CAPÍTULO II
CREIO EM JESUS CRISTO, FILHO ÚNICO DE DEUS
A BOA-NOVA: DEUS ENVIOU SEU FILHO
422.
“Quando se completou o tempo previsto, Deus enviou
seu Filho, nascido de mulher, nascido sujeito à Lei, para resgatar os que eram sujeitos
à Lei, e todos recebermos a dignidade de filhos” (Gl 4, 4-5). Este é o
Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus: Deus visitou seu povo, cumpriu as
promessas feitas a Abraão e à sua descendência; fê-lo para além de toda
expectativa: enviou seu “Filho bem-amado”.
423.
Cremos e confessamos que Jesus de Nazaré, nascido judeu
de uma filha de Israel, em Belém, no tempo do rei Herodes Magno e do imperador
César Augusto, carpinteiro de profissão, morto e crucificado em Jerusalém, sob
o procurador Pôncio Pilatos, durante o reinado do imperador Tibério, é o Filho
eterno de Deus feito homem; vindo de Deus (cf. Jo 13, 3), descido do
céu (cf. Jo 3, 13; 6, 33), “veio na carne”, pois “a Palavra se fez carne
e veio morar entre nós. Nós vimos a sua glória, glória que recebeu do Pai como filho
único, cheio de graça e de verdade […]. De sua plenitude todos nós recebemos,
graça por graça” (Jo 1, 14, 16).
424.
Movidos pela graça do Espírito Santo e atraídos
pelo Pai, cremos e confessamos acerca de Jesus: “Tu és o Cristo, o Filho do
Deus vivo” (Mt 16, 16). Foi sobre a rocha desta fé, confessada por São
Pedro, que Cristo construiu sua Igreja.
“ANUNCIAR... A INSONDÁVEL RIQUEZA DE CRISTO” (Ef 3,
8)
425.
A transmissão da fé cristã é primeiro o anúncio de
Jesus Cristo, a fim de conduzir até a fé nele. Desde o começo, os primeiros
discípulos ardiam do desejo de anunciar Cristo: “Quanto a nós, não podemos
deixar de falar sobre o que vimos e ouvimos” (At 4, 20). Eles convidam os
homens de todos os tempos a entrarem na alegria de sua comunhão com Cristo:
“O que ouvimos, o
que vimos com os nossos olhos, o que contemplamos e o que as nossas mãos
tocaram da Palavra da Vida - vida esta que se manifestou, que nós vimos e
testemunhamos, vida eterna que a vós anunciamos, que estava junto ao Pai e que
se tornou visível para nós –, isso que vimos e ouvimos, nós vos anunciamos,
para que estejais em comunhão conosco. E a nossa comunhão é com o Pai e com seu
Filho, Jesus Cristo. Nós vos escrevemos estas coisas para que a a nossa alegria
seja completa” (1 Jo, 1, 1-4).
CRISTO É O CENTRO DA CATEQUESE
426.
“No centro da catequese, encontramos essencialmente
uma Pessoa, Jesus de Nazaré, Filho único do Pai […], que sofreu e morreu por
nós e agora, ressuscitado, vive conosco para sempre. […] Catequizar […] é, portanto,
desvendar na pessoa de Cristo todo o desígnio eterno de Deus que nela se
realiza […]. É procurar compreender o significado dos gestos e das palavras de
Cristo e dos sinais realizados por Ele”. A finalidade da catequese é “levar à comunhão
com Jesus Cristo: só ele pode conduzir ao amor do Pai no Espírito e pode nos fazer
participar da vida da Santíssima Trindade”.
427.
“Na catequese, é Cristo, Verbo Encarnado e Filho de
Deus, que é ensinado – todo o resto está em relação com ele. Somente Cristo
ensina, todo outro que ensine o faz na medida em que é seu porta-voz,
permitindo a Cristo ensinar por sua boca... Todo catequista deveria poder
aplicar a si mesmo a misteriosa palavra de Jesus: “O meu ensinamento não vem de
mim mesmo, mas daquele que me enviou” (Jo 7, 16)”.
