Afresco das catacumbas de S.
Pedro e S. Marcelino, do início do século IV.
A cena representa o encontro de Jesus com a mulher
hemorroíssa. Essa mulher, enferma há muitos anos, é curada ao tocar o manto de
Jesus pela “força que dele saíra” (cf. Mc 5, 25-34).
Os sacramentos da Igreja
continuam hoje as obras que Cristo cumprira durante sua vida terrestre (cf. §1115).
Os sacramentos são como que essas “forças que saem” do corpo de Cristo para
curar as feridas do pecado e para nos dar a vida nova do Cristo (cf §1116).
Essa pintura simboliza, pois o poder divino e salvador do Filho de Deus que salva o homem todos, alma e corpo, por meio da vida sacramental.
SEGUNDA PARTE
A CELEBRAÇÃO DO MISTÉRIO CRISTÃO
INTRODUÇÃO
POR QUE A LITURGIA?
1066.
No Símbolo da Fé, a Igreja confessa o mistério da
Santíssima Trindade e o seu “desígnio benevolente” (Ef 1, 9) sobre
toda a criação: o Pai realiza o “mistério de sua vontade”, entregando seu Filho
bem-amado e seu Espírito para a salvação do mundo e para a glória de seu nome. Este
é o mistério de Cristo, revelado e realizado na história, segundo um plano, uma
“disposição” sabiamente ordenada, à qual São Paulo denomina “realização do seu ministério” (Ef 3,
9) e a que a tradição patrística a chama de “Economia do Verbo Encarnado” ou “a
Economia da Salvação”.
1067.
“Esta obra da redenção humana e da glorificação de
Deus, da qual foram prelúdio as maravilhas divinas operadas no povo do Antigo
Testamento, completou-a Cristo Senhor, principalmente pelo mistério pascal de
sua bem-aventurada paixão, ressurreição dos mortos e gloriosa ascensão. Por
este mistério, Cristo, ‘morrendo, destruiu nossa morte, e ressuscitando,
restaurou nossa vida’, pois do lado de Cristo, agonizante na cruz, nasceu o
admirável sacramento de toda a Igreja”. Esta é a razão pela qual, na liturgia,
a Igreja celebra principalmente o mistério pascal pelo qual Cristo realizou a
obra da nossa salvação.
1068.
Este mistério de Cristo a Igreja anuncia e celebra em
sua liturgia, a fim de que os fiéis vivam e deem testemunho dele no mundo:
“Com efeito, a
liturgia, pela qual, principalmente no divino sacrifício da Eucaristia, ‘se exerce
a obra de nossa redenção’, contribui, de modo excelente, para que os fiéis, em
sua vida, expressem e manifestem aos outros o mistério de Cristo e a genuína natureza
da verdadeira Igreja”.
O QUE SIGNIFICA A PALAVRA LITURGIA?
1069.
A palavra “liturgia” significa originalmente “obra
pública”, “serviço da parte do povo e em favor do povo”. Na tradição cristã, ela
quer expressar que o povo de Deus toma parte na “obra de Deus”. Pela liturgia,
Cristo, nosso redentor e sumo sacerdote, continua em sua Igreja, com ela e por
ela, a obra de nossa redenção.
1070.
A palavra “liturgia” é empregada, no Novo
Testamento, para designar não somente a celebração do culto divino, mas também
o anúncio do Evangelho e a efetiva caridade. Em todas essas situações, trata-se
do serviço de Deus e dos homens. Na celebração litúrgica, a Igreja é serva à imagem
de seu Senhor, o único “liturgo”, participando de seu sacerdócio (culto)
profético (anúncio) e régio (serviço da caridade):
“Com razão,
portanto, a liturgia é tida como o exercício do múnus sacerdotal de Jesus
Cristo, no qual, mediante sinais sensíveis, é significada e, de modo peculiar a
cada sinal, realizada a santificação do homem, e é exercido o culto público
integral pelo corpo místico de Cristo, cabeça e membros. Disto decorre que toda
a celebração litúrgica, como obra de Cristo sacerdote e de seu corpo que é a
Igreja, é ação sagrada por excelência, e nenhuma outra ação da Igreja iguala sua
eficácia, em grau e qualidade”.
A LITURGIA COMO FONTE DE VIDA
1071.
Além de ser obra de Cristo, a liturgia é também uma
ação de sua Igreja. Ela realiza e manifesta a Igreja como sinal
visível da comunhão de Deus e os homens por meio de Cristo. Empenha os fiéis na
vida nova da comunidade. Implica a participação “consciente, ativa e frutuosa”
de todos.
1072.
“A liturgia não esgota toda a ação da Igreja”, ela
tem de ser precedida pela evangelização, pela fé e pela conversão, poderá então
produzir seus frutos na vida dos fiéis: a vida nova segundo o Espírito, o compromisso
com a missão da Igreja e o serviço de sua unidade.
ORAÇÃO E LITURGIA
1073.
A liturgia é também participação na oração de
Cristo, dirigida ao Pai no Espírito Santo. Nela, toda oração cristã encontra
sua fonte e seu termo. Pela liturgia, o homem interior é enraizado e fundado no
“imenso amor com que nos amou” (Ef 2, 4), em seu Filho bem-amado. É a
mesma “maravilha de Deus”, vivida e interiorizada por toda oração, “constantemente
no Espírito” (Ef 6, 18).
CATEQUESE E LITURGIA
1074.
“A liturgia é o ápice o qual tende a ação da Igreja
e, ao mesmo tempo, é a fonte de onde emana toda a sua força”. Ela é, portanto,
o lugar privilegiado da catequese do povo de Deus. “A catequese está
intrinsecamente ligada a toda a ação litúrgica e sacramental, pois é nos
sacramentos, sobretudo na Eucaristia, que Cristo Jesus age em plenitude para a transformação
dos homens”.
1075. A catequese litúrgica tem em vista introduzir no mistério de Cristo (ela é “mistagogia”), procedendo do visível para o invisível, do significante para o significado, dos “sacramentos” para os “mistérios”. Tal catequese é da competência dos catecismos locais e regionais. O presente Catecismo, que quer estar a serviço da Igreja inteira, na diversidade de seus ritos e de suas culturas, apresenta o que é fundamental e comum a toda a Igreja, no tocante à liturgia, como mistério e como celebração (Seção I), e, em seguida, os sete sacramentos e os sacramentais (Seção II).
PRIMEIRA SEÇÃO
A “ECONOMIA” SACRAMENTAL
1076. No dia de Pentecostes, pela efusão do Espírito Santo, a Igreja é manifestada ao mundo. O dom do Espírito inaugura um tempo novo na “revelação do mistério”: o tempo da Igreja, durante o qual Cristo se manifesta, torna presente e comunica, pela liturgia de sua Igreja, sua obra de salvação, “até que ele venha” (1 Cor 11, 26). Durante este tempo da Igreja, Cristo vive e age, em sua Igreja e com ela, de nova forma, própria deste tempo novo. Age pelos sacramentos. A isto que a tradição comum do Oriente e do Ocidente chama de “economia sacramental”. Esta consiste na comunicação (ou “revelação”) dos frutos do mistério pascal de Cristo, na celebração da liturgia “sacramental” da Igreja. Por isso, importa ilustrar primeiro esta “revelação sacramental” (Capítulo I). Aparecerão, assim, com mais clareza, a natureza e os aspectos essenciais da celebração litúrgica (Capítulo II).
CAPÍTULO
I
O MISTÉRIO PASCAL NO TEMPO DA
IGREJA
ARTIGO
1
A LITURGIA. OBRA DA SANTÍSSIMA
TRINDADE
I. O Pai,
fonte e fim da liturgia
1077.
“Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo, que nos abençoou com toda bênção espiritual nos céus, em Cristo. Nele,
Deus nos escolheu, antes da fundação do mundo, para sermos santos e íntegros
diante dele, no amor. Conforme o desígnio benevolente de sua vontade, ele nos
predestinou à adoção como filhos, por obra de Jesus Cristo, para o louvor de
sua graça gloriosa, com que nos agraciou no seu bem-amado” (Ef 1,
3-6).
1078.
Abençoar é uma ação divina que dá a vida, cuja
fonte é o Pai. Sua bênção é, ao mesmo tempo, palavra e dom (“benedictio”,
“eulogia”). Aplicado ao homem, esse termo significa a adoração e a
entrega a seu criador, na ação de graças.
1079.
Desde o início até a consumação dos tempos, toda a
obra de Deus é bênção. Desde o poema litúrgico da primeira criação até os
cânticos da Jerusalém celeste, os autores inspirados anunciam o projeto de
salvação como imensa bênção divina.
1080.
Desde o começo, Deus abençoa os seres vivos,
especialmente o homem e a mulher. A aliança com Noé e com todos os seres
animados renova esta bênção de fecundidade, apesar do pecado do homem, por
causa do qual a terra é “amaldiçoada”. No entanto, a partir de Abraão, a bênção
divina penetra a história dos homens, que caminhava para a morte, para fazê-la
retornar à vida, à sua fonte: pela fé do “pai dos crentes” que acolhe a bênção,
inaugura-se a história da salvação.
1081.
As bênçãos divinas manifestam-se em eventos impressionantes
e salvadores: o nascimento de Isaac; a saída do Egito (Páscoa e Êxodo); o dom
da Terra prometida; a eleição de David; a presença de Deus no Templo; o exílio
purificador; o retorno do “pequeno resto”. A lei, os profetas e os salmos, que
tecem a liturgia do povo eleito, lembram essas bênçãos divinas e, ao mesmo
tempo, a elas respondem mediante as bênçãos de louvor e de ação de graças.
