, entrar primeiro em contato com o
óleo”.
II.
O nome, as denominações e os símbolos do Espírito Santo
O NOME PRÓPRIO DO ESPÍRITO SANTO
691.
“Espírito Santo”, este é o nome próprio daquele que
adoramos e glorificamos com o Pai e o Filho. A Igreja o recebeu do Senhor e o professa
no Batismo de seus novos filhos.
O termo “Espírito” traduz o termo hebraico “ruah”, o qual, em seu
sentido primeiro, significa sopro, ar, vento. Jesus utiliza justamente a imagem
sensível do vento para sugerir a Nicodemos a novidade transcendente daquele que
é pessoalmente o Sopro de Deus, o Espírito divino. Por outro lado, Espírito e
Santo são atributos divinos comuns às três Pessoas divinas. No entanto, ao
juntar os dois termos, a Escritura, a liturgia e a linguagem teológica designam
a Pessoa inefável do Espírito Santo, sem possibilidade de equívoco com os
outros empregos dos termos “espírito” e “santo”.
AS DENOMINAÇÕES DO ESPÍRITO SANTO
692.
Ao anunciar e prometer a vinda do Espírito Santo, Jesus
o denomina “Paráclito”, literalmente: “aquele que é chamado para perto de,
“defensor” (Jo 14, 16. 26; 15, 26; 16, 7). “Paráclito” é habitualmente traduzido
por “Consolador”, sendo Jesus o primeiro consolador. O próprio Senhor chama ao
Espírito Santo de “Espírito de verdade”.
693.
Além de seu nome próprio, que é o mais empregado
nos Atos dos Apóstolos e nas Epístolas, encontram-se em São Paulo as denominações:
“o Espírito prometido” (Gl 3, 14; Ef 1, 13), “o Espírito de
adoção” (Rm 8, 15: Gl 4, 6), “o Espírito de Cristo” (Rm 8,
9), “o Espírito do Senhor” (2 Cor 3, 17); “o Espírito de Deus” (Rm 8,
9. 14; 15, 19; 1 Cor 6, 11; 7, 40). Em São Pedro, encontra-se “o Espírito
de glória” (1 Pe 4, 14).
OS SÍMBOLOS DO ESPÍRITO SANTO
694.
A água. O
simbolismo da água é significativo da ação do Espírito Santo no Batismo, pois,
após a invocação do Espírito Santo, ela se torna o sinal sacramental eficaz do
novo nascimento. Assim como a gestação de nosso primeiro nascimento operou-se
na água, da mesma forma a água batismal significa realmente que nosso
nascimento para a vida divina nos é dado no Espírito Santo. “Batizados em um só
Espírito” também “batizados num só Espírito” (1 Cor 12, 13). O Espírito é,
pois, também pessoalmente a água viva que jorra de Cristo crucificado como de
sua fonte e que em nós jorra para a vida eterna.
695.
A unção. O simbolismo da unção com óleo também significa o Espírito Santo,
a ponto de tornar-se seu sinônimo. Na iniciação cristã, ela é o sinal
sacramental da confirmação, a qual é adequadamente chamada, nas Igrejas do Oriente,
de “crismação”. Para perceber toda a força deste simbolismo, há que retornar à
unção primeira realizada pelo Espírito Santo: a de Jesus. Cristo (“messias” em
hebraico) significa “ungido” do Espírito de Deus. Houve “ungidos” do Senhor na Antiga
Aliança, de modo eminente o rei Davi. Jesus, porém, é o ungido de Deus de
maneira única: a humanidade que o Filho assume é totalmente “ungida do Espírito
Santo”. Jesus é constituído “Cristo” pelo Espírito Santo. A Virgem Maria
concebe Cristo do Espírito Santo. Este, pelo anjo, o anuncia como Cristo por
ocasião de seu nascimento e conduz Simeão ao Templo para ver o Cristo do
Senhor. É ele que plenifica o Cristo, é o poder dele que sai de Cristo em seus
atos de cura e de salvação. Finalmente, é ele que ressuscita Jesus dentre os
mortos. Então, constituído plenamente “Cristo” em sua humanidade vitoriosa
sobre a morte, Jesus difunde em profusão o Espírito Santo até “os santos”
constituírem, em sua união com a humanidade do Filho de Deus, “esse homem perfeito
[...] à estatura do Cristo em sua plenitude” (Ef 4, 13): “o Cristo total”,
segundo a expressão de Santo Agostinho.