428.
Aquele que é chamado a “ensinar Cristo” deve,
portanto, procurar primeiro o “bem supremo que é o conhecimento do Cristo Jesus”.
É precioso aceitar perder tudo, como expressa São Paulo: “a fim de ganhar a
Cristo e ser encontrado unido a ele. [...] É assim que eu conheço Cristo, a
força da sua Ressurreição e a comunhão com os seus sofrimentos, tornando-me
semelhante a ele na sua morte, para ver se chego até a Ressurreição dentre os
mortos” (Fl 3, 8-11).
429.
Deste conhecimento amoroso de Cristo jorra o desejo
de anuncia-lo, de “evangelizar” e de levar outros ao “sim” da fé em Jesus
Cristo. Ao mesmo tempo, contudo, a necessidade de conhecer cada vez melhor esta
fé se faz sentir. Com esta finalidade, seguindo a ordem do Símbolo da fé, serão
inicialmente apresentados os principais títulos de Jesus: Cristo, o Filho de
Deus, Senhor (artigo 2). A seguir, o Símbolo confessa os principais mistérios
da vida de Cristo: os de sua encarnação (artigo 3), os de sua páscoa (artigos 4
e 5), os de sua glorificação (artigos 6 e 7).
ARTIGO 2
“E
EM JESUS CRISTO,
SEU
FILHO ÚNICO, NOSSO SENHOR”
I.
Jesus
430.
Jesus significa, em hebraico, “Deus salva”. No
momento da Anunciação, o anjo Gabriel lhe atribui, como nome próprio, o nome de
Jesus, que exprime, ao mesmo tempo, sua identidade e sua missão. Uma vez que “só
Deus pode perdoar os pecados” (Mc 2, 7), é Ele que, em Jesus, seu
Filho eterno feito homem, “vai salvará o seu povo dos seus pecados” (Mt 1,
21). Em Jesus, portanto, Deus recapitula toda a sua história de salvação em
favor dos homens.
431.
Na História da Salvação, Deus não se contentou em
libertar Israel “da casa da escravidão” (Dt 5, 6), fazendo-o sair do
Egito. Salva-o também de seu pecado. Por ser o pecado é sempre uma ofensa feita
a Deus, só ele pode perdoá-lo. Por isso Israel, tomando consciência cada vez
mais clara da universalidade do pecado, não poderá mais procurar a salvação a
não ser na invocação do nome do Deus Redentor.
432.
O nome de Jesus significa que o próprio nome de
Deus está presente na pessoa do seu Filho, feito homem para a redenção
universal e definitiva dos pecados. É o único nome divino que traz a salvação e,
a partir de então, pode ser invocado por todos, pois se uniu a todos os homens
pela Encarnação, de modo que “não existe debaixo do céu outro nome, dado à
humanidade pelo qual devamos ser salvos” (At 4, l2).
433.
O nome de Deus salvador era invocado, uma só vez por
ano, pelo sumo sacerdote, para a expiação dos pecados de Israel, depois dele
ter aspergido o propiciatório do “Santo dos Santos” com o sangue do sacrifício.
O propiciatório era o lugar da presença de Deus. Quando São Paulo diz de Jesus
que “Deus destinou a ser, por seu próprio sangue, instrumento de expiação
mediante a fé” (Rm 3, 25), quer afirmar que a humanidade deste último “foi
o próprio Deus que, em Cristo, reconciliou o mundo consigo” (2 Cor 5,
19).
434.
A ressurreição de Jesus glorifica o nome de Deus Salvador,
pois, a partir de então, é o nome de Jesus que manifesta em plenitude o poder
supremo do “nome que está acima de todos os nomes” (Fl 2, 9-10). Os
espíritos maus temem o seu nome. É em seu nome que os discípulos de Jesus operam
milagres, pois tudo o que pedem ao Pai, em seu nome, o Pai lhes concede.
435.