1082.
Na liturgia da Igreja, a bênção divina é plenamente
revelada e comunicada: o Pai é reconhecido e adorado como a fonte e o fim de
todas as bênçãos da criação e da salvação. Em seu Verbo encarnado, morto e
ressuscitado por nós, ele cumula com suas bênçãos e, por meio dele, derrama em
nossos corações o dom que contém todos os dons: o Espírito Santo.
1083.
Compreende-se então a dupla dimensão da liturgia
cristã como resposta de fé e de amor às “bênçãos espirituais” com as quais o
Pai nos presenteia. Por um lado, a Igreja, unida ao seu Senhor e sob a ação do
Espírito Santo, bendiz o Pai “por seu dom inefável” (2 Cor 9, 15),
mediante a adoração, o louvor e a ação de graças. Por outro, e até a consumação
do projeto de Deus, a Igreja não cessa de oferecer ao Pai “a oferenda de seus
próprios dons” e de implorar que Ele envie o Espírito Santo sobre a oferta,
sobre si mesma, sobre os fiéis e sobre o mundo inteiro, a fim de que, pela
comunhão com a morte e a ressurreição de Cristo Sacerdote e pelo poder do
Espírito, estas bênçãos divinas produzam frutos de vida “para louvor de sua graça
gloriosa” (Ef 1, 6).
II.
A obra de Cristo na liturgia
CRISTO GLORIFICADO…
1084.
“Sentado à direita do Pai” e derramando o Espírito
Santo em seu Corpo, que é a Igreja, Cristo age agora pelos sacramentos, instituídos
por Ele para comunicar sua graça. Os sacramentos são sinais sensíveis (palavras
e ações), acessíveis à nossa humanidade atual. Realizam eficazmente a graça que
significam em virtude da ação de Cristo e pelo poder do Espírito Santo.
1085.
Na liturgia da Igreja, Cristo significa e realiza
principalmente seu mistério pascal. Durante sua vida terrestre, Jesus anunciava
seu mistério pascal por seu ensinamento e o antecipava por seus atos. Quando
chegou sua hora, viveu o único evento da história que não passa: Jesus morre, é
sepultado, ressuscita dentre os mortos e está sentado à direita do Pai “uma vez
por todas” (Rm 6, 10; Hb 7, 27; 9, 12). Este é um evento real, acontecido
em nossa história, porém é único: todos os outros eventos da história acontecem
uma vez e depois passam, engolidos pelo passado. O mistério pascal de Cristo,
ao contrário, não pode ficar somente no passado, já que, por sua morte,
destruiu a morte. Tudo o que Cristo é, fez e sofreu por todos os homens,
participa da eternidade divina e, por isso, abraça todos os tempos e neles se
mantém presente. O evento da cruz e da ressurreição permanece e atrai
tudo para a vida.
… A PARTIR DA IGREJA DOS APÓSTOLOS…
1086.
“Assim como Cristo foi enviado pelo Pai, também Ele
mesmo enviou os Apóstolos, cheios do Espírito Santo, não só para pregarem o
Evangelho a toda criatura; anunciarem que o Filho de Deus, por sua morte e
ressurreição, nos libertou do poder de Satanás e da morte e nos transferiu para
o reino do Pai; mas ainda para levarem a efeito o que anunciavam: a obra da
salvação, por meio do sacrifício e dos sacramentos, em torno dos quais gravita
toda a vida litúrgica”.
1087.
Dessa forma, Cristo ressuscitado, ao dar o Espírito
Santo aos Apóstolos, confia-lhes seu poder de santificação: eles tornam-se assim
sinais sacramentais de Cristo. Pelo poder do mesmo Espírito Santo, os Apóstolos,
confiam este poder a seus sucessores. Esta “sucessão apostólica” estrutura toda
a vida litúrgica da Igreja; ela mesma é sacramental, transmitida pelo
sacramento da ordem.
… ESTÁ PRESENTE NA LITURGIA TERRESTRE…
1088.
“Para levar a efeito tão grande obra”, a saber, a
revelação ou comunicação de sua obra de salvação, “Cristo está sempre presente em
sua Igreja, sobretudo nas ações litúrgicas. Presente está no sacrifício da missa,
tanto na pessoa do ministro, pois ‘aquele que agora oferece pelo mistério dos
sacerdotes é o mesmo que outrora se ofereceu na cruz’, quanto, especialmente,
sob as espécies eucarísticas. Presente está, por sua força, nos sacramentos, a
tal ponto que, quando alguém batiza, é Cristo mesmo que batiza. Presente está
por sua palavra, pois é ele mesmo quem fala, quando se leem as Sagradas
Escrituras na Igreja. Presente está, quando a Igreja reza o salmo do dia, ele
que prometeu: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou ali, no
meio deles” (Mt 18, 20)”.
1089.
“Na realização de tão grande obra, por meio da qual
Deus é perfeitamente glorificado e os homens santificados, Cristo sempre associa
a si a Igreja, sua esposa diletíssima, que o invoca como seu Senhor e por ele
presta culto ao eterno Pai”.
… QUEM PARTICIPA DA LITURGIA CELESTE
1090.
“Na liturgia terrestre, antegozando, nós participamos
da liturgia celeste, que se celebra na cidade santa de Jerusalém, para a qual,
na qualidade de peregrinos, caminhamos. Lá, Cristo está sentado à direita de
Deus, como ministro do santuário e do verdadeiro tabernáculo; com todo a milícia
celestial, cantamos um hino de glória ao Senhor e, venerando a memória dos
santos, esperamos fazer parte da sociedade deles, suspiramos pelo Salvador,
nosso Senhor Jesus Cristo, até que ele, nossa vida, se manifesta e nós
apareçamos com ele na glória”.
III.
O Espírito Santo e a Igreja na liturgia
1091.
Na liturgia, o Espírito Santo é o pedagogo da fé do
povo de Deus, o artífice das “obras-primas de Deus”, que são os sacramentos da nova
aliança. O desejo e a obra do Espírito, no coração da Igreja, é que vivamos da
vida de Cristo ressuscitado. Quando encontra em nós a resposta de fé, que ele
mesmo suscitou, realiza-se uma verdadeira cooperação. Por meio dela, a liturgia
torna-se a obra comum do Espírito Santo e da Igreja.
1092.
Nesta comunicação sacramental do mistério de
Cristo, o Espírito age da mesma forma que nos outros tempos da economia da
salvação: prepara a Igreja para encontrar seu Senhor; recorda e manifesta
Cristo à fé da assembleia; torna presente e atualiza o mistério de Cristo por seu
poder transformador; como Espírito de comunhão, une a Igreja à vida e à missão
de Cristo.
O ESPÍRITO SANTO PREPARA PARA ACOLHER CRISTO
1093.
Na economia sacramental, o Espírito Santo leva à
realização as figuras da antiga aliança. Visto que a Igreja de Cristo
estava “admiravelmente preparada na história do Povo de Israel e na Antiga
Aliança”, a liturgia da Igreja conserva, como parte integrante e
insubstituível, os tornando seus, alguns elementos do culto da Antiga Aliança:
– de modo especial a leitura do Antigo Testamento;
– a oração dos salmos;
– principalmente a memória dos eventos salvadores e
das realidades significativas que encontraram sua realização no mistério de
Cristo (a Promessa e a Aliança; o Êxodo e a Páscoa; o Reino e o Templo; o
Exílio e a Volta).
1094.
Em torno desta harmonia dos dois Testamentos,
articula-se a catequese pascal do Senhor e, posteriormente, a dos Apóstolos e
dos Padres da Igreja. Esta catequese desvenda o que permanecia escondida sob a
letra do Antigo Testamento: o mistério de Cristo. Ela é denominada “tipológica”
porque revela a novidade de Cristo, a partir das “figuras” (tipos) que
a anunciavam nos fatos, nas palavras e nos símbolos da primeira aliança. Por
esta releitura no Espírito de verdade, a partir de Cristo, as figuras são desveladas.
Assim, o dilúvio e a arca de Noé prefiguravam a salvação pelo Batismo, tal como
a nuvem e a travessia do Mar Vermelho; a água do rochedo era a figura dos dons
espirituais de Cristo; e o maná do deserto prefigurava a Eucaristia, “o
verdadeiro Pão do Céu” (Jo 6, 32).
1095.
Por isso, a Igreja, particularmente no Advento, na Quaresma
e, especialmente, na noite de Páscoa, relê e revive todos esses grandes
acontecimentos da história da salvação no “hoje” de sua liturgia. Isso também
exige, no entanto, que a catequese ajude os fiéis a se abrirem a esta compreensão
“espiritual” da economia da salvação, tal como a liturgia da Igreja a manifesta
e nos faz vivê-la.
1096.
