SEGUNDA SEÇÃO
A
PROFISSÃO DA FÉ CRISTÃ
OS
SÍMBOLOS DA FÉ
185.
Quem diz “Eu creio” diz: “dou minha adesão àquilo
em que nós cremos”. A comunhão na fé precisa de uma linguagem comum
da fé, normativa para todos e que una na mesma confissão de fé.
186.
Desde a origem, a Igreja apostólica expressou e
transmitiu sua própria fé em fórmulas breves e para todos normativas. Muito
cedo, porém, a Igreja quis também recolher o essencial de sua fé em resumos
orgânicos e articulados, destinados sobretudo aos candidatos ao Batismo.
“O Símbolo da fé
não foi composto segundo opiniões humanas, mas consiste na síntese de pontos
importantes contidos na Sagrada Escritura, de modo a conter a doutrina completa
da fé. Assim, como a semente de mostarda contém, em um pequeníssimo grão, grande
número de ramos, da mesma forma este resumo da fé encerra, em algumas palavras,
todo o conhecimento da verdadeira piedade contido no Antigo e no Novo
Testamento”.
187.
Estas sínteses da fé chamam-se “profissões de fé”,
pois resumem a fé que os cristãos professam. Chamam-se “Credo” em razão da
primeira palavra que, normalmente, as começa: “Creio”. Denominam-se também “Símbolos
da fé”.
188.
A palavra grega symbolon significava a metade de um
objeto quebrado (por exemplo, um sinete) que era apresentada como sinal de reconhecimento.
As partes quebradas eram juntadas para se verificar a identidade do portador. O
“símbolo da fé” é, pois, um sinal de reconhecimento e de comunhão entre os
crentes. “Symbolon” passa, posteriormente, a significar coletânea, coleção ou
sumário. O “símbolo da fé” é a coletânea das principais verdades da fé. Daí o
fato de ele servir como ponto de referência primeiro e fundamental da
catequese.
189.
A primeira “profissão de fé” é feito por ocasião do
Batismo. O “símbolo da fé” é inicialmente o símbolo batismal. Uma vez que o
Batismo é dado “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28, 19),
as verdades da fé professadas por ocasião do Batismo articuladas, segundo sua
referência, às três pessoas da Santíssima Trindade.
190.
O Símbolo está, pois, dividido em três partes: “Primeiro,
fala-se da primeira Pessoa divina e da obra admirável da criação; em seguida, da
segunda da segunda Pessoa divina e do Mistério da Redenção dos homens; logo
após, da terceira da terceira Pessoa divina, fonte e princípio de nossa
santificação”. Esses são “os três capítulos de nosso selo (batismal)”.
191.
“Estas três partes são distintas, embora
interligadas. Segundo uma comparação uma comparação usada com frequência pelos
Padres, as chamamos de artigos, pois da mesma forma que, em nossos membros,
existem certas articulações que os distinguem e os separam, assim também nesta profissão
de fé, com acerto e razão, se deu o nome de artigo às verdades em que devemos
crer especificamente e de forma distinta”. Segundo uma antiga tradição, já
atestada por Santo Ambrósio, também se costuma contar doze artigos do
Credo, simbolizando, com o número dos doze Apóstolos, o conjunto da fé
apostólica.
192.
As profissões ou símbolos da fé têm sido numerosos
ao longo dos séculos, em resposta às necessidades das diversas épocas: os símbolos
das diferentes Igrejas apostólicas e antigas; o Símbolo “Quicumque”, dito de
Santo Atanásio; as profissões de fé de alguns Concílios (Toledo; Latrão; Lyon;
Trento) ou de alguns papas, como a “Fides Damasi” (Profissão de Fé de São
Dâmaso) ou o “Credo do Povo de Deus”, de Paulo VI (1968).
193.
Nenhum dos símbolos das diferentes etapas da vida
da Igreja pode ser considerado ultrapassado e inútil. Eles nos ajudam a viver e
a aprofundar hoje a fé de sempre, por meio dos diversos resumos que dela têm
sido feitos.
Entre todos os símbolos da fé, dois que têm um lugar muito particular na
vida da Igreja.
194.
O Símbolo dos Apóstolos, assim chamado por
ser, com razão, considerado o resumo fiel da fé dos Apóstolos. É o antigo
símbolo batismal da Igreja de Roma. Sua grande autoridade vem do seguinte ato:
“Ele é o símbolo guardado pela Igreja Romana, aquela na qual Pedro, o primeiro entre
os Apóstolos, teve sua Sé e para a qual ele trouxe a comum expressão da fé (sententia
communis)”.
195.
O Símbolo denominado niceno-constantinopolitano tem
sua grande autoridade no fato de ter resultado dos dois primeiros Concílios
ecuménicos (325 e 381). Ainda hoje ele é comum a todas as grandes Igrejas do
Oriente e do Ocidente.
196.
Nossa exposição da fé seguirá o Símbolo dos
Apóstolos que constitui, por assim dizer, “o mais antigo Catecismo Romano”.
A exposição será, contudo, completada por constantes referências ao Símbolo niceno-constantinopolitano,
muitas vezes mais explícito e mais detalhado.
197.
Como no dia do nosso Batismo, quando toda a nossa
vida foi confiada ao ensino (Rm 6, 17), acolhamos o Símbolo de nossa fé
que dá a vida. Recitar com fé o Credo, entrar em comunhão com Deus Pai, Filho e
Espírito Santo é também entrar em comunhão com a Igreja inteira, que nos
transmite a fé na qual nós cremos:
“Este Símbolo é o
selo espiritual, a meditação do nosso coração e o guardião sempre presente. Ele
é, seguramente, o tesouro que guardamos em nossa alma”.
CAPÍTULO
I
CREIO
EM DEUS PAI
198.