696.
O fogo. Enquanto a água significa o nascimento e a fecundidade da vida
dada no Espírito Santo, o fogo simboliza a energia transformadora dos atos do
Espírito Santo. O profeta Elias, que “surgiu como o fogo, e sua palavra
queimava como uma tocha” (Eclo 48, 1), atrai, por sua oração, o fogo
do céu sobre o sacrifício do monte Carmelo, figura do fogo do Espírito Santo
que transforma o que toca. João Batista, que caminha diante do Senhor “com o espírito
e o poder de Elias” (Lc 1, 17), anuncia o Cristo como aquele que “batizará
com o Espírito Santo e com fogo” (Lc 3, 16), esse Espírito do qual
Jesus dirá: “Fogo eu vim lançar sobre a terra, e como gostaria que já estivesse
aceso!” (Lc 12, 49). Sob a forma de línguas, “que se diriam de fogo”,
o Espírito Santo pousa sobre os discípulos na manhã de Pentecostes e os enche
de si. A tradição espiritual manterá este simbolismo do fogo como um dos mais
expressivos da ação do Espírito Santo. “Não apagueis o Espírito” (1 Ts 5,
19).
697.
A nuvem e a luz. Estes dois símbolos são inseparáveis nas manifestações do
Espírito Santo. Desde as teofanias do Antigo Testamento, a nuvem – ora escura,
ora luminosa – revela o Deus vivo e salvador, escondendo a transcendência de
sua glória: com Moisés sobre a montanha do Sinai, na tenda de reunião e durante
a caminhada no deserto; com Salomão por ocasião da dedicação do Templo. Estas
figuras são cumpridas por Cristo no Espírito Santo. É este que paira sobre a
Virgem Maria e a cobre “com sua sombra”, para que conceba e dê à luz Jesus. No
monte da transfiguração, é ele que “sobrevém na nuvem que toma” Jesus, Moisés e
Elias, Pedro, Tiago e João “debaixo de sua sombra”. Da nuvem sai uma voz que
diz: “Este é meu Filho, o Eleito, Escutai-o!” (Lc 9, 34-35). É, finalmente
essa Nuvem que “subtrai Jesus aos olhos” dos discípulos no dia de sua ascensão
e que o revelará Filho do homem em sua glória no dia de sua vinda.
698.
O selo. É um símbolo próximo ao da unção. Com efeito, é Cristo que Deus Pai
“assinalou com seu selo” (Jo 6, 27) e é nele também que o Pai nos
marca com seu selo. Por indicar o efeito indelével da unção do Espírito Santo
nos sacramentos do Batismo, da Confirmação e da Ordem, a imagem do selo (“sphragis”)
tem sido utilizada em certas tradições teológicas para exprimir o “caráter”
indelével, impresso por estes três sacramentos que não podem ser reiterados.
699.
A mão. É impondo as mãos que Jesus cura os doentes e abençoa as criancinhas.
Em nome dele, os Apóstolos farão o mesmo. Mais ainda: é pela imposição das mãos
dos Apóstolos que o Espírito Santo é dado. A epístola aos Hebreus inclui a
imposição das mãos entre os “artigos fundamentais” de seu ensinamento. A Igreja
conservou este sinal da efusão onipotente do Espírito Santo em suas epicleses
sacramentais.
700.
O dedo. “É pelo dedo de Deus que (Jesus) expulsa os demônios”. “Deu-lhe
as duas tábuas da aliança. Eram tábuas de pedra, escritas com o dedo de Deus”
(Ex 31, 18), a “letra de Cristo”, entregue aos cuidados dos Apóstolos, é
escrita “com o Espírito de Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas em tábuas de
carne, nos corações” (2 Cor 3, 3). O hino “Veni, Creator Spiritus”
(Vem, Espírito criador) invoca o Espírito Santo como “dedo da mão direita de
Deus” – “dexterae dei tu digitus”.
701.