Liturgia judaica e liturgia cristã. Um conhecimento
mais aprimorado da fé e da vida religiosa do povo judaico, tais como são
professadas e vividas ainda hoje, pode ajudar a compreender melhor certos
aspectos da liturgia cristã. Para os judeus e para os cristãos, a Sagrada
Escritura é uma parte essencial de suas liturgias: para a proclamação da
Palavra de Deus, a resposta a esta Palavra, a oração de louvor e de intercessão
por vivos e pelos mortos, o recurso à misericórdia divina. A Liturgia da
Palavra, em sua estrutura própria, tem origem na oração judaica. A Oração das
Horas, bem como outros textos e formulários litúrgicos, tem seu paralelo na
oração judaica, o mesmo acontecendo com as próprias fórmulas de nossas orações
mais veneráveis, entre elas o Pai-nosso. As orações eucarísticas também se inspiram
em modelos de tradição judaica. Tanto as semelhanças entre a liturgia judaica e
liturgia cristã como a diferença de seus conteúdos são particularmente visíveis
nas grandes festas do ano litúrgico, como a Páscoa. Cristãos e judeus celebram
a Páscoa. Páscoa da história, orientada para o futuro, entre os judeus; Páscoa realizada
na morte e na ressurreição de Cristo, entre os cristãos, ainda que sempre à
espera da consumação definitiva.
1097.
Na liturgia da nova aliança, toda ação
litúrgica, especialmente a celebração da Eucaristia e dos sacramentos, é um
encontro entre Cristo e a Igreja. A assembleia litúrgica recebe sua unidade da “comunhão
do Espírito Santo”, que entrega os filhos de Deus no único corpo de Cristo. Ela
ultrapassa as afinidades humanas, étnicas, culturais e sociais.
1098.
A assembleia deve se preparar para se
encontrar com seu Senhor, deve ser “um povo bem disposto”. Essa preparação dos
corações é obra comum do Espírito Santo e da assembleia, em particular de seus
ministros. A graça do Espírito Santo procura despertar a fé, a conversão do
coração e a adesão à vontade do Pai. Essas disposições constituem pressupostos para
receber outras graças oferecidas na própria celebração e para os frutos de vida
nova que ela é destinada a produzir posteriormente.
O ESPÍRITO SANTO RECORDA O MISTÉRIO DE CRISTO
1099.
O Espírito e a Igreja cooperam para manifestar, na
liturgia, o Cristo e sua obra de salvação. Principalmente na Eucaristia e
analogicamente nos demais sacramentos, a liturgia é memorial do Mistério
da Salvação. O Espírito Santo é a memória viva da Igreja.
1100.
A Palavra de Deus – o Espírito Santo recorda primeiro
à assembleia litúrgica o sentido do evento da salvação, dando vida à Palavra de
Deus, que é anunciada para ser recebida e vivida:
“Na celebração da
liturgia, é máxima a importância da Sagrada Escritura, pois dela são tirados
tanto os textos que se leem e que são explicados na homilia como os salmos
cantados. De sua inspiração e de seu espírito, surgiram as preces, as orações e
os hinos litúrgicos. É dela também que as ações e os símbolos tiram sua
significação”.
1101.
O Espírito Santo dá aos leitores e aos ouvintes,
segundo as disposições de seus corações, a compreensão espiritual da Palavra de
Deus. Por meio das palavras, das ações e dos símbolos que formam a trama de uma
celebração, o Espírito põe os fiéis e os ministros em relação viva com Cristo, palavra
e imagem do Pai, a fim de que possam fazer passar à sua vida o sentido daquilo
que ouvem, contemplam e fazem na celebração.
1102.
“A palavra da salvação alimenta a fé no coração dos
cristãos: é ela que faz nascer e crescer a comunhão dos cristãos”. O anúncio da
Palavra de Deus não se limita a um ensinamento: quer suscitar a resposta da fé,
como consentimento e compromisso, em vista da aliança entre Deus e seu povo. É
ainda o Espírito Santo que dá a graça da fé, que a fortifica e a faz crescer na
comunidade. A assembleia litúrgica é, por primeiro, comunhão na fé.
1103.
A anamnese – a celebração litúrgica refere-se
sempre às intervenções salvíficas de Deus na história. “A economia da revelação
concretiza-se por meio das ações e das palavras intimamente interligadas […]. As
palavras proclamam as obras e elucidam o mistério nelas contido”. Na liturgia
da palavra, o Espírito Santo “recorda” à assembleia tudo o que Cristo fez por
nós. Segundo a natureza das ações litúrgicas e as tradições rituais das
Igrejas, uma celebração “faz memória” das maravilhas de Deus em uma anamnese,
mais desenvolvida ou menos desenvolvida. O Espírito Santo, que assim desperta a
memória da Igreja, suscita então a ação de graças e o louvor (doxologia).
O ESPÍRITO SANTO ATUALIZA O MISTÉRIO DE CRISTO
1104.
A liturgia cristã não somente recorda os acontecimentos
que nos salvaram, como também os atualiza, os torna presentes. O mistério
pascal de Cristo é celebrado, não é repetido; o que se repete são as celebrações.
Em cada uma delas, sobrevém a efusão do Espírito Santo que atualiza o único
mistério.
1105.
A epiclese (“invocação sobre”) é a
intercessão mediante na qual o sacerdote suplica ao Pai que envie o Espírito Santificador,
para que as oferendas se tornem o Corpo e o Sangue de Cristo e para que, ao recebê-los,
os fiéis se tornem, eles mesmos, uma oferenda viva a Deus.
1106.
Juntamente com a anamnese, a epiclese está no cerne
de cada celebração sacramental, mais especialmente da Eucaristia:
“Perguntas como o
pão se converte no Corpo de Cristo e o vinho em Sangue de Cristo. Respondo-te: o
Espírito Santo desce e realiza aquilo que ultrapassa toda a palavra e todo o
pensamento… Baste-te saber que isso acontece por obra do Espírito Santo, do
mesmo modo que, da Santíssima Virgem e pelo mesmo Espírito Santo, o Senhor por si
mesmo e em si mesmo assumiu a carne”.
1107.
O poder transformante do Espírito Santo na liturgia
apressa a vinda do Reino e a consumação do mistério da salvação. Na expectativa
e na esperança, ele nos faz realmente antecipar a comunhão plena da Santíssima
Trindade. Enviado pelo Pai que ouve a epiclese da Igreja, o Espírito dá a vida
aos que o acolhem e constitui para eles, desde já, “a garantia” de sua herança.
A COMUNHÃO DO ESPÍRITO SANTO
1108.
A finalidade da missão do Espírito Santo, em toda a
ação litúrgica, é se colocar em comunhão com Cristo para formar seu corpo. O
Espírito Santo é como que a seiva da videira do Pai a qual produz seus frutos
nos ramos. Na liturgia, realiza-se a cooperação mais intima entre Espírito
Santo e a Igreja. Ele, o Espírito de comunhão, permanece indefectivelmente na
Igreja, e, por isso, a Igreja é o grande sacramento da comunhão divina que congrega
os filhos de Deus dispersos. O fruto do Espírito, na liturgia, é
inseparavelmente comunhão com a Santíssima Trindade e comunhão fraterna.
1109.
A epiclese é também a oração para o efeito pleno da
comunhão da assembleia com o mistério de Cristo. “A graça de Nosso Senhor Jesus
Cristo, o amor de Deus Pai e a comunhão do Espírito Santo” (2 Cor 13,
13) devem permanecer sempre conosco e produzir frutos que ultrapassem a celebração
eucarística. A Igreja pede, pois, ao Pai que envie o Espírito Santo para que
faça da vida dos fiéis uma oferenda viva a Deus, por meio da transformação
espiritual à imagem de Cristo, da preocupação pela unidade da Igreja; da
participação em sua missão pelo testemunho e pelo serviço da caridade.
Resumindo:
1110.
Na liturgia da Igreja,
Deus Pai é bendito e adorado como fonte de todas as bênçãos da criação e
da salvação, com as quais nos abençoou, em seu Filho, para nos dar o Espírito
da adoção filial.
1111.
A obra de Cristo na
liturgia é sacramental, porque seu mistério de salvação torna-se presente nela,
mediante o poder de seu Espírito Santo; porque seu corpo, que é a Igreja, é
como que o sacramento (sinal e instrumento) no qual o Espírito Santo dispensa o
mistério da salvação; porque, por meio de suas ações litúrgicas, a Igreja
peregrina já participa, por antecipação, da liturgia celeste.
1112.
A missão do Espírito Santo,
na liturgia da Igreja, é preparar a assembleia para se encontrar com
Cristo; recordar e manifestar Cristo à fé da assembleia; tornar presente e
atualizar a obra salvífica de Cristo, por seu poder transformador; fazer
frutificar o dom da comunhão na Igreja.
ARTIGO 2
O MISTÉRIO PASCAL
NOS SACRAMENTOS DA IGREJA
1113.
Toda a vida litúrgica da Igreja gravita em torno do
sacrifício eucarístico e dos sacramentos. Há na Igreja sete sacramentos:
Batismo, Confirmação ou Crisma, Eucaristia, Penitência, Unção dos enfermos,
Ordem e Matrimônio. No presente artigo, trataremos daquilo que é comum, do ponto
de vista doutrinal, aos sete sacramentos da Igreja. O que lhes é comum sob o
aspecto da celebração será exposto no capítulo II. O que é próprio de cada um deles
será objeto da Seção II.
I.
Os sacramentos de Cristo
1114.
“Fiéis à doutrina das Sagradas Escrituras, às
tradições apostólicas […] e ao sentimento unânime dos santos Padres”,
professamos que “os sacramentos da nova lei foram todos instituídos por nosso
Senhor Jesus Cristo”.
1115.