Nossa profissão de fé começa com Deus, pois Deus é
o “Primeiro e também o Último” (Is 44, 6), o Começo e o Fim de tudo. O
Credo começa por Deus Pai, pois o Pai é a Primeira Pessoa Divina da Santíssima
Trindade. Nosso Símbolo começa pela criação do céu e da terra, porque a criação
é o começo e o fundamento de todas as obras de Deus.
ARTIGO 1
“CREIO EM DEUS PAI TODO-PODEROSO,
CRIADOR DO CÉU E DA TERRA”
PARÁGRAFO 1
CREIO
EM DEUS
199.
“Creio em Deus”: esta primeira afirmação da
profissão de fé é também a mais fundamental. O Símbolo inteiro fala de Deus, e
se também fala do homem e do mundo, o faz pela relação que eles têm com Deus.
Os artigos do Credo dependem todos do primeiro, da mesma forma como os mandamentos
explicitam o primeiro deles. Os demais artigos nos fazem conhecer melhor a Deus
tal como se revelou progressivamente aos homens. “Os fiéis fazem primeiro
profissão de crer em Deus”.
I.
“Creio em um só Deus”
200.
Com estas palavras começa o Símbolo niceno-constantinopolitano.
A confissão da unicidade de Deus, que tem sua raiz na revelação divina da
Antiga Aliança, é inseparável da confissão da existência de Deus e igualmente fundamental.
Deus é único; só existe um Deus: “A fé cristã confessa que há um só Deus, por
natureza, por substância e por essência”.
201.
A Israel, seu eleito, Deus revelou-se como Único: “Ouve,
Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus com todo
o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças” (Dt 6,
4-5). Por meio dos profetas, Deus chama Israel e todas as nações a se voltarem
para Ele, o Único: “Voltai-vos para mim e sereis salvos, todos os confins da
terra, porque eu sou Deus e não há nenhum outro!” ... Com efeito diante de mim
se dobrará todo joelho, toda língua há de jurar por mim, dizendo: “Só no Senhor
há justiça e força” (Is 45, 22-24).
202.
Jesus mesmo confirma que Deus é “o único Senhor” e
que é preciso amá-lo de todo o coração, “com toda a alma, com todo o espírito e
com todas as forças”. Ao mesmo tempo, dá a entender que ele mesmo é “o Senhor”.
Confessar que “Jesus é o Senhor” é o específico da fé cristã. Isso não contraria
a fé em Deus único. Crer no Espírito Santo “que é Senhor e dá a Vida” não
introduz nenhuma divisão no Deus único:
“Cremos firmemente
e afirmamos simplesmente que há um só verdadeiro Deus eterno, imenso e
imutável, incompreensível, Todo-Poderoso e inefável – Pai, Filho e Espírito
Santo – três Pessoas, mas uma essência, uma substância, isto é, uma natureza totalmente
única”.
II.
Deus revela seu nome
203.
A seu povo, Israel, Deus revelou-se, dando-lhe a
conhecer seu nome. O nome exprime a essência, a identidade da pessoa e o
sentido da sua vida. Deus tem um nome. Ele não é uma força anônima. Desvendar o
próprio nome é se dar a conhecer aos outros. É, de certo modo, entregar-se a si
mesmo, tornando-se acessível, capaz de ser conhecido mais intimamente e de ser chamado
pessoalmente.
204.
Deus revelou-se progressivamente a seu povo e sob
diversos nomes. Foi, porém, a revelação do nome divino feita a Moisés, na
teofania da sarça ardente, pouco antes do Êxodo e da Aliança do Sinai, que se tornou
a revelação fundamental para a Antiga e a Nova Aliança.
O DEUS VIVO
205.
Deus chama Moisés do meio de uma sarça que queima
sem se consumir-se. Ele diz a Moisés: “Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de
Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó” (Ex 3, 6). Deus é o Deus dos pais,
Aquele que havia guiado os patriarcas em suas peregrinações. Ele é o Deus fiel
e compassivo que se lembra deles e de suas próprias promessas, ele vem para libertar
seus descendentes da escravidão. Ele é o Deus que, para além do espaço e do
tempo, pode e quer fazer isto, e que, por este desígnio, agirá com sua onipotência.
“EU SOU AQUELE QUE É”
Moisés disse a
Deus: “Quando eu for aos filhos de Israel e disser: “O Deus de vossos pais me enviou
até vós”, e me perguntarem: “Qual é o seu nome?”, que devo responder?” Deus
disse a Moisés: “Eu sou aquele que sou”. E acrescentou: “Assim responderás aos israelitas:
‘Eu sou que me enviou a vós’. […] Este é o meu nome para sempre, e assim serei
lembrado de geração em geração” (Ex 3, 13-15).
206.
Ao revelar seu nome misterioso de YHWH, “eu sou aquele
que é” ou “eu sou aquele que sou” ou também “Eu sou Quem sou” – Deus declara quem
Ele é e com que nome se deve chama-lo. Este nome divino é misterioso como Deus
é mistério. Ele é, ao mesmo tempo, um nome revelado e como que a recusa de um
nome. Por isso mesmo, exprime, da melhor forma, a realidade de Deus como ele é,
infinitamente acima de tudo o que podemos compreender ou dizer: ele é um “Deus que
não se deixa ver” (Is 45, 15), seu nome é inefável, e ele é o Deus que se
faz próximo dos homens.
207.
Ao revelar seu nome, Deus revela, ao mesmo tempo,
sua fidelidade, que é de sempre e para sempre, válida tanto para o passado (“Eu
sou o Deus de teu pai” – Ex 3, 6), como para o futuro (“Eu estarei
contigo” – Ex 3, 12). Deus, que revela seu nome como “Eu sou”,
revela-se como o Deus que está sempre presente junto do seu povo para salvá-lo.
208.