A pomba. No fim do dilúvio (cujo simbolismo está ligado ao Batismo), a
pomba solta por Noé volta com um ramo novo de oliveira no bico, sinal de que a
terra é novamente habitável. Quando Cristo sobe da água de seu Batismo, o
Espírito Santo, em forma de uma pomba, desce sobre ele e sobre ele permanece. O
Espírito desce e repousa no coração purificado dos batizados. Em certas
igrejas, a santa reserva eucarística é conservada em um recipiente metálico em
forma de pomba (o columbarium), suspenso acima do altar. O símbolo da
pomba representando o Espírito Santo é tradicional na iconografia cristã.
III.
O Espírito e a Palavra de Deus, no tempo das promessas
702.
Desde o começo até a “plenitude do tempo”, a missão
conjunta do Verbo e do Espírito do Pai permanece escondida, mas está em
ação. O Espírito de Deus prepara o tempo do Messias, e os dois, sem serem ainda
plenamente revelados, já são prometidos, a fim de serem esperados e acolhidos
quando se manifestarem. Por isso, quando a Igreja lê o Antigo Testamento, procura
nele o que o Espírito, “que falou pelos profetas”, quer falar-nos a respeito de
Cristo.
Por “profetas”, a fé da Igreja aqui entende todos aqueles que o Espírito
Santo inspirou para o anúncio de viva voz na redação dos livros sagrados, tanto
do Antigo como do Novo Testamento. A tradição judaica distingue a Lei (os cinco
primeiros livros ou Pentateuco), os Profetas (nossos livros denominados
históricos e proféticos) e os Escritos (sobretudo sapienciais, em particular os
Salmos).
NA CRIAÇÃO
703.
A Palavra de Deus e seu Sopro estão na origem do
ser e da vida de toda a criatura:
“Ao Espírito Santo
cabe reinar, santificar e animar a criação, pois é Deus consubstancial ao Pai e
ao Filho […]. A ele cabe o poder sobre a vida, pois, sendo Deus, ele conserva a
criação no Pai pelo Filho.
704.
“Quanto ao homem, Deus o modelou com as próprias
mãos [insto é, o Filho e o Espírito Santo] […] e imprimiu, na carne modelada, sua
própria forma, de modo que até o que fosse visível tivesse a forma divina”.
O ESPÍRITO DA PROMESSA
705.
Desfigurado pelo pecado e pela morte, o homem continua
sendo “à imagem de Deus”, à imagem do Filho, mas é “privado da glória de Deus”,
privado da “semelhança”. A promessa feita a Abraão inaugura a Economia da
salvação, no fim da qual o próprio Filho assumirá “a imagem” e a restaurará na “semelhança”
com o Pai, restituindo-lhe a glória, o Espírito “que dá a vida”.
706.
Contra toda esperança humana, Deus promete a Abraão
uma descendência, como fruto da fé e do poder do Espírito Santo. Nela serão abençoadas
todas as nações da terra. Esta descendência será o Cristo, no qual a efusão do
Espírito Santo reunirá os filhos de Deus dispersos. Ao comprometer-se por
juramento, Deus já se compromete a dar seu Filho bem-amado e o Espírito da
promessa, que prepara a redenção do Povo que Deus adquiriu para si.
NAS TEOFANIAS E NA LEI
707.
As teofanias (manifestações de Deus) iluminam o
caminho da promessa, desde os patriarcas até Moisés e de Josué até as visões
que inauguram a missão dos grandes profetas. A tradição cristã sempre
reconheceu que, nessas teofanias, o Verbo de Deus se fazia ver e ouvir,
revelado e, ao mesmo tempo, “oculto” na nuvem do Espírito Santo.
708.
Esta pedagogia de Deus aparece especialmente no dom
da Lei, a qual foi dada como um “pedagogo” para conduzir o Povo a Cristo. Porém
sua impotência para salvar o homem privado da “semelhança” divina e do
conhecimento maior que ela dá do pecado suscita o desejo do Espírito Santo. As
lamentações dos Salmos atestam isto.
NO REINO E NO EXÍLIO
709.
A Lei, sinal da promessa e da aliança, deveria ter regido
o coração e as instituições do povo nascido da fé de Abraão. “Se realmente ouvirdes
minha voz e guardardes a minha aliança […], sereis para mim um reino de
sacerdotes e uma nação santa” (Ex 19, 5-6). Depois de David, Israel,
porém, sucumbe à tentação de tornar-se um reino como as demais nações. Ora, o
Reino, objeto da promessa feita a Davi, será obra do Espírito Santo; ele
pertencerá aos pobres segundo o Espírito.