As palavras e as ações de Jesus, durante sua vida
oculta e durante seu ministério público, já eram salvíficas. Antecipavam o
poder de seu mistério pascal. Anunciavam e preparavam tudo o que ele haveria de
dar à Igreja quando tudo estivesse sido realizado. Os mistérios da vida de
Cristo são os fundamentos daquilo que agora, por meio dos ministros de sua
Igreja, Cristo dispensa nos sacramentos, pois “aquilo que era visível em nosso
Salvador passou para seus mistérios”.
1116.
Os sacramentos são “forças que saem” do corpo de
Cristo, sempre vivo e vivificante; são ações do Espírito Santo operante no
corpo de Cristo, que é a Igreja, são “as obras-primas de Deus” na Nova e eterna
Aliança.
II.
Os sacramentos da Igreja
1117.
Graças ao Espírito Santo que a conduz à “toda a verdade”
(Jo 16, 13), a Igreja reconheceu, pouco a pouco, este tesouro recebido de Jesus
e precisou sua “revelação”, tal como o fez com o cânon das Sagradas Escrituras
e com a doutrina da fé, qual fiel dispensadora dos mistérios de Deus. Assim, ao
longo dos séculos, a Igreja foi discernindo que, entre suas celebrações
litúrgicas, existem sete que são, no sentido próprio da palavra, sacramentos
instituídos pelo Senhor.
1118.
Os sacramentos são “da Igreja”, no duplo sentido de
serem “dela” e “para ela”. Eles são “da Igreja”, pois ela é o sacramento da
ação de Cristo que nela opera, graças à missão do Espírito Santo. Eles são “para
a Igreja”, por serem tais “sacramentos que fazem a Igreja”, conquanto manifestam
e comunicam aos homens, especialmente na Eucaristia, o mistério da comunhão do
Deus amor, uno em três pessoas.
1119.
Formando com Cristo-Cabeça “como que uma única
pessoa mística”, a Igreja age nos sacramentos como “comunidade sacerdotal”, “organicamente
estruturada”: pelo Batismo e pela Confirmação, o povo sacerdotal é capacitado a
celebrar a liturgia. Alguns fiéis, “revestidos de uma ordem sagrada, são
instituídos em nome de Cristo para apascentar a Igreja por meio da palavra e da
graça de Deus”.
1120.
O ministério ordenado ou sacerdócio ministerial
está a serviço do sacerdócio batismal. Garante que, nos sacramentos, é Cristo
que age pelo Espírito Santo para a Igreja. A missão de salvação, confiada pelo
Pai ao seu Filho encarnado, é confiada aos Apóstolos e, por meio deles, a seus
sucessores: recebem o Espírito de Jesus para agir em seu nome e em sua pessoa.
Assim, o ministro ordenado é o elo sacramental que liga a ação litúrgica àquilo
que disseram e fizeram os Apóstolos, e, por meio destes, ao que disse e fez
Cristo, fonte e fundamento dos sacramentos.
1121.
Os sacramentos do Batismo, da Confirmação e da Ordem
conferem, além da graça, o caráter sacramental ou “selo”, pelo qual o cristão
participa no sacerdócio de Cristo e faz parte da Igreja, segundo estados e
funções diversas. Esta configuração com Cristo e com a Igreja, realizada pelo
Espírito, é indelével. Ela permanece para sempre no cristão como disposição
positiva para a graça, como promessa e garantia da proteção divina, como vocação
ao culto divino e ao serviço da Igreja. Por tal motivo, estes sacramentos nunca
podem ser reiterados.
III.
Os sacramentos da fé
1122.
Cristo enviou seus Apóstolos para que “em seu nome anunciassem
a conversão, para o perdão dos pecados, a todas as nações” (Lc 24,
47). “Fizessem discípulos entre todas as nações, e batizassem-nos em nome do
Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28, 19). A missão de
batizar, portanto a missão sacramental, está implícita na missão de evangelizar,
pois o sacramento é preparado pela Palavra de Deus e pela fé, que é
assentimento a esta Palavra:
“O povo de Deus congrega-se,
antes de tudo, pela Palavra do Deus vivo. […] A proclamação da Palavra é indispensável
ao ministério sacramental, pois se trata dos sacramentos da fé, a qual nasce e
se alimenta da Palavra”.
1123.
“Os sacramentos destinam-se à santificação dos
homens, à edificação do corpo de Cristo e ainda ao culto a ser prestado a Deus.
Sendo sinais, destinam-se também à instrução. Não só supõem a fé, mas, por
palavras e elementos rituais, também a alimentam, e fortalecem e a exprimem. Por
esta razão são denominados sacramentos da fé”.
1124.
A fé da Igreja é anterior à fé do fiel, que é convidado
a aderir a ela. Quando a Igreja celebra os sacramentos, confessa a fé recebida
dos Apóstolos. Daí o antigo adágio: “lex orandi, lex credendi – A lei
da oração é a lei da fé” (ou então: “legem credendi lex statuat
supplicandi – A lei do que suplica estabeleça a lei do que crê”, segundo
Próspero de Aquitânia [século V]). A lei da oração é a lei da fé, ou seja, a
Igreja traduz, em sua profissão de fé, aquilo que expressa em sua oração. A liturgia
é um elemento constitutivo da santa e viva Tradição.
1125.
Por isso, nenhum rito sacramental pode ser
modificado ou manipulado ao arbítrio do ministro ou da comunidade. Nem mesmo a suprema
autoridade da Igreja pode mudar a liturgia por sua vontade, mas somente na
obediência da fé e no religioso respeito do mistério da liturgia.
1126.
Ademais, visto que os sacramentos exprimem a
comunhão de fé na Igreja, a “lex orandi” é um dos critérios
essenciais do diálogo que busca restaurar a unidade dos cristãos.
IV.
Sacramentos da salvação
1127.
Celebrados dignamente na fé, os sacramentos
conferem a graça que significam. São eficazes, porque neles age o próprio
Cristo. É ele quem batiza, é ele quem atua em seus sacramentos, a fim de comunicar
a graça significada pelo sacramento. O Pai sempre atende à oração da Igreja de
seu Filho, a qual, na epiclese de cada sacramento, exprime sua fé no poder do
Espírito. Assim como o fogo transforma nele mesmo tudo o que toca, o Espírito
Santo transforma em vida divina o que é submetido ao seu poder.
1128.
Este é o sentido da afirmação da Igreja: os
sacramentos atuam “ex opere operato” (literalmente: “pelo
próprio fato de a ação ser realizada”), isto é, em virtude da obra salvífica de
Cristo, realizada uma vez por todas. Daí segue-se que “o sacramento não é
realizado pela justiça do homem que o confere ou o recebe, mas pelo poder de
Deus”. A partir de momento em que um sacramento é celebrado em conformidade com
a intenção da Igreja, o poder de Cristo e de seu Espírito age nele e por ele,
independentemente da santidade pessoal do ministro. Entretanto, os frutos dos
sacramentos dependem também das disposições de quem os recebe.
1129.
A Igreja afirma que, para os crentes, os
sacramentos da nova aliança são necessários para a salvação. A “graça
sacramental” é a graça do Espírito Santo dada por Cristo e peculiar a cada sacramento.
O Espírito cura e transforma os que o recebem, conformando-os com o Filho de
Deus. O fruto da vida sacramental é que o Espírito de adoção deifica os fiéis, os
unindo vitalmente ao Filho único, o Salvador.
V.
Os sacramentos da vida eterna
1130.
A Igreja celebra o mistério de seu Senhor “até que
Ele venha” e até que “Deus seja tudo em todos” (1 Cor 11, 26; 15, 28).
Desde a era apostólica, a liturgia atraída para seu termo (meta final) pelo
gemido do Espírito na Igreja: “Maran atha!” (palavras aramaicas que
significam: “Vem do Senhor!”) (1 Cor 16, 22). A liturgia participa,
assim, do desejo de Jesus: “Ardentemente desejei comer convosco esta ceia pascal
[…] até que ela se realize no reino de Deus” (Lc 22, 15-16). Nos
sacramentos de Cristo, a Igreja já recebe a garantia de sua herança, já
participa da vida eterna, embora ainda esteja “aguardando a ditosa esperança e
a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador, Cristo Jesus” (Tt
2, 13). “O Espírito e a Esposa dizem: Vem!” […] Vem, Senhor Jesus!”
(Ap 22, 17.20).
São Tomás resume
assim as diversas dimensões do sinal sacramental: “Daí que o sacramento é sinal
rememorativo do passado, que rememora o que o precedeu, isto é, a paixão de
Cristo; que evidencia aquilo que em nós é realizado pela Paixão de Cristo, a
saber, a graça; que prognostica, isto é, que prenuncia, da glória futura.
Resumindo:
1131.
Os sacramentos, instituídos
por Cristo e confiados à Igreja, são sinais eficazes da graça, por meio
dos quais nos é concedida vida divina. Os ritos visíveis, sob os quais os
sacramentos são celebrados, significam e realizam as graças próprias de cada
sacramento. Eles produzem fruto naqueles que os recebem com as disposições exigidas.
1132.
A Igreja celebra os
sacramentos como comunidade sacerdotal estruturada pelo sacerdócio
batismal e pelo dos ministros ordenados.
1133.
O Espírito Santo prepara
para a recepção dos sacramentos, por meio da Palavra de Deus e da fé que
acolhe a Palavra nos corações bem dispostos. Os sacramentos fortalecem e
exprimem a fé.