Diante da presença atraente e misteriosa de Deus, o
homem descobre sua pequenez. Diante da sarça ardente, Moisés tira as sandálias
e cobre o rosto frente à Santidade Divina. Diante da glória de Deus, três vezes
santo, Isaías exclama: “Ai de mim, que estou perdido! Sou um homem de lábios
impuros” (Is 6, 5). Diante dos sinais divinos que Jesus faz, Pedro
exclama: “Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um pecador” (Lc 5, 8). No
entanto, porque Deus é santo, pode perdoar o homem que se descobre pecador
diante dele: “Não me deixarei levar pelo calor de mira ira… Eu sou Deus, não um
ser homem, sou o Santo no meio de ti” (Os 11, 9). O apóstolo João dirá: “Com
isto tranquilizaremos na presença dele o nosso coração. Se o nosso coração nos
acusa, Deus é maior que nosso coração e conhece todas as coisas” (1 Jo
3, 19-20).
209.
Por respeito à santidade de Deus, o povo de Israel
não pronuncia seu nome. Na leitura da Sagrada Escritura, o nome revelado é
substituído pelo título divino “Senhor” (“Adonai”, em grego “Kýrios”).
É com este título que será aclamada a divindade de Jesus: “Jesus é o Senhor”.
“DEUS DE TERNURA E DE COMPAIXÃO”
210.
Depois do pecado de Israel, que se desviou de Deus
para adorar o bezerro de ouro, Deus atende a intercessão de Moisés e aceita
caminhar no meio dum povo infiel, manifestando assim seu amor. A Moisés, que
pede para ver sua glória, Deus responde: “Farei passar diante de ti toda a
minha bondade e proclamarei meu nome, ‘Senhor’, na tua presença” (Ex 33,
18-19). O Senhor passa diante de Moisés e proclama: “O Senhor, o Senhor, Deus misericordioso
e clemente, paciente, rico em bondade e fiel” (Ex 34, 6). Moisés confessa
então que o Senhor é um Deus que perdoa”.
211. O Nome divino “Eu sou” ou “Ele é” exprime a fidelidade de Deus, que, apesar da infidelidade do pecado dos homens e do castigo que tal pecado merece, “conserva a misericórdia por mil gerações” (Ex 34, 7). Deus revela que é “rico em misericórdia” (Ef 2, 4), indo até o ponto de dar seu próprio Filho. O dar sua vida para nos libertar-nos do pecado, Jesus revelará que ele mesmo traz o Nome divino: “Quando tiverdes elevado o Filho do Homem, então sabereis que ‘EU SOU’” (Jo 8, 28).
SÓ DEUS É
212.
Ao longo dos séculos, a fé de Israel pôde desenvolver
e aprofundar as riquezas contidas na revelação do nome divino. Deus é único,
fora dele não há deuses. Transcende o mundo e a história. Foi Ele quem fez o
céu e a terra: “Eles perecerão, mas tu permaneces; e todos ficarão gastos como um
vestido, como uma roupa tu os mudas e serão mudados. Mas tu continuas o mesmo e
teus anos não têm fim” (Sl 102, 27-28). Nele “Todo dom precioso e
toda dádiva perfeita vêm do alto, descendo do Pai das luzes, que desconhece
fases e períodos de sombra” (Tg 1, 17). Ele é “aquele que é”, desde sempre
e para sempre, e é assim que permanece sempre fiel a si mesmo e às suas
promessas.
213.
A revelação do nome inefável “eu sou aquele que sou”
contém, pois, a verdade que só Deus é. Foi neste sentido que a tradução dos
Setenta e, na continuidade deles, a Tradição da Igreja compreenderam o nome
divino: Deus é a plenitude do Ser e de toda perfeição, sem origem e sem fim.
Enquanto todas as criaturas receberam dele todo o seu ser e o seu ter, só ele é
seu próprio ser, e é por si mesmo tudo o que é.
III.
Deus, “Aquele que é”, é verdade e amor
214. Deus, “Aquele que é”, revelou-se a Israel como Aquele que é “rico em bondade e fiel” (Ex 34, 6). Esses dois termos exprimem, em síntese, as riquezas do nome divino. Em todas as suas obras, Deus mostra a sua benevolência, a sua bondade, a sua graça, o seu amor; mas também a sua confiabilidade, a sua constância, a sua fidelidade, a sua verdade. “Celebro teu nome pela tua bondade e pela tua fidelidade” (Sl 138, 2). Ele é a Verdade, pois “Deus é Luz, e nele não há trevas” (1 Jo 1, 5); e “Amor”, como ensina o apóstolo João (1 Jo 4, 8).
DEUS É A VERDADE
215.
“O resumo da tua palavra é a verdade, são para
sempre tuas justas normas” (Sl 119, 160). “Senhor Deus, tu és Deus, e tuas
palavras são verdadeiras” (2 Sm 7, 28). Por isso as promessas de Deus
sempre se realizam. Deus é a própria Verdade; suas palavras não podem enganar. Por
isso podemos entregar com toda a confiança à verdade e à fidelidade de sua
palavra em todas as coisas. O começo do pecado e da queda do homem foi uma
mentira do tentador, que o induziu a duvidar da palavra de Deus, de sua
benevolência e da sua fidelidade.
216.
A verdade de Deus é sua sabedoria, que comanda toda
a ordem da criação e do governo do mundo. Deus, que sozinho, criou o céu e a
terra, é o único que pode dar o conhecimento verdadeiro de todas as coisas
criadas em sua relação com ele.
217.
Deus é verdadeiro também quando se revela: todo o
ensinamento que vem de Deus é “um ensinamento sincero” (Ml 2, 6).
Quando enviar seu Filho ao mundo, será “para dar testemunho da Verdade” (Jo 18,
37): “Nós sabemos que veio o Filho de Deus e nos deu a inteligência para
conhecermos o Verdadeiro” (1 Jo 5, 20).