710.
O esquecimento da Lei e a infidelidade à Aliança desembocam
na morte: é o exílio, aparentemente fracasso das promessas, mas, na realidade,
fidelidade misteriosa do Deus salvador e início da restauração prometida, porém
segundo o Espírito. Era preciso que o Povo de Deus sofresse essa purificação. O
exílio já traz a sombra da cruz no projeto de Deus; e o restante dos pobres que
voltam de lá é uma das figuras mais transparentes da Igreja.
A EXPECTATIVA DO MESSIAS E DE SEU ESPÍRITO
711.
“Eis que estou fazendo coisas novas” (Is 43,
19): duas linhas proféticas vão desenhar-se, uma fundada na espera do Messias, outra
no anúncio de um Espírito Novo, ambas convergindo no pequeno “Resto”, o povo
dos pobres, que aguarda na esperança a “consolação de Israel” e “a libertação
de Jerusalém” (Lc 2, 25.38).
Vimos anteriormente como Jesus realiza as profecias que lhe dizem
respeito. Aqui nos limitamos àquelas em que aparece mais a relação entre o
Messias e seu Espírito.
712.
Os traços do rosto do Messias esperado
começam aparecer no Livro do Emanuel (“Isaías disse isso porque viu a glória
dele e profetizou a seu respeito”: Jo 12, 41), em especial em Is 11,
1-2:
“Um broto vai
surgir do tronco seco de Jessé, das velhas raízes, um ramo brotará. Sobre ele
há de pousar o espírito do Senhor, espírito de sabedoria e compreensão, espírito
de prudência e valentia, espírito de conhecimento e temor do Senhor”.
713.
Os traços do Messias são revelados sobretudo nos cantos
do Servo. Esses cantos anunciam o sentido da Paixão de Jesus e indicam, assim,
a maneira como ele derramará o Espírito Santo para vivificar a multidão: não partindo
de fora, mas desposando nossa “forma de escravo” (Fl 2, 7). Tomando
sobre si nossa morte, ele pode nos comunicar seu próprio Espírito de vida.
714.
Por isso, Cristo inaugura o anúncio da Boa Nova, fazendo
sua esta passagem de Isaías (Lc 4, 18-19):
“O Espírito do
Senhor está sobre mim, pois ele me ungiu, para anunciar a Boa Nova aos pobres:
enviou-me para proclamar a libertação aos presos e, aos cegos, a recuperação da
vista; para dar liberdade aos oprimidos e proclamar um ano aceito da parte do
Senhor”.
715.
Os textos proféticos diretamente referentes ao
envio do Espírito Santo são oráculos em que Deus fala ao coração de seu povo na
linguagem da promessa, com as tônicas do “amor e da fidelidade”, cujo
cumprimento São Pedro proclamará na manhã de Pentecostes. Segundo essas
promessas, nos ‘últimos tempos’ o Espírito do Senhor renovará o coração dos
homens, gravando neles uma Lei nova; reunirá e reconciliará os povos dispersos
e divididos; transformará a criação primeira e Deus habitará nela com os homens
na paz.
716.
O povo dos “pobres”, os humildes e os mansos,
totalmente entregues aos desígnios misteriosos de seu Deus, os que esperam a
justiça não dos homens, mas do Messias, é finalmente a grande obra da missão
oculta do Espírito Santo durante o tempo das promessas para preparar a vinda de
Cristo. Sua qualidade de coração, purificado e iluminado pelo Espírito, se
exprime nos Salmos. Nesses pobres, o Espírito prepara para o Senhor “um povo
bem disposto”.
IV.
O espírito de Cristo na plenitude do tempo
JOÃO, PRECURSOR, PROFETA E BATISTA
717.
“Veio um homem enviado por Deus. Seu nome era João”
(Jo 1, 6). João “pulou de alegria em seu ventre, e Isabel ficou repleta do
Espírito Santo” (Lc 1, 15-41), por obra do próprio Cristo, que a Virgem Maria
acabava de conceber do Espírito Santo. A “visitação” de Maria a Isabel
tornou-se, assim, visita de Deus ao seu povo.
718.