1134. O fruto da vida sacramental é, ao mesmo tempo, pessoal e eclesial. Este fruto é, para cada fiel, uma vida para Deus em Cristo Jesus; e, para a Igreja, crescimento na caridade e em sua missão de testemunho.
CAPÍTULO II
A CELEBRAÇÃO SACRAMENTAL
DO MISTÉRIO PASCAL
1135.
A catequese da liturgia implica, primeiro, a
compreensão da economia sacramental (capítulo I). À sua luz revela-se a
novidade de sua celebração. No presente capítulo, se tratará, portanto, da
celebração dos sacramentos da Igreja e será considerado aquilo que, na
diversidade das tradições litúrgicas, é comum à celebração dos sete sacramentos.
O que é próprio de cada um deles será apresentado mais adiante. Esta catequese
fundamental das celebrações sacramentais responderá às principais questões primordiais
que os fiéis levantam a este respeito:
– Quem celebra?
– Como celebrar?
– Quando celebrar?
– Onde celebrar?
CELEBRAR A LITURGIA DA IGREJA
I.
Quem celebra?
1136.
A liturgia é “ação” do “Cristo todo” (Christus
totus). Aqueles que desde agora a celebram, ultrapassando os sinais,
já estão na liturgia celeste, em que a celebração é toda festa e comunhão.
OS CELEBRANTES DA LITURGIA CELESTE
1137.
O Apocalipse de São João, lido na liturgia da
Igreja, revela-nos primeiro “um trono no céu e, no trono, alguém sentado”, “o
Senhor Deus” (Is 6, 1). Em seguida, o Cordeiro, “de pé, como que imolado”
(Ap 5, 6). Cristo crucificado e ressuscitado, o único sumo sacerdote do
verdadeiro santuário, o mesmo “que oferece e é oferecido, que dá e que é dado”.
Finalmente, “um rio de água vivificante […] brotando do trono de Deus e do
Cordeiro” (Ap 22, 1), um dos mais belos símbolos do Espírito Santo.
1138.
“Recapitulados” em Cristo, participam do serviço do
louvor a Deus e da realização de seu desígnio: as potências celestes; a criação
inteira (os quatro viventes); os servidores da antiga e da nova aliança (os
vinte e quatro anciãos); o novo povo de Deus (os cento e quarenta e quatro
mil), em especial os mártires “imolados por causa da Palavra de Deus”
(Ap 6, 9); a Santa Mãe de Deus (a mulher; a Esposa do Cordeiro) e,
finalmente, “uma multidão imensa, que ninguém podia contar, gente de todas as nações,
tribos, povos e línguas” (Ap 7, 9).
1139.
É dessa liturgia eterna que o Espírito e a Igreja
nos fazem participar, quando, nos sacramentos, celebramos o mistério da salvação
nos sacramentos.
OS CELEBRANTES DA LITURGIA SACRAMENTAL
1140.
Toda a comunidade, o corpo de Cristo
unido à sua Cabeça, celebra. “As ações litúrgicas não são ações privadas, mas
celebrações da Igreja, que é ‘o sacramento da unidade’, isto é, povo santo,
unido e ordenado sob a direção dos Bispos. Por isso, estas celebrações
pertencem a todo o corpo da Igreja, influem sobre ele e o manifestam. Elas,
porém, atingem, a cada um de seus membros de modo diferente, conforme a
diversidade de ordens, ofícios e da participação atual efetiva”. Por isso, “todas
as vezes que os ritos, de acordo com sua própria natureza, admitem uma
celebração comunitária, com assistência e participação ativa dos fiéis, seja
indicado que, na medida do possível, ela deve ser preferida à celebração individual
ou quase privada”.
1141.
A assembleia que celebra é a comunidade dos
batizados, os quais, “pela regeneração e unção do Espírito Santo, são
consagrados para serem casa espiritual e sacerdócio santo e para poderem oferecer,
em um sacrifício espiritual, toda atividade humana do cristão”. Este “sacerdócio
comum”, com a participação de todos os seus membros, é o de Cristo, único sacerdote:
a Mãe Igreja deseja
ardentemente que todos os fiéis sejam levados àquela plena, consciente e ativa
participação nas celebrações litúrgicas que a própria natureza da liturgia
exige e à qual, por força do Batismo, o povo cristão – “gente escolhida, o
sacerdócio régio, a nação santa, o povo que ele adquiriu” (1 Pd 2, 9) –
tem direito e obrigação.
1142.
No entanto, “Como num só corpo temos muitos
membros, cada qual com uma função diferente” (Rm 12, 4). Certos membros
são chamados por Deus, na e pela Igreja, a um serviço especial da comunidade. Tais
servidores são escolhidos e consagrados pelo sacramento da Ordem, por meio do qual
o Espírito Santo os torna aptos a agir na pessoa de Cristo-Cabeça para o
serviço de todos os membros da Igreja. O ministro ordenado é como o ícone de
Cristo Sacerdote. Visto que o sacramento da Igreja manifesta-se plenamente na Eucaristia,
é na presidência da Eucaristia que o ministério do Bispo aparece primeiro, e,
em comunhão com ele, o dos presbíteros e dos diáconos.
1143.
No intuito de servir às funções do sacerdócio comum
dos fiéis, existem também outros ministérios particulares, não consagrados pelo
sacramento da Ordem, cuja função é determinada pelos Bispos, de acordo com as tradições
litúrgicas e as necessidades pastorais. “Também os ajudantes, os leitores, os
comentaristas e os membros do coral desempenham um verdadeiro ministério
litúrgico”.
1144.
Assim, na celebração dos sacramentos, toda a
assembleia é “liturgo”, cada qual segundo a sua função, mas “na unidade do
Espírito” que age em todos. “Nas celebrações litúrgicas, limite-se cada um, ministro
ou simples fiel, ao exercer o seu ofício, a fazer tudo e só o que é
da sua competência, segundo a natureza do rito e as leis litúrgicas”.
II.
Como celebrar?
SINAIS E SÍMBOLOS
1145.
Uma celebração sacramental é tecida de sinais e de
símbolos. Segundo a pedagogia divina da salvação, o significado dos sinais e
dos símbolos tem raízes na obra da criação e na cultura humana, adquire
exatidão nos eventos da Antiga Aliança e revela-se plenamente na pessoa e na
obrar de Cristo.
1146.
Sinais do mundo dos homens – na vida humana, sinais e símbolos ocupam um lugar importante.
Sendo o homem um ser ao mesmo tempo corporal e espiritual, exprime e percebe as
realidades espirituais por meio de sinais e de símbolos materiais. Como ser
social, o homem precisa de sinais e de símbolos para se comunicar com os outros,
pela linguagem, por ações. O mesmo é válido para sua relação com Deus.
1147.
Deus fala ao homem por intermédio da criação
visível. O cosmos material apresenta-se à inteligência do homem para que este leia
nele os vestígios de seu criador. A luz e a noite, o vento e o fogo, a água e a
terra, a árvore e os frutos falam de Deus, simbolizam, simultaneamente, sua
grandeza e a sua proximidade.
1148.
Como criaturas, essas realidades sensíveis podem se
tornar o lugar de expressão da ação de Deus que santifica os homens, e da ação
dos homens que prestam seu culto a Deus. Acontece o mesmo com os sinais e os símbolos
da vida social dos homens: lavar e ungir, partir o pão e partilhar o cálice
podem exprimir a presença santificante de Deus e a gratidão do homem diante de
seu criador.
1149.
As grandes religiões da humanidade dão testemunho,
muitas vezes de modo impressionante, deste sentido cósmico e simbólico dos
ritos religiosos. A liturgia da Igreja pressupõe, integra e santifica elementos
da criação e da cultura humana, conferindo-lhes a dignidade de sinais da graça,
da nova criação em Cristo Jesus.
1150.
Sinais da Aliança – o povo eleito recebe de Deus sinais e símbolos próprios que
marcam sua vida litúrgica: estes não são mais apenas celebrações de ciclos
cósmicos e gestos sociais, mas sinais da aliança, símbolos das grandes obras
realizadas por Deus em favor do seu povo. Entre tais sinais litúrgicos da antiga
aliança podemos mencionar a circuncisão; a unção e a sagração dos reis e dos
sacerdotes; a imposição das mãos; os sacrifícios; e, principalmente, a Páscoa.
A Igreja vê nesses sinais uma prefiguração dos sacramentos da Nova Aliança.
1151.
Sinais assumidos por Cristo – em sua pregação, o
Senhor Jesus serve-se, muitas vezes, dos sinais da criação para dar a conhecer
os mistérios do Reino de Deus. Realiza suas curas ou sublinha a sua pregação
com sinais materiais ou gestos simbólicos. Dá um sentido novo aos fatos e aos sinais
da Antiga Aliança, particularmente ao Êxodo e à Páscoa, por ser ele mesmo o
sentido de todos esses sinais.
1152.
Sinais sacramentais – desde Pentecostes, é por
meio dos sinais sacramentais de sua Igreja que o Espírito Santo realiza a
santificação. Os sacramentos da Igreja não revogam, antes purificam e integram
toda a riqueza dos sinais e dos símbolos do cosmos e da vida social. Além
disso, realizam os tipos e as figuras da antiga aliança, significam e realizam
a salvação operada por Cristo, prefiguram e antecipam a glória do céu.
PALAVRAS E AÇÕES
1153.