DEUS É AMOR
218.
Ao longe de sua história, Israel pôde descobrir que
Deus tinha uma única razão para se revelar a eles e para tê-lo escolhido dentre
todos os povos para ser dele: seu amor gratuito. Israel entendeu, graças a seus
profetas, que foi também por amor que Deus não cessou de salvá-lo e de perdoar-lhe
sua infidelidade e seus pecados.
219.
O amor de Deus por Israel é comparado ao amor de um
pai por seu filho. Este amor é mais forte que o amor de uma mãe por seus
filhos. Deus ama o seu Povo mais do que um esposo ama sua bem-amada. Este amor se
sobreporá até as piores infidelidades; irá até a mais preciosa doação: “Deus
amou tanto o mundo, que deu o seu Filho único” (Jo 3, 16).
220.
O amor de Deus é “eterno” (Is 54, 8): “As
serras mudem de lugar, ou que as montanhas balancem, meu amor para contigo
nunca vai mudar” (Is 54, 10). “Eu te amo com amor de eternidade; por isso,
guardo por ti tanta ternura!” (Jr 31, 3).
221.
São João vai ainda mais longe ao afirmar: “Deus é
Amor” (1 Jo 4, 8, 16). O próprio Ser de Deus é Amor. Ao enviar, na
plenitude dos tempos, seu Filho único e o Espírito de Amor, Deus revela seu segredo
mais íntimo: “Ele mesmo é eternamente intercâmbio de amor – Pai, Filho e
Espírito Santo – e nos destinou a participar deste intercambio.
IV.
O alcance da fé no Deus Único
222.
Crer em Deus, o Único, e amá-lo com todo o próprio
ser têm enormes consequências para toda a nossa vida.
223.
Significar conhecer a grandeza e a majestade de
Deus: “Deus é grande, e supera o nosso conhecimento” (Jó 36, 26),
por isso Deus deve ser “o primeiro a ser servido”.
224.
Significa viver em ação de graças: Se Deus é o
Único, tudo o que somos e tudo o que possuímos vêm dele: “Que tens, que não
tenhas recebido?” (1 Cor 4, 7). “Que retribuirei ao Senhor por todo o
bem que me deu?” (Sl 116, 12).
225.
Significa conhecer a unidade e a verdadeira
dignidade de todos os homens. Todos eles são feitos “à sua imagem, à
imagem de Deus” (Gn 1, 26).
226.
Significa usar corretamente as coisas criadas: A
fé no Deus único nos leva a usar tudo o que não é Ele, na medida em que isso
nos aproxima dele, e a nos desapegarmos das coisas, na medida em que nos
desviam dele:
“Meu Senhor e meu
Deus, tira-me tudo o que me afasta de vós. Meu Senhor e meu Deus, dai-me tudo o
que me aproxima de vós. Meu Senhor e meu Deus, desprendei-me de mim mesmo para doar-me
por inteiro a vós”.
227.
Significa confiar em Deus em quaisquer
circunstâncias, mesmo na adversidade. Uma oração de Santa Teresa de Jesus expressa
de maneira admirável:
“Nada te perturbe /
Nada te assuste
Tudo passa / Deus
não muda
A paciência tudo alcança
/ Quem a Deus tem
Nada lhe falta. /
Só Deus basta”.
Resumindo:
228.
“Ouve, Israel! O Senhor nosso Deus é o Único Senho” (Dt 6, 4; Mc 12,
29). “É preciso, necessariamente, que o supremo seja único, isto é, sem igual.
[…] Se Deus não for único, não é Deus”.
229.
A fé em Deus nos leva a nos voltarmos só para Ele, como nossa primeira
origem e nosso fim último, a nada preferir nem substituí-lo por nada.
230.
Ao revelar-se, Deus permanece Mistério inefável: “Se o compreendesses, ele
não seria Deus”.
231.
O Deus de nossa fé revelou-se como Aquele que é: deu-se a
conhecer como “rico em bondade e fiel” (Ex 34, 6). Seu próprio ser é Verdade e Amor.
PARÁGRAFO 2
O
PAI
I.
“Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”
232.
Os cristãos são batizados “em nome do Pai, do Filho
e do Espírito Santo” (Mt 28, 19). Antes disso, eles respondem “Creio”
à tríplice pergunta que requer que confessem sua fé no Pai, no Filho e no
Espírito Santo: “Fides omnium christianorum in Trinitate consistit – A fé
de todos os cristãos fundamenta-se na Trindade”).
233.
Os cristãos são batizados “em nome” do Pai e do
Filho e do Espírito Santo, e não “nos nomes” destes três, pois só existe um Deus,
o Pai Todo-Poderoso, seu Filho Único e o Espírito Santo: a Santíssima Trindade.
234.
O mistério da Santíssima Trindade é o mistério
central da fé e da vida cristã. É, portanto, a fonte de todos os outros mistérios
da fé, é a luz que os ilumina. É o ensinamento mais fundamental e essencial na “hierarquia
das verdades de fé”. “Toda a história da salvação é a história das vias e meios
do revelar-se do Deus verdadeiro e único: Pai, Filho e Espírito Santo, o qual reconcilia
e une a si aqueles que se afastam do pecado”.
235.
Neste parágrafo, se exporá brevemente de que modo é
revelado o mistério da Santíssima Trindade (I); de que maneira a Igreja
formulou a doutrina da fé sobre este mistério (II); de que modo, mediante as missões
divinas do Filho e do Espírito Santo, Deus Pai realiza seu “desígnio de benevolente”
de criação, de redenção e santificação (III).
236.