João é “Elias que deve vir”: o fogo do Espírito
habita nele e o faz “correr à frente” (na qualidade de “precursor”) do Senhor
que vem. Em João, o Precursor, o Espírito Santo conclui a obra de “preparar um
povo bem disposto para o Senhor” (Lc 1, 17).
719.
João é “mais do que um profeta”. Nele, o Espírito
Santo conclui a tarefa de “falar pelos profetas”. João encerra o ciclo dos
profetas inaugurado por Elias. Anuncia a iminência da consolação de Israel, é a
“voz” do Consolador que vem. Como fará o Espírito de verdade, “ele veio como
testemunha, a fim de dar testemunho da luz” (Jo 1, 7). Aos olhos de João,
o Espírito realiza, assim, as “pesquisas dos profetas” e o “desejo” dos anjos: “Aquele
sobre quem vires o Espírito descer e permanecer, é ele quem batiza com o Espírito
Santo. Eu vi, e por isso dou testemunho: Ele é o Filho de Deus” (Jo 1,
33-36).
720.
Com João Batista, o Espírito Santo inaugura, o prefigurando,
o que realizará com e em Cristo: restituirá ao homem “a semelhança” divina. O
batismo de João era para a penitência, o batismo da água e no Espírito será um
novo nascimento.
“ALEGRA-TE, CHEIA DE GRAÇA”
721.
Maria, a Mãe de Deus toda santa, sempre Virgem, é a
obra-prima da missão do Filho e do Espírito na plenitude do tempo. Pela
primeira vez no plano da salvação e porque o seu Espírito a preparou, o Pai
encontra a Morada em que seu Filho e seu Espírito podem habitar entre
os homens. É neste sentido que a Tradição da Igreja muitas vezes leu, com relação
a Maria, os mais belos textos sobre a Sabedoria: Maria é exaltada e apresentada
na liturgia como a “Sede da Sabedoria”. Nela começam a se manifestar as “maravilhas
de Deus” que o Espírito vai realizar em Cristo e na Igreja.
722.
O Espírito Santo preparou Maria com sua graça.
Convinha que fosse “cheia de graça” a mãe daquele em quem “habita corporalmente
a plenitude da divindade” (Cl 2, 9). Por pura graça, ela foi concebida sem
pecado como a mais humilde das criaturas; a mais capaz de acolher o Dom
inefável do Todo-Poderoso. Com razão, o anjo Gabriel a saúda como a “Filha de
Sião”: “Alegra-te”. É a ação de graças de todo o povo de Deus e, portanto, da
Igreja, que ela, em seu cântico, faz subir até ao Pai no Espírito Santo, enquanto
traz em si o Filho Eterno.
723.
Em Maria, o Espírito Santo realiza o
desígnio benevolente do Pai. É pelo Espírito Santo que a Virgem concebe e dá à
luz o Filho de Deus. Sua virgindade transforma-se em fecundidade única pelo
poder do Espírito e da fé.
724.
Em Maria, o Espírito Santo manifesta o
Filho do Pai tornado Filho da Virgem. Ela é a sarça ardente da teofania
definitiva: repleta do Espírito Santo, ela mostra o Verbo na humildade de sua
carne; e é aos pobres e às primícias das nações que ela o dá a conhecer.
725.
Por Maria o Espírito começa a pôr em
comunhão com Cristo os homens, objetos do amor benevolente de Deus. Os
humildes são sempre os primeiros a recebê-lo: os pastores, os magos, Simeão e
Ana, os esposos de Caná, os primeiros discípulos.
726.
Ao final desta missão do Espírito, Maria torna-se a
“Mulher”, nova Eva, “mãe dos viventes”, Mãe do “Cristo total”. É nesta
qualidade que ela está presente com os Doze, perseverantes “na oração em comum” (At 1,
14), no alvorecer dos “últimos tempos” que o Espírito inaugura na manhã de
Pentecostes, com a manifestação da Igreja.
O CRISTO JESUS
727.
Toda a missão do Filho e do Espírito Santo, na
plenitude do tempo, está contida no fato de o Filho ser, desde sua encarnação,
o Ungido do Espírito do Pai: Jesus é o Cristo, o Messias. Todo o segundo
capítulo do Símbolo da Fé deve ser lido sob esta luz. Toda a obra de Cristo é
missão conjunta do Filho e do Espírito Santo. Aqui mencionaremos somente o que
se diz respeito à promessa do Espírito Santo feita por Jesus e ao dom do
Espírito, por parte do Senhor glorificado.