Uma celebração sacramental é um encontro dos filhos
de Deus com seu Pai, em Cristo e no Espírito Santo. Este encontro, mediante
ações e palavras, se exprime como um diálogo. Sem dúvida, as ações simbólicas já
são, por si mesmas, uma linguagem, mas é preciso que a Palavra de Deus e a
resposta da fé acompanhem e vivifiquem estas ações para que a semente do Reino
produza seu fruto na terra fértil. As ações litúrgicas significam o que a
Palavra de Deus exprime: a iniciativa gratuita de Deus e, ao mesmo tempo, a
resposta de fé de seu povo.
1154.
A liturgia da Palavra é parte integrante das
celebrações sacramentais. Por alimentar a fé dos fiéis, os sinais da Palavra de
Deus devem ser valorizados: o livro da Palavra (lecionário ou evangeliário); sua
veneração (procissão, incenso, luz); o lugar de onde é anunciada (ambão); a
leitura audível e inteligível; a homilia do ministro que prolonga a proclamação;
as respostas da assembleia (aclamações, salmos de meditação, ladainhas, profissão
de fé…).
1155.
Inseparáveis, como sinais e ensinamento, as
palavras e a ações litúrgica são igualmente indissociáveis, enquanto realizam o
que significam. O Espírito Santo não somente dá a compreensão da Palavra de
Deus, suscitando a fé; pelos sacramentos, ele realiza também as “maravilhas” de
Deus anunciadas pela palavra: torna presente e comunica a obra do Pai,
realizada pelo Filho bem-amado.
CANTO E MÚSICA
1156.
“A tradição musical da Igreja universal constitui
um tesouro de valor inestimável, que se destaca entre as demais expressões de
arte, principalmente porque o canto sacro, ligado às palavras, é parte necessária
ou integrante da liturgia solene”. A composição e o canto dos salmos
inspirados, com frequência acompanhados por instrumentos musicais, já aparecem
intimamente ligados às celebrações litúrgicas da antiga aliança. A Igreja
continua e desenvolve esta tradição: Recitai “juntos salmos, hinos e cânticos espirituais;
cantai e salmodiai ao Senhor, de todo o coração” (Ef 5,19). Quem
canta, reza duas vezes.
1157.
O canto e a música desempenham a sua função de
sinais de maneira tanto mais significativa por “estarem intimamente ligados à ação
litúrgica”, segundo três critérios principais: a beleza expressiva da oração; a
participação unânime da assembleia, nos momentos previstos; o carácter solene
da celebração. Participam assim da finalidade das palavras e das ações
litúrgicas: a glória de Deus e a santificação dos fiéis.
“Quanto chorei ouvindo
vossos hinos e vossos cânticos, cujas melodias suaves ecoavam em vossa Igreja!
Que grande emoção: aquelas melodias fluíam em meu ouvido e destilavam, em meu
coração, a verdade, trazendo um ardoroso sentimento de piedade. As lágrimas que
me corriam pela face me faziam bem”.
1158.
A harmonia dos sinais (canto, música, palavras,
ações) é aqui mais expressiva e fecunda por se exprimir na riqueza cultural própria
do povo de Deus que celebra. Por isso, o “canto religioso popular será
inteligentemente incentivado, a fim de que as vozes dos fiéis possam ressoar
nos piedosos e sagrados exercícios e nas próprias ações litúrgicas”. Todavia, “os
textos destinados ao canto sacro hão de ser conformes à doutrina católica,
sendo, de preferência, retirados das Sagrada Escritura e das fontes litúrgicas”.
AS SANTAS IMAGENS
1159.
A imagem sacra, o ícone litúrgico, representa principalmente
Cristo. Ela não pode representar o Deus invisível e incompreensível. Foi a
Encarnação do Filho de Deus que inaugurou uma nova “economia” das imagens:
Antigamente Deus,
que não tem nem corpo nem aparência, não podia, em absoluto, ser representativo
por uma imagem. Mas agora, que se mostrou na carne e viveu com os homens, posso
fazer uma imagem daquilo que vi de Deus. […] Com o rosto descoberto contemplamos
a glória do Senhor”.
1160.
A iconografia cristã transcreve, pela imagem, a
mensagem evangélica que a Sagrada Escritura transmite pela palavra. Imagem e
palavra iluminam-se mutuamente:
“Para proferir
sucintamente nossa profissão de fé, conservamos todas as tradições da Igreja, sejam
escritas sejam orais. Uma delas é a representação pictórica das imagens, que corrobora
a pregação evangélica, confirmando, de verdade e não na aparência, que o Verbo
de Deus se fez homem. Isto também a nós é útil e proveitoso, pois as coisas se
iluminam mutuamente tanto no que representam como naquilo que, sem ambiguidade,
significam”.
1161.
Todos os sinais da celebração litúrgica são
relativos a Cristo, também o são as imagens sacras da santa Mãe de Deus e dos
santos. Significam o Cristo que é glorificado nele. Manifestam “tamanha nuvem
de testemunhas” (Hb 12, 1) que continuam a participar da salvação do
mundo e às quais estamos unidos, sobretudo na celebração sacramental. Por meio
de seus ícones, revela-se à nossa fé o homem criado “à imagem de Deus” e
transfigurado “à sua semelhança”, assim como os anjos, também recapitulados em
Cristo:
“Na trilha da doutrina
divinamente inspirada de nossos santos Padres e da tradição da Igreja Católica
– reconhecemos, de fato, que Espírito Santo nela habita –, definimos, com rigor
e cuidado, que à semelhança da representação da preciosa e vivificante cruz, as
veneráveis e santas imagens, ou pintadas ou em mosaicos ou em qualquer outro
material adaptado, devem ser expostas nas santas paredes e as mesas, nas casas
e nos caminhos, sejam estas imagens de Jesus Cristo, Senhor Deus e Salvador,
sejam da imaculada Nossa Senhora, a santa Mãe de Deus, sejam dos santos anjos,
de todos e santos justos”.
1162.
“A beleza e a cor das imagens estimulam a minha
oração. São uma festa para meus olhos tanto quanto o espetáculo dos campos abre
meu coração a dar glória a Deus”. A contemplação dos ícones santos, associada à
meditação da Palavra de Deus e ao canto dos hinos litúrgicos, entra na harmonia
dos sinais da celebração, para que o mistério celebrado seja gravado na memória
do coração e, em seguida, se exprima na vida nova dos fiéis.
III.
Quando celebrar?
O TEMPO LITÚRGICO
1163.
“A santa mãe Igreja julga seu dever celebrar, com piedosa
recordação, em certos dias fixos no decurso do ano, a obra de salvífica de seu
divino esposo. Em cada semana, no dia a que ela passou a chamar dia do Senhor, recorda
a ressurreição do Senhor, celebrando-a uma vez por ano, juntamente com sua
sagrada paixão, na solenidade máxima da Páscoa. Ela desdobra todo o mistério de
Cristo durante o ciclo do ano […]. Recordando assim os mistérios da Redenção, franqueia
aos fiéis as riquezas das virtudes e dos méritos de seu Senhor, de maneira a
torná-los como que presentes o tempo todo, para que os fiéis entrem em contato
com eles e sejam repletos da graça da salvação”.
1164.
O povo de Deus, desde a lei mosaica, conheceu
festas fixas, a partir da Páscoa, para comemorar as ações admiráveis do Deus salvador,
dar-lhe graças por elas, perpetuar sua lembrança, ensinar as novas gerações a
conformarem sua conduta com elas. No tempo da Igreja, situado entre a páscoa de
Cristo, já realizada uma vez por todas, e a consumação dela no reino de Deus, a
liturgia celebrada em dias fixos está toda impregnada da novidade do mistério
de Cristo.
1165.
Quando celebra o mistério de Cristo, há uma palavra
que marca oração da Igreja: hoje! fazendo eco à oração que seu Senhor
lhe ensinou e ao apelo do Espírito Santo. Este “hoje” do Deus vivo, no qual o
homem é chamado a entrar, é “a hora” da páscoa de Jesus, que atravessa e leva toda
a história:
“A vida estendeu-se
sobre todos os seres, e todos ficam repletos de uma generosa luz. O Oriente dos
orientes invadiu o universo. Aquele que era ‘antes da estrela da manhã’ e antes
dos astros, imortal e imenso, o grande Cristo brilha sobre todos os seres mais
que o sol! É por isso que, para nós, que cremos nele, instaura-se um dia de
luz, longo, eterno, que não se apaga: a páscoa mística”.
O DIA DO SENHOR
1166.
“Devido à tradição apostólica, que tem origem no próprio
dia da ressurreição de Cristo, a Igreja celebra o mistério pascal a cada oitavo
dia, no dia denominado, com razão, dia do Senhor ou domingo”. O dia da
ressurreição de Cristo é, ao mesmo tempo, “o primeiro dia da semana”, memorial
do primeiro dia da criação, e o “oitavo dia”, em que Cristo, depois de seu “repouso”
do grande sábado, inaugura o dia “que o Senhor fez”, o “dia que não conhece
ocaso”. A “Ceia do Senhor” é seu centro, porque nela toda a comunidade dos
fiéis encontra o Senhor ressuscitado, que os convida a seu banquete:
“O dia do Senhor, o
dia da ressurreição, o dia dos cristãos é o nosso dia. Ele se chama dia do
Senhor, pois foi nesse dia que o Senhor subiu vitorioso para junto do Pai. Se
os pagãos denominam dia do sol, também nós o confessamos de bom grado: pois hoje
se levantou a luz do mundo, hoje apareceu o sol de justiça, cujos raios trazem
a salvação”.