Os Padres da Igreja distinguem entre Theologia
e a Oikonomia, designando com o primeiro termo o mistério da vida íntima do
Deus-Trindade e, com segundo, todas as obras de Deus por meio das quais ele se
revela e comunica sua vida. É mediante a Oikonomia que nos é revelada a Theologia;
mas, inversamente, é a Theologia que ilumina toda a Oikonomia. As
obras de Deus revelam quem Ele é em si mesmo e, inversamente, o mistério de seu
Ser íntimo ilumina a compreensão de todas as suas obras. Acontece o mesmo, de
modo similar, entre as pessoas humanas. A pessoa mostra-se em seu agir. Quando
melhor conhecemos uma pessoa, tanto melhor compreendemos seu agir.
237.
A Trindade é um mistério de fé em sentido estrito,
um dos “mistérios escondidos em Deus que não podem ser conhecidos se não forem
revelados do alto”. Sem dúvida, Deus deixou vestígios de seu ser trinitário em
sua obra de Criação e em sua revelação ao longo do Antigo Testamento. Entretanto,
a intimidade do seu Ser como Santíssima Trindade constitui um mistério
inacessível à pura razão e até mesmo à fé de Israel antes da Encarnação do
Filho de Deus e da missão do Espírito Santo.
II.
A revelação de Deus como Trindade
O PAI REVELADO PELO FILHO
238.
A invocação de Deus como “Pai” é conhecida em
muitas religiões. A divindade é muitas vezes, considerada “pai dos deuses e dos
homens”. Em Israel, Deus é chamado Pai enquanto Criador do mundo. Deus é Pai,
mais ainda, em razão da Aliança e do dom da Lei a Israel, seu “filho primogênito”
(Ex 4, 22). É também chamado de Pai do rei de Israel. Muito particularmente,
Ele é “o Pai dos pobres”, do órfão e da viúva que estão sob sua proteção de
amor.
239.
Ao designar Deus com o nome de “Pai”, a linguagem
da fé indica principalmente dois aspectos: Deus é origem primeira de tudo e autoridade
transcendente e, ao mesmo tempo, é bondade e solicitude de amor para com todos
os seus filhos. Esta ternura paternal de Deus pode também ser expressa pela imagem
da maternidade, que indica mais a imanência de Deus, a intimidade entre Deus e
sua criatura. A linguagem da fé inspira-se assim, na experiência humana dos pais
(genitores) que, de certo modo, são os primeiros representantes de Deus para o
homem. Entretanto, esta experiência humana ensina também que os pais humanos são
falíveis e que podem desfigurar o rosto da paternidade e da maternidade.
Convém, então, lembrar que Deus transcende a distinção humana dos sexos. Ele não
é nem homem nem mulher, é Deus. Transcende também a paternidade e a maternidade
humanas, embora o tendo como origem e modelo: ninguém é pai como Deus o é.
240.
Jesus revelou que Deus é “Pai” num sentido inaudito:
não o é somente enquanto Criador, mas é eternamente Pai em relação a seu Filho
único, que só é eternamente Filho em relação a seu Pai: “Ninguém conhece o
Filho senão o Pai, e ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem o
Filho o quiser revelar” (Mt 11, 27).
241.
É por isso, os Apóstolos confessam Jesus como “o
Verbo” que “no princípio estava junto de Deus” e que “era Deus” (Jo 1,
1), como “a imagem do Deus invisível” (Cl 1, 15), como “o resplendor
da glória do Pai, a expressão do seu ser” (Hb 1, 3).
242.
Na continuidade deles, seguindo a Tradição
apostólica, a Igreja, no ano de 325, no primeiro Concílio Ecumênico de Niceia, confessou
que o Filho é “consubstancial” ao Pai, isto é, um só Deus com Ele. O segundo Concilio
Ecumênico, reunido em Constantinopla, em 381, conservou esta expressão em sua
formulação do Credo de Niceia e confessou “o Filho único de Deus, gerado do Pai
antes de todos os séculos, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro,
gerado, não criado, consubstancial ao Pai”.
O PAI E O FILHO REVELADOS PELO ESPÍRITO
243.
Antes de sua Páscoa, Jesus anuncia o envio de “outro
Paráclito” (defensor), o Espírito Santo. Ele, atuante desde a criação, falou
pelos profetas”, está agora junto dos discípulos e presente neles, para
ensiná-los e conduzi-los à “verdade plena” (Jo 16, 13). Assim, o
Espírito Santo é revelado como outra pessoa divina em relação a Jesus e ao Pai.
244.
A origem eterna do Espírito revela-se na sua missão
temporal. O Espírito Santo é enviado aos Apóstolos e à Igreja, tanto pelo Pai,
em nome do Filho, como pelo Filho em pessoa, depois de seu retorno para junto do
Pai. O envio da pessoa do Espírito, após a glorificação de Jesus revela em
plenitude o mistério da Santíssima Trindade.
245.
A fé apostólica, no tocante ao Espírito, foi
confessada pelo segundo Concilio Ecumênico, em 381, em Constantinopla: “Cremos
no Espírito Santo, que é Senhor e que dá a vida; ele procede do Pai”. Com isso
a Igreja reconhece o Pai como “a fonte e a origem de toda a divindade”. A
origem eterna do Espírito Santo não deixa, porém, de estar vinculada à do
Filho: “O Espírito Santo, que é a Terceira Pessoa da Trindade, é Deus, uno e
igual ao Pai e ao Filho, da mesma substância e também da mesma natureza. […]
Contudo, não se diz que Ele é somente o Espírito do Pai, mas ao mesmo tempo o
Espírito do Pai e do Filho”. O Credo da Igreja do Concílio de Constantinopla
confessa: “Com o Pai e o Filho, ele recebe a mesma adoração e a mesma glória”.
246.