728.
Jesus revela plenamente o Espírito Santo somente
depois de ter sido ele mesmo glorificado por sua Morte e Ressurreição. Contudo,
pouco a pouco o deixa entrever, até mesmo em seus ensinamentos às multidões,
quando revela que sua Carne será alimento para a vida do mundo. Sugere-o também
a Nicodemos, à Samaritana e aos que participam da festa dos Tabernáculos. A
seus discípulos, fala dele abertamente a propósito da oração e do testemunho
que deverão dar.
729.
Somente quando chega a Hora em que vai ser
glorificado, Jesus promete a vinda do Espírito Santo, pois sua morte
e ressurreição serão o cumprimento da Promessa feita aos Apóstolos: o Espírito
de verdade, o Paráclito, será dado pelo Pai a pedido de Jesus. Ele será enviado
pelo Pai em nome de Jesus; Jesus o enviará de junto do Pai, pois ele procede do
Pai. O Espírito Santo virá, nós o conheceremos, ele ficará conosco para sempre,
ele permanecerá conosco; ele nos ensinará tudo e nos lembrará de tudo o que
Cristo nos disse, e dele dará testemunho; nos conduzirá à verdade inteira e
glorificará a Cristo. Quanto ao mundo, o convencerá sobre o pecado, a justiça e
o juízo.
730.
Finalmente chega a Hora de Jesus. Jesus entrega seu
espírito nas mãos do Pai no momento em que com sua morte vence a morte, “ressuscitado
dos mortos pela ação gloriosa do Pai (Rm 6, 4), dá imediatamente
o Espírito Santo, “soprando” sobre seus discípulos. A partir dessa Hora, a
missão de Cristo e do Espírito passa a ser a missão da Igreja: “Como o Pai me
enviou, também eu vos envio” (Jo 20, 21).
V.
O Espírito e a Igreja nos últimos tempos
PENTECOSTES
731.
No dia de Pentecostes (no fim das sete semanas
pascais), a páscoa de Cristo se realiza na efusão do Espírito Santo, que é
manifestado, dado e comunicado como
Pessoa divina: de sua plenitude, Cristo, Senhor, derrama em profusão o
Espírito.
732.
Nesse dia é revelado plenamente a Santíssima
Trindade. A partir desse dia, o Reino anunciado por Cristo está aberto aos que creem
nele. Na humildade da carne e na fé, eles já participam da comunhão da
Santíssima Trindade. Por sua vinda, que não cessa, o Espírito Santo faz o mundo
entrar nos “últimos tempos”, o tempo da Igreja, o Reino já recebido em herança,
mas ainda não consumado:
“Vimos a verdadeira
Luz, recebemos o Espírito celeste, encontramos a verdadeira fé: adoramos a
Trindade indivisível, pois foi ela quem nos salvou”.
O ESPÍRITO SANTO – O DOM DE DEUS
733.
“Deus é Amor” (1 Jo 4, 8.16) e o Amor é o
primeiro dom. Ele contém todos os demais. Este amor, Deus o derramou “em nossos
corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5, 5).
734.
Pelo fato de estarmos mortos, ou, pelo menos,
feridos pelo pecado, o primeiro efeito do dom do amor é a remissão de nossos
pecados. É “a comunhão do Espírito Santo” (2 Cor 13, 13) que, na
Igreja, restitui aos batizados a semelhança divina perdida pelo pecado.
735.
Ele dá, então, o “penhor” ou as “primícias” de
nossa herança: a própria vida da Santíssima Trindade, que é amar como Ele nos
amou. Este amor (o amor de 1 Cor 13) é o princípio da vida nova em Cristo,
possibilitada pelo fato de termos recebido “o poder do Espírito Santo” (At 1,
8).
736.
Por este poder do Espírito, os filhos de Deus podem
dar fruto. Aquele que nos enxertou na verdadeira vida nos fará produzir o fruto
Espírito que é “amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, lealdade, mansidão,
domínio próprio” (Gl 5, 22-23). O Espírito é nossa vida; quanto mais
renunciarmos a nós mesmos, tanto mais o espírito nos faz agir.