1167.
O domingo é, por excelência, o dia da assembleia
litúrgica, em que os fiéis se reúnem “para, ouvindo a Palavra de Deus e
participando na Eucaristia, lembrarem-se da paixão, ressurreição e glória do
Senhor Jesus, e darem graças a Deus, que os “regenerou para a viva esperança,
pela ressurreição de Jesus Cristo de entre os mortos””:
“Quando meditamos,
ó Cristo, as maravilhas que foram operadas neste dia de domingo de vossa santa
ressurreição, dizemos: Bendito é o dia do domingo, pois foi nele que se deu o
começo da criação […] a salvação do mundo […] a renovação do gênero humano […].
Nele o céu e a terra rejubilaram e o universo inteiro foi repleto de luz. Bendito
é o dia de domingo, pois nele foram abertas as portas do paraíso para que Adão
e todos os que com ele foram banidos possam aí entrar sem medo”.
O ANO LITÚRGICO
1168.
Partindo do tríduo pascal, como de sua fonte de
luz, o tempo novo da ressurreição preenche todo o ano litúrgico com sua
claridade. Aproximando-se progressivamente das duas vertentes desta fonte, o
ano é transfigurado pela liturgia. É realmente “ano de graça do Senhor”. A
economia da salvação está em ação no transcurso do tempo, mas desde a sua
realização na Páscoa de Jesus e na efusão do Espírito Santo, o fim da história
é antecipado, “em antegozo”, e o reino de Deus adentra nosso tempo.
1169.
Por isso, a Páscoa não é simplesmente uma
festa entre outras: é a “festa das festas”, a “solenidade das solenidades”, assim
como a Eucaristia é o sacramento dos sacramentos (o grande sacramento). Santo
Atanásio a denomina “o grande domingo”, assim como a semana santa é chamada, no
Oriente, de “a grande semana”. O mistério da ressurreição, no qual Cristo esmagou
a morte, permeia nosso velho tempo com sua poderosa energia até que tudo lhe
seja submetido.
1170.
No Concílio de Niceia (em 325), todas as Igrejas chegaram
a um acordo para que a páscoa cristã fosse celebrada no domingo que segue a lua
cheia (14 Nisan), depois do equinócio de primavera. Por causa dos diversos métodos
utilizados para calcular o dia 14 de mês Nisan, o dia da Páscoa nem sempre ocorre
simultaneamente nas Igrejas ocidentais e orientais. Por isso, busca-se um
acordo, a fim de se chegar novamente a celebrar em uma data comum o dia da ressurreição
do Senhor.
1171.
O ano litúrgico é o desdobrado dos diversos aspectos
do único mistério pascal. Isto vale muito particularmente para o ciclo das
festas em torno do mistério da encarnação (Anunciação, Natal, Epifania), as
quais comemoram o começo de nossa salvação e nos comunicam as primícias do Mistério
da Páscoa.
O SANTORAL NO ANO LITÚRGICO
1172.
“Ao celebrar o ciclo anual dos mistérios de Cristo,
a santa Igreja venera, com particular amor, a bem-aventurada mãe de Deus,
Maria, que, por um vínculo indissolúvel, está unida à obra de salvífica de seu
Filho. Em Maria, a Igreja admira e exalta o mais excelente fruto da redenção e a
contempla com alegria como puríssima imagem do que ela própria anseia e espera ser
em sua totalidade”.
1173.
Quando, no ciclo anual, a Igreja faz memória dos
mártires e dos outros santos, “proclama o mistério pascal”, naqueles e naquelas
“que sofreram com Cristo e estão glorificados com ele; propõe seu exemplo aos
fiéis para que atraia todos ao Pai por Cristo e implora, por seus méritos, os
benefícios de Deus”.
A LITURGIA DAS HORAS
1174.
O mistério de Cristo, sua encarnação e sua páscoa,
que celebramos na Eucaristia, especialmente na assembleia dominical, penetra e
transfigura o tempo de cada dia pela celebração da Liturgia das Horas, “o
Ofício Divino”. Esta celebração, em fidelidade às recomendações apostólicas de “orar
sem cessar” “está constituída de tal modo que todo o curso do dia e da noite seja
consagrado pelo louvor a Deus”. Ela constitui “a oração pública da Igreja”, na
qual os fiéis (clérigos, religiosos e leigos) exercem o sacerdócio régio dos
batizados. Celebrada “segundo a forma aprovada” pela Igreja, a Liturgia das
Horas “é verdadeiramente a voz da própria esposa que fala com o esposo, e também
a oração de Cristo, com seu corpo, ao Pai”.
1175.
A Liturgia das Horas é destinada a se tornar a
oração de todo o povo de Deus. Nela, o próprio Cristo “continua a exercer sua
função sacerdotal por meio de sua Igreja”. Cada uma dela participa segundo seu
lugar próprio na Igreja e segundo as circunstâncias de sua vida: os presbíteros,
como dedicados ao ministério da palavra; os religiosos e as religiosas, pelo
carisma de sua vida consagrada; todos os fiéis, conforme suas possibilidades: “Os
pastores de almas cuidarão que as horas principais, especialmente as vésperas,
nos domingos e dias festivos mais solenes, sejam celebradas comunitariamente na
Igreja. Recomenda-se que os próprios
leigos recitem o Ofício Divino, ou juntamente com os presbíteros, ou reunidos
entre si, ou até mesmo cada um individualmente”.
1176.
Celebrar a Liturgia das Horas exige não somente que
se harmonize a voz com o coração que reza, mas também “que se adquira um
conhecimento litúrgico e bíblico mais ricos, principalmente dos salmos”.
1177.
Os hinos e as ladainhas da Oração das Horas inserem
a oração dos salmos no tempo da Igreja, exprimindo o simbolismo do momento do
dia, do tempo litúrgico ou da festa celebrada. Além disso, a leitura da Palavra
de Deus, a cada hora (com os responsos ou as antífonas que vêm depois dela) e,
em certas horas, as leituras dos Padres da Igreja e dos mestres espirituais
revelam mais profundamente o sentido do mistério celebrado, ajudam na compreensão
dos salmos e preparam para a oração silenciosa. A “lectio divina”, em
que a Palavra de Deus é lida para tornar-se oração, está assim enraizada na
celebração litúrgica.
1178.
A Liturgia das Horas, é como um prolongamento da
celebração eucarística, não exclui, mas requer, de maneira complementar, as
diversas devoções do povo de Deus, particularmente a adoração e o culto ao
Santíssimo Sacramento.
IV.
Onde celebrar?
1179.
O culto “em espírito e verdade” (Jo 4, 24) da
Nova Aliança não está ligado a um lugar exclusivo. A terra inteira é santa e foi
entregue aos filhos dos homens. O que ocupa lugar primordial, quando os fiéis
se congregam em um mesmo local, sãs as “pedras vivas” reunidas para a construção
de um “edifício espiritual” (1 Pd 2, 5). O corpo de Cristo
ressuscitado é o templo espiritual do qual jorra a fonte de água viva.
Incorporados a Cristo pelo Espírito Santo, “nós somos o templo do Deus vivo” (2
Cor 6, 16).
1180.
Quando o exercício da liberdade religiosa não sofre
entraves, os cristãos constroem edifícios destinados ao culto divino. Essas
igrejas visíveis não são simples lugares de reunião, mas significam e
manifestam a Igreja viva neste lugar, morada de Deus com os homens reconciliados
e unidos em Cristo.
1181.
“A casa de oração – onde a Eucaristia é celebrada e
conservada, onde os fiéis se reúnem, onde a presença do Filho de Deus (Jesus, nosso
Salvador, o qual se ofereceu por nós no altar do sacrifício) é honrada para auxílio
e consolação dos cristãos – deve ser bela e adequada para a oração e as
celebrações religiosas”. Nesta “casa de Deus”, a verdade e a harmonia dos
sinais que a constituem devem manifestar o Cristo que está presente e age neste
lugar.
1182.
O altar da nova aliança é a cruz do
Senhor, da qual brotam os sacramentos do mistério pascal. Sobre o altar, que é
o centro da igreja, se faz presente o sacrifício da cruz sob os sinais
sacramentais. O altar é também a mesa do Senhor, para a qual o povo de Deus é
convidado. Em certas liturgias orientais, o altar é também o símbolo do sepulcro
(Cristo morreu de verdade e ressuscitou de verdade).
1183.
O tabernáculo (ou sacrário) deve estar
localizado, “nas igrejas, em um dos lugares mais dignos, com o máximo decoro”.
A nobreza, a disposição e a segurança do tabernáculo eucarístico devem
favorecer a adoração do Senhor realmente presente no Santíssimo Sacramento do
altar.
O Santo
Crisma (“mýron”) que, usado na unção, é sinal sacramental do selo
do dom do Espírito Santo, é tradicionalmente conservado em um lugar seguro da
igreja e ali venerado. Perto dele pode-se colocar o óleo dos catecúmenos e o
dos enfermos.
1184.
A cadeira (cátedra) do Bispo ou do
presbítero “deve exprimir a sua função daquele que preside a assembleia e dirige
a oração”.
O ambão:
“A dignidade da Palavra de Deus exige que exista na igreja um lugar que
favoreça o anúncio desta Palavra e para o qual, durante a liturgia da Palavra, se
volte espontaneamente a atenção dos fiéis”.
1185.