A tradição latina do Credo confessa que o Espírito “procede
do Pai e do Filho (Filioque)”. O Concílio de Florença, em
1438, explicita: “O Espírito Santo tem sua essência e seu ser subsistente ao mesmo
tempo do Pai e do Filho e procede eternamente de ambos como de um só Princípio
e por uma única expiração […]. Uma vez que tudo o que é do Pai, o Pai mesmo o
deu ao seu Filho único, ao gerá-lo, excetuado seu ser de Pai, esta própria procedência
do Espírito Santo a partir do Filho, ele a tem eternamente de seu Pai que o
gerou eternamente”.
247.
A afirmação do filioque não
figurava no símbolo professado em 381, em Constantinopla. No entanto, com base em
uma antiga tradição latina e alexandrina, o papa São Leão já o havia confessado
dogmaticamente, em 447, antes que Roma conhecesse e recebesse, em 451, no Concílio
de Calcedônia, o símbolo de 381. O uso desta fórmula no Credo foi sendo
admitido pouco a pouco na liturgia latina (entre os séculos VIII e XI). Todavia,
a introdução, pela liturgia latina, do Filioque no Símbolo niceno-constantinopolitano
constitui, ainda hoje, um pouco de discórdia em relação às Igrejas ortodoxas.
248.
A tradição oriental põe em relevo, antes de tudo, a
origem primeira do Pai em relação ao Espírito. Ao confessar que o Espírito “procede
do Pai” (Jo 15, 26), ela afirma que o Espírito procede do
Pai pelo Filho. A tradição ocidental põe em relevo primeiro a comunhão
consubstancial entre o Pai e o Filho, afirmando que o Espírito Santo procede do
Pai e do Filho (Filioque). Ela o afirma “de forma legítima e
racional”, “pois a ordem eterna das pessoas divinas, em sua comunhão
consubstancial, implica não só que o Pai seja a origem primeira do Espírito,
enquanto “princípio sem princípio”, mas também, enquanto Pai
do Filho Único, que seja com ele “o único princípio do qual procede o
Espírito Santo”. Esta legítima complementaridade, se não for radicalizada, não
afeta a identidade da fé na realidade do mesmo mistério confessado.
III.
A Santíssima Trindade na doutrina da fé
A FORMAÇÃO DO DOGMA TRINITÁRIO
249.
A verdade revelada da Santíssima Trindade esteve,
desde as origens, na raiz da fé viva da Igreja, principalmente por meio do Batismo.
Ela encontra sua expressão na regra da fé batismal, formulada na pregação, na
catequese e na oração da Igreja. Tais formulações já se encontram nos escritos
apostólicos, como na seguinte saudação, retomada na liturgia eucarística: “A
graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo
estejam com todos vós” (2 Cor 13, 13).
250.
No decurso dos primeiros séculos, a Igreja procurou
formular mais explicitamente sua fé trinitária, tanto para aprofundar sua
própria compreensão da fé como para a defende-la de erros que a estavam deformando.
Isso foi obra dos Concílios antigos, ajudados pelo trabalho teológico dos
Padres da Igreja e apoiados pelo senso da fé do povo cristão.
251.
Para a formulação do dogma da Trindade, a Igreja
teve de desenvolver uma terminologia própria, recorrendo a noções de origem
filosófica: “substância”, “pessoa” ou “hipóstase”, “relação”, etc. Ao fazer isso,
não submeteu a fé a uma sabedoria humana, mas imprimiu sentido novo, inaudito a
esses termos, chamados a significar, a partir daí, também um Mistério inefável,
que “supera infinitamente tudo o que nós podemos compreender dentro do limite humano”.
252.
A Igreja utiliza o termo “substância” (às vezes
também traduzido por “essência” ou por “natureza”) para designar o ser divino em
sua unidade; o termo “pessoa” ou “hipóstase” para designar o Pai, o Filho e o
Espírito Santo em sua distinção real entre si; o termo “relação” para designar
o fato de que de a distinção entre eles residir na referência de uns aos
outros.
DOGMA DA SANTÍSSIMA TRINDADE
253.
A Trindade é Una. Não professamos três deuses,
mas um só Deus em três pessoas: “a Trindade consubstancial”. As pessoas divinas
não dividem entre si a única divindade, mas cada uma delas é Deus por inteiro: “O
Pai é aquilo que é o Filho, o Filho é aquilo que é o Pai, o Espírito Santo é aquilo
que são o Pai e o Filho, isto é, um só Deus por natureza”. “Cada uma das três
pessoas é esta realidade, isto é, a substância, a essência ou a natureza divina”.
254.
As pessoas divinas são realmente distintas
entre si. “Deus é único, mas não solitário”. “Pai”, “Filho”, “Espírito
Santo” não são simplesmente nomes que designam modalidades do ser divino, pois
são realmente distintos entre si. “Aquele que é o Pai não é o Filho, e aquele
que é o Filho não é o Pai, nem o Espírito Santo é aquele que é o Pai ou o Filho”.
São distintos entre si por suas relações de origem: “É o Pai que gera, o Filho que
é gerado, o Espírito Santo que procede”. A unidade divina é Trina.
255.
As pessoas divinas são relativas umas às outras. Por
não dividir a unidade divina, a distinção real das pessoas entre si reside
unicamente nas relações que as referem umas às outras: “Nos nomes relativos das
pessoas, o Pai é referido ao Filho, o Filho ao Pai, o Espírito Santo aos dois; quando
se fala destas três pessoas considerando as relações, se crê, todavia, em uma
só natureza ou substância”. Pois “tudo é uno” (neles) tudo é uma única coisa, sem
relação de oposição. “Por causa desta unidade, o Pai está todo inteiro no Filho,
todo inteiro no Espírito Santo; o Filho está todo inteiro no Pai, todo inteiro no
Espírito Santo; o Espírito Santo, todo inteiro no Pai, todo inteiro no Filho”.