“Por estarmos em comunhão
com Ele, o Espírito Santo nos torna espirituais, nos readmite no Paraíso; nos reconduz
ao Reino dos céus e à adoção filial, nos dá a confiança de chamarmos Deus de
Pai e de participarmos na graça de Cristo, de sermos chamados filhos da luz e
de termos parte na vida eterna”.
O ESPÍRITO SANTO E A IGREJA
737.
A missão de Cristo e do Espírito Santo realiza-se
na Igreja, Corpo de Cristo e templo do Espírito Santo. Esta missão conjunta
associa, a partir de então, os fiéis de Cristo à sua comunhão com o Pai no
Espírito Santo. O Espírito prepara os homens, antecipa-se a eles por
sua graça, para atraí-los a Cristo. Manifesta-lhes o Senhor
ressuscitado, lembra-lhes sua palavra, abrindo-lhes o espírito à compreensão de
sua morte e ressurreição. Torna-lhes presente o mistério de Cristo, sobretudo
na Eucaristia, a fim de reconciliá-los, de coloca-los em comunhão com
Deus, para que produzam “muito fruto”.
738.
Assim, a missão da Igreja não é acrescentada à de
Cristo e do Espírito Santo, senão que é seu sacramento: com todo o seu ser e com
todos os seus membros, a Igreja é enviada a anunciar e testemunhar, atualizar e
difundir o mistério da comunhão da Santíssima Trindade (a ser tratado no próximo
artigo):
“Nós todos, que
recebemos o único e mesmo espírito, a saber, o Espírito Santo, nos unimos
profundamente entre nós e com Deus. De fato, embora sejamos separadamente e
Cristo faça habitar em cada um de nós o Espírito do Pai e o dele, este Espírito
é, entretanto, único e indivisível. Ele reconduz à unidade aqueles que são diferentes
entre si […] e faz de todos, nele mesmo, uma única e mesma coisa. Tal como o
poder da santa humanidade de Cristo faz com que todos aqueles em quem ela se
encontra formem um só corpo, assim também o único e indivisível Espírito de
Deus, que habita em todos, conduz a todos à unidade espiritual”.
739.
Por ser o Espírito Santo a unção de Cristo, é
Cristo, Cabeça do corpo, que o difunde em seus membros, para alimentá-los, curá-los,
organizá-los em suas mútuas funções, vivificá-los, enviá-los a testemunhar,
associá-los à sua oferta ao Pai e à sua intercessão pelo mundo inteiro. Pelos
sacramentos da Igreja, Cristo comunica aos membros de seu Corpo seu Espírito
Santo e Santificador (a ser tratado na segunda parte do Catecismo).
740.
Essas “maravilhas de Deus”, oferecidas aos crentes
nos sacramentos da Igreja, produzem seus frutos na vida nova em Cristo, segundo
o Espírito (a ser tratado na terceira parte do Catecismo).
741.
“O Espírito Santo vem em socorro da nossa fraqueza.
Pois não sabemos o que pedir nem como pedir; é o próprio Espírito que intercede
em nosso favor, com gemidos inefáveis” (Rm 8, 26). O Espírito Santo,
artífice das obras de Deus, é o mestre da oração (a ser tratado na quarta parte
do Catecismo).
Resumindo
742.
“E, porque sois filhos, enviou
Deus a nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Abá! Pai!”
(Gl 4, 6).
743.
Desde o início até a
consumação do tempo, quando Deus envia seu Filho, envia sempre seu Espírito: a
missão dos dois é conjunta e inseparável.
744.
Na plenitude do tempo, o
Espírito Santo realiza em Maria, todas as preparações para a vinda de Cristo no
povo de Deus. Pela ação do Espírito Santo nela, o Pai dá ao mundo o Emanuel, “Deus
conosco” (Mt 1, 23).
745.
O Filho de Deus é
consagrado Cristo (Messias) pela unção do Espírito Santo em sua encarnação.
746.
Por sua morte e
ressurreição, Jesus é constituído Senhor e Cristo na glória. Da sua plenitude,
derrama o Espírito Santo sobre os Apóstolos e a Igreja.
747. O Espírito Santo que Cristo, Cabeça, derrama em seus membros constrói, anima e santifica a Igreja. Ela é o sacramento da comunhão da Santíssima Trindade e dos homens.
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