O congraçamento do povo de Deus começa pelo
Batismo. A igreja deve, por isso, ter um lugar para a celebração
do Batismo (batistério) e para fazer com que o povo lembre as
promessas feitas na celebração deste sacramento (O persignar-se com água benta
faz lembrara o Batismo).
A renovação da vida
batismal exige a penitência. A Igreja deve, portanto, se dispor à
expressão do arrependimento e ao recebimento do perdão, o que exige um lugar
apropriado para acolher os penitentes.
A igreja deve
também ser um espaço que convide ao recolhimento e à oração silenciosa, que
prolongue e interiorize a grande oração da Eucaristia.
1186.
A Igreja tem, finalmente, um significado
escatológico. Para entrar na casa de Deus, é preciso atravessar um
limiar, símbolo da passagem do mundo ferido pelo pecado para o mundo da
vida nova ao qual todos os homens são chamados. A igreja visível simboliza a
casa paterna, para a qual o povo de Deus está a caminho e na qual o Pai “enxugará
toda lágrima de seus olhos” (Ap 21, 4). Por isso, a igreja também é a
casa de todos os filhos de Deus, amplamente aberta e acolhedora.
Resumindo:
1187.
A liturgia é obra do
Cristo inteiro, Cabeça e Corpo. Nosso Sumo Sacerdote a celebra sem cessar na
liturgia celeste, com a santa Mãe de Deus, os Apóstolos, todos os santos e a
multidão dos que já entraram no Reino.
1188.
Em sua celebração
litúrgica, a assembleia inteira desempenha o papel de “liturgo”, cada um segundo
sua função. O sacerdócio batismal é o de todo o corpo de Cristo. Alguns fiéis,
no entanto, são ordenados pelo sacramento da Ordem para representar Cristo como
Cabeça do corpo.
1189.
A celebração litúrgica
comporta sinais e símbolos que se referem à criação (luz, água, fogo); à
vida humana (lavar, ungir; partir o pão); à história da salvação (os ritos da
Páscoa). Inseridos no mundo da fé e assumidos pela força do Espírito Santo, esses
elementos cósmicos, esses ritos humanos, esses gestos memoriais de Deus
tornam-se portadores da ação salvadora e santificadora de Cristo.
1190.
A liturgia da Palavra é
parte integrante da celebração. O sentido da celebração é expresso pela
Palavra de Deus, que é anunciada, e pelo compromisso da fé, que ela exige como
resposta.
1191.
O canto e a música guardam
íntima conexão com a ação litúrgica. São critérios de seu bom uso: a
beleza expressiva da oração; a participação unânime da assembleia; o caráter
sagrado da celebração.
1192.
As santas imagens, presentes
em nossas igrejas e em nossas casas, destinam-se a despertar e a alimentar
nossa fé no mistério de Cristo. Por meio do ícone de Cristo e de suas obras de
salvíficas, é a ele que adoramos. Mediante as santas imagens da santa Mãe de
Deus, dos anjos e dos santos, veneramos as pessoas nelas representadas.
1193.
O domingo, “dia do Senhor”,
é o dia principal da celebração da Eucaristia, por ser o dia da
ressurreição. É o dia da assembleia litúrgica por excelência, o dia da família
cristã, o dia da alegria e do descanso do trabalho. O domingo é “o fundamento e
o núcleo do ano litúrgico”.
1194.
A Igreja “apresenta todo o
mistério de Cristo durante o ciclo do ano, desde a Encarnação e o Natal
até à Ascensão, até o dia de Pentecostes e até a expectativa da feliz esperança
e do retorno do Senhor”.
1195.
Celebrando, em dias fixos do
ano litúrgico, a memória dos santos, primeiro da santa Mãe de Deus, em
seguida dos apóstolos, dos mártires e dos outros santos, a Igreja manifesta que
está unida à liturgia celeste; glorifica a Cristo por ter realizado sua
salvação em seus membros glorificados. O exemplo delas e deles a estimula em seu
caminho para o Pai.
1196.
Os fiéis que celebram a
Liturgia das Horas unem-se a Cristo, nosso Sumo Sacerdote, por da oração
dos salmos, a meditação da Palavra de Deus, de cânticos e bênçãos, a fim de
serem associados à sua oração incessante e universal, que dá glória ao Pai e
implora o dom do Espírito Santo sobre o mundo inteiro.
1197.
Cristo é o verdadeiro templo
de Deus, “o lugar em que reside sua glória”. Pela graça de Deus, também os
cristãos tornam-se templos do Espírito Santo, pedras vivas com as quais é construída
a Igreja.
1198.
Em sua condição terrestre,
a Igreja precisa de lugares onde a comunidade possa se reunir: esses lugares
são as nossas igrejas visíveis, lugares santos, imagens da Cidade Santa, a
Jerusalém celeste para a qual caminhamos como peregrinos.
1199.
É nestas igrejas que a
Igreja celebra o culto público para a glória da Santíssima Trindade. Nelas
ouve a Palavra de Deus; canta seus louvores, eleva sua oração; oferece o sacrifício
de Cristo, sacramentalmente presente no meio da assembleia. Essas igrejas são
também lugares de recolhimento e de oração pessoal.
ARTIGO
2
DIVERSIDADE LITÚRGICA E UNIDADE DO
MISTÉRIO
TRADIÇÕES LITÚRGICAS E CATOLICIDADE DA IGREJA
1200.
Desde a primeira comunidade de Jerusalém até a Parusia,
o mesmo mistério pascal é celebrado, em todo o lugar, pelas Igrejas de Deus fiéis
à fé apostólica. O mistério celebrado na liturgia é um só, no entanto, as
formas de sua celebração são diversas.
1201.
A riqueza insondável do mistério de Cristo é tal,
que nenhuma liturgia é capaz de esgotar sua expressão. A história do surgimento
e do desenvolvimento desses ritos atesta surpreendente complementaridade. Quando
as Igrejas viveram essas tradições litúrgicas em comunhão na fé e nos
sacramentos da fé, enriqueceram-se mutuamente e cresceram na fidelidade à tradição
e à missão comum à a Igreja toda.
1202.
As diversas tradições litúrgicas surgiram
justamente em razão da missão da Igreja. As Igrejas de uma mesma área
geográfica e cultural acabam celebrando o mistério de Cristo com expressões
particulares, tipificadas culturalmente: na tradição do “depósito da fé”, no
simbolismo litúrgico, na organização da comunhão fraterna; na compreensão
teológica dos mistérios; nos tipos de santidade. Assim, Cristo, luz e salvação
de todos os povos, é manifestado pela vida litúrgica de uma Igreja ao povo e à
cultura aos quais ela é enviada e nos quais está enraizada. A Igreja é
católica: pode integrar, em sua unidade, todas as verdadeiras riquezas das
culturas, purificando-as.
1203.
As tradições litúrgicas ou ritos, atualmente em uso
na Igreja, são o rito latino (principalmente o rito romano, mas também os ritos
de algumas Igrejas locais como o rito ambrosiano, ou de algumas ordens
religiosas) e os ritos bizantino, alexandrino ou copta, siríaco, arménio,
maronita e caldeu. “Obedecendo fielmente à tradição, o sacrossanto Concílio
declara que a santa Mãe Igreja considera como iguais, em direito e em dignidade,
todos os ritos legitimamente reconhecidos e que, no futuro, quer conservá-los e
favorecê-los de todas as formas”.
LITURGIA E CULTURAS
1204.
A celebração da liturgia deve, portanto,
corresponder ao gênio e à cultura dos diferentes povos. Para que o mistério de
Cristo seja “levado ao conhecimento de todas as nações, para trazê-las à obediência
da fé” (Rm 16, 26), deve ser anunciado, celebrado e vivido em todas as culturas,
de modo que estas não sejam abolidas, mas resgatadas e realizadas por ele. Mediante
sua cultura humana própria, assumida e transfigurada por Cristo, a multidão dos
filhos de Deus tem acesso ao Pai, para glorificá-lo, em um só Espírito.
1205.
“Na liturgia, sobretudo na liturgia dos
sacramentos, existe uma parte imutável — por ser de instituição
divina —, da qual a Igreja é guardiã, e há partes susceptíveis de mudança, que
ela tem o poder e, algumas vezes, até o dever de adaptar às culturas dos povos
recentemente evangelizados”.
1206.
“A diversidade litúrgica pode ser fonte de
enriquecimento, mas pode também provocar tensões, incompreensões recíprocas e
até mesmo cismas. Neste campo, é claro que a diversidade não deve prejudicar a
unidade. Esta unidade não pode exprimir senão na fidelidade à fé comum, aos
sinais sacramentais que a Igreja recebeu de Cristo, e à comunhão hierárquica. A
adaptação às culturas requer a conversão do coração e, se necessário, a ruptura
com hábitos ancestrais, incompatíveis com a fé católica”.
Resumindo:
1207.
Convém que a celebração da
liturgia tenda a exprimir-se na cultura do povo em que a Igreja se
encontra, sem submeter-se a ela. De outra parte, a liturgia mesma é geradora e
formadora de culturas.
1208.
As diversas tradições
litúrgicas (ou ritos), legitimamente reconhecidas por significarem e comunicarem
o mesmo mistério de Cristo, manifestam a catolicidade da Igreja.
1209.
O critério que garante a
unidade na pluralidade das tradições litúrgicas é a fidelidade à Tradição
apostólica, isto é, a comunhão na fé e nos sacramentos recebidos dos Apóstolos,
comunhão significada e assegurada pela sucessão apostólica.