256.
Aos Catecúmenos de Constantinopla, São Gregório de
Nazianzeno, denominado também “o Teólogo”, confia o seguinte resumo da fé
trinitária:
“Antes de todas as
coisas, conservai-me este bom depósito, pelo qual vivo e combato, com o qual
quero morrer, que me faz suportar todos os males e desprezar todos os prazeres:
refiro-me à profissão de fé no Pai e no Filho e no Espírito Santo. Eu hoje a confio
a vós. É por ela que daqui a pouco vou mergulhar-vos na água e vos tirar dela.
Eu a dou a vós como companheira e dona de toda a vossa vida. Dou-vos uma só
Divindade e Poder, que existe Una nos Três, e que contém os Três de maneira
distinta. Divindade sem diferença de substância ou de natureza, sem grau
superior que eleve ou grau inferior que rebaixe. […] A infinita conaturalidade
é de três infinitos. Cada um considerado em si mesmo é Deus todo inteiro […].
Deus, os Três considerados juntos. Nem comecei a pensar na Unidade, sou
envolvido no esplendor da Trindade. Nem comecei a distinguir a Trindade, sou
reconduzido à Unidade”.
IV.
As obras divinas e as missões trinitárias
257.
“O lux beata Trinitas et principalis Unitas!
– Ó Luz, Trindade dendita. Ó primordial Unidade!”. Deus é beatitude eterna,
vida imortal, luz sem ocaso. Deus é amor: Pai, Filho e Espírito Santo.
Livremente, Deus quer comunicar a glória de sua vida bem-aventurada. Este é o “desígnio
de benevolência” (Ef 1, 9) que ele concebeu, desde antes da criação
do mundo, no seu Filho bem-amado, “predestinou à adoção como filhos” (Ef 1,
5), isto é, a “se configurarem com a imagem de seu filho” (Rm 8, 29),
graças ao “Espírito que, por adoção, vos torna filhos” (Rm 8, 15).
Esta decisão prévia é uma “graça, que nos foi dada no Cristo Jesus antes de
todos os tempos” (2 Tm 1, 9), proveniente diretamente do amor trinitário.
Este se desdobra na obra da criação, em toda a história da salvação após a
queda, nas missões do Filho e do Espírito, prolongadas pela missão da Igreja.
258.
Toda a economia divina é obra comum das três
pessoas divinas. Efetivamente, como a Trindade não tem senão uma única e mesma natureza,
assim também não tem senão uma única e mesma operação. “O Pai, o Filho e o
Espírito Santo não são três princípios das criaturas, mas um só princípio”. Contudo,
cada pessoa divina cumpre a obra comum segundo a sua propriedade pessoal. Assim
a Igreja confessa, na linha do Novo Testamento: “Um Deus e Pai, no qual são
todas as coisas; um Senhor Jesus Cristo mediante o qual são todas as coisas; um
Espírito Santo em quem são todas as coisas”. São sobretudo as missões divinas
da Encarnação do Filho e do dom do Espírito Santo que manifestam as
propriedades das pessoas divinas.
259.
Obra ao mesmo tempo comum e pessoal, toda a economia
divina dá a conhecer tanto a propriedade das pessoas divinas como sua única
natureza. Outrossim, toda a vida cristã é comunhão com cada uma das pessoas
divinas, sem de modo algum as separá-las. Quem rende glória ao Pai o faz pelo
Filho no Espírito Santo; quem segue a Cristo, o faz porque o Pai o atrai e o
Espírito o impulsiona.
260.
O fim último de toda a economia divina é a entrada das
criaturas na unidade perfeita da Santíssima Trindade. Entretanto, desde já, somos
chamados a ser habitados pela Santíssima Trindade: “Se alguém me ama, guardará
a minha palavra; meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada” (Jo 14,
23):
“Ó meu Deus,
Trindade que adoro, ajudai-me a esquecer inteiramente de mim, para firmar-me em
Vós, imóvel e pacifica, como se a minha alma já estivesse na eternidade: que
nada consiga perturbar a minha paz, nem fazer-me sair de Vós, ó meu Imutável, mas
que cada minuto me leve mais longe na profundeza do vosso Mistério! Pacificai a
minha alma! Fazei dela o vosso céu, vossa morada querida e o lugar do vosso
repouso. Que nela eu nunca vos deixe só, mas que eu esteja aí, inteiramente, completamente
vigilante na minha fé, toda adorante, toda entregue à vossa ação criadora”.
Resumindo:
261.
O mistério da Santíssima Trindade é o mistério central da fé e da vida
cristã. Só Deus nos pode dar a conhecê-lo, revelando-se como Pai, Filho e
Espírito Santo.
262.
A Encarnação do Filho de Deus revela que Deus é o Pai eterno e que o
Filho é consubstancial ao Pai, isto é, que ele é no Pai e com o Pai o mesmo Deus
único.
263.
A missão do Espírito Santo, enviado pelo Pai em nome do Filho e pelo Filho
“que procede do Pai” (Jo 15, 26), revela que Espírito é com eles o mesmo Deus único.
“Com o Pai e o Filho é adorado e glorificado”.
264.
“O Espírito Santo procede do Pai como fonte primeira e, pela doação eterna
ao Filho, procede do Pai e do Filho em comunhão”.
265.
Pela graça do Batismo “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”,
(Mt 28, 19), somos chamados a compartilhar da vida da Santíssima Trindade, aqui
na terra, na obscuridade da fé, e para além da morte, na luz eterna.
266.
“Fides autem catholica haec est, ut unum Deum in Trinitate, et
Trinitatem in unitate veneremur, neque confundentes personas, neque substantiam
separaptes; alia enim est persona Patris, alia Filii, alia Spiritus Sancti; sed
Patris et Fuji et Spiritus Sancti est una divinitas, aequalis gloria, coaeterna
majestas – A fé católica é esta: que venerarmos o único Deus na
Trindade e a Trindade na unidade, não confundindo as pessoas, nem separamos a
substância: pois uma é a Pessoa do Pai, outra, a do Filho; outra, a do Espírito
Santo, mas uma só é a divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo, igual a
glória, coeterna a majestade”.
267.
Inseparáveis naquilo que são, da mesma forma o são naquilo que fazem. Na
única operação divina, no entanto, cada uma delas manifesta o que lhe é próprio
na Trindade, sobretudo nas missões divinas da Encarnação do Filho e do dom do
Espírito Santo.
PARÁGRAFO 3
O
TODO-PODEROSO
268.
De todos os atributos divinos, só a onipotência de
Deus é mencionada no Símbolo: confessá-la é de grande importância para nossa vida.
Nós cremos que tal onipotência é universal, pois Deus, que criou tudo,
governa tudo e pode tudo. Ela é também de amor, pois Deus é nosso Pai; misteriosa, pois
somente a fé a pode discerni-la, porque, “Pois, é na fraqueza que a força se
realiza plenamente” (2 Cor 12, 9).
“ELE REALIZA TUDO QUANTO QUER” (Sl 115, 3)
269.
As Sagradas Escrituras professam, reiteradas vezes,
o poder universal de Deus. Ele é chamado “Soberano de Jacó” (Gn 49, 24; Is 1,
24 e.o.), “o Senhor dos exércitos”, “o Forte, o Poderoso” (SI 24, 8-10). Se
Deus é Todo-Poderoso “no céu e na terra” (Sl 135, 6), é porque os fez. Por isso,
nada lhe é impossível e Ele dispõe de sua obra como lhe agrada. Ele é o Senhor
do universo, cuja ordem estabeleceu, a qual lhe permanece inteiramente submissa
e disponível. Ele é o Senhor da história; governa os corações e os
acontecimentos segundo sua vontade. “Tu podes desdobrar sempre teu grande
poder: quem poderia resistir a força do teu braço?” (Sb 11, 21).
“DE TODOS TENS COMPAIXÃO, PORQUE TUDO PODES” (Sb 11,
23)
270.
Deus é o Pai Todo-Poderoso. Sua
paternidade e seu poder iluminam-se mutuamente. Com efeito, ele mostra sua onipotência
paterna pela maneira como cuida de nossas necessidades, pela adoção filial que
nos outorga (“Serei para vós um Pai, e vós sereis para mim meus filhos e
filhas, diz o Senhor Todo-Poderoso”: 2 Cor 6, 18), por sua misericórdia
infinita, pois mostra seu poder no mais alto grau, perdoando livremente os
pecados.
271.
A onipotência divina de modo algum é arbitrária: “Em
Deus o poder e a essência, a vontade e a inteligência, a sabedoria e a justiça
são uma só e mesma coisa, de modo que nada pode estar no poder divino que não
possa estar na justa vontade de Deus ou na sua sábia inteligência”.
MISTÉRIO DA APARENTE IMPOTÊNCIA DE DEUS
272.
A fé em Deus Pai todo-poderoso pode ser posta à
prova pela experiência do mal e do sofrimento. Por vezes, Deus pode parecer
ausente e incapaz de impedir o mal. Ora, Deus Pai revelou a sua Onipotência, da
maneira mais misteriosa, no rebaixamento voluntária e na Ressurreição
de seu Filho, por meio dos quais venceu o mal. Assim, Cristo crucificado é “poder
de Deus e sabedoria de Deus. Pois o que é loucura de Deus é mais sábio do que
os homens e o que é fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (1 Cor 1,
25). Na ressurreição e na exaltação de Cristo, o Pai “desdobrou o vigor de sua força”
e manifestou a “extraordinária grandeza que ele exerce, segundo o vigor de sua
força poderosa, em favor de nós, que cremos” (Ef 1, 19-22).
273.
Somente a fé pode aderir aos caminhos misteriosos
da onipotência de Deus. Esta fé gloria-se de suas fraquezas, a fim de atrair sobre
si o poder de Cristo. Desta fé, a Virgem Maria é o modelo supremo, ela que
acreditou que “para Deus nada é impossível” (Lc 1, 37) e que pôde engrandecer
o Senhor: “O Poderoso fez para mim coisas grandiosas. O seu nome é santo” (Lc 1,
49).
274.
“Nada é mais adequado para consolidar nossa fé e nossa
esperança do que a convicção profundamente gravada em nossas almas de que nada
é impossível a Deus. Pois tudo o que [o Credo] a seguir nos proporá a crer – as
maiores coisas, as mais incompreensíveis, bem como as que mais ultrapassam as leis
ordinárias da natureza – , nossa razão o admitirá facilmente e sem hesitação,
desde que tenha pelo menos ideia da onipotência divina”.
Resumindo:
275.
Juntamente com Jó, o justo, nós confessamos: “Reconheço que podes tudo e
que para ti nenhum pensamento é oculto” (Jó 42, 2).
276.
Fiel ao testemunho da Escritura, a Igreja, com frequência, dirige sua prece ao “Deus Todo-Poderoso e
eterno” (omnipotens sempiterne Deus...”), crendo firmemente que “para
Deus nada é impossível” (Lc 1, 37).
277.
Deus manifesta sua onipotência convertendo de nossos pecados e
restabelecendo em sua amizade pela graça (“Deus, qui omnipotentiam tuam
parcendo maxime et miserando manifestas” – “Ó Deus; que manifestais o
vosso poder sobretudo na misericórdia”).
278.
Se não crermos que o amor de Deus é todo poderoso, como crer que o Pai
pôde criar, o Filho nos remir, o Espírito Santo nos santificar?