O nome de Jesus está no cerne da oração cristã.
Todas as orações litúrgicas são concluídas pela fórmula “per Dominum
nostrum Jesum Christum – por nosso Senhor Jesus Cristo...”. A “Ave-Maria”
culmina com estas palavras: “e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus”. A
oração oriental do coração denominada “oração a Jesus” diz: “Jesus Cristo,
Filho de Deus, Senhor, tem piedade de mim, pecador”. Numerosos cristãos, como Santa
Joana d’Arc, morrem tendo nos lábios apenas o nome de Jesus.
II.
Cristo
436.
Cristo vem da tradução grega do termo hebraico
“Messias”, que quer dizer “ungido”. Só se torna nome próprio de Jesus, porque este
leva à perfeição a missão divina que significa. Com efeito, em Israel eram
ungidos, em nome de Deus, os que lhe eram consagrados para uma missão vinda dele.
Era o caso dos reis, dos sacerdotes e, em raras ocasiões, dos profetas. Esse
deveria ser, por excelência, o caso do Messias, que Deus enviaria para instaurar
definitivamente o seu Reino. O Messias devia ser ungido pelo Espírito do
Senhor, ao mesmo tempo como rei e sacerdote, mas também como profeta. Jesus
realizou a esperança messiânica de Israel em sua tríplice função de sacerdote,
profeta e rei.
437.
O anjo anunciou aos pastores o nascimento de Jesus
como sendo o do Messias prometido a Israel: “Hoje, na cidade de Davi, nasceu
para vós o Salvador, que é o Cristo Senhor” (Lc 2, 11). Desde o
início, Ele é “aquele que o Pai consagrou e enviou ao mundo” (Jo 10,
36), concebido como “santo” no seio virginal de Maria. José foi chamado por
Deus a receber Maria, sua esposa, grávida daquele que “nela foi gerado [...] pelo
Espírito Santo” (Mt 1, 20), a fim de que Jesus, “chamado Cristo” (Mt 1,
16), nascesse da esposa de José, na descendência messiânica de Davi.
438.
A consagração messiânica de Jesus manifesta a sua
missão divina. “É, aliás, o que indica o seu próprio nome, pois no nome de
Cristo está subentendido Aquele que ungiu. Aquele que foi ungido e a própria
Unção com que foi ungido: aquele que ungiu é o Pai, aquele que foi ungido é o
Filho, e o foi no Espírito, que é a unção”. Sua consagração messiânica eterna
revelou-se no tempo da sua vida terrena, por ocasião de seu Batismo por João, quando
“foi ungido por “Deus com o Espírito Santo e com poder” (At 10,
38), “para que ele fosse manifestado a Israel” (Jo 1, 31) como
seu Messias. Por suas obras e palavras será conhecido como “o Santo de Deus”.
439.
Numerosos judeus e até certos pagãos, os que compartilhavam
a esperança deles, reconheceram em Jesus os traços fundamentais do “Filho de
Davi” messiânico, prometido por Deus a Israel. Jesus aceitou o título de
Messias a qual tinha direito, mas com reservas, pois este era entendido por
alguns de seus contemporâneos, segundo uma concepção demasiadamente humana,
essencialmente política.
440.
Jesus acolheu a profissão de fé de Pedro, que o
reconhecia como o Messias, anunciando a Paixão iminente do Filho do Homem. Desvendou
o conteúdo autêntico de sua realeza messiânica, seja na identidade
transcendente do Filho do Homem “que desceu do Céu” (Jo 3, 13), seja
em sua missão redentora como Servo sofredor: “O Filho do Homem não veio para
ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mt 20,
28). Por isso o verdadeiro sentido de sua realeza só se manifestou do alto da
cruz. Somente após sua ressurreição, sua realeza messiânica poderá ser
proclamada por Pedro diante do povo de Deus: “Que todo o povo de Israel
reconheça com plena certeza: Deus o constituiu Senhor e Cristo a este Jesus que
vós crucificastes” (At 2, 36).
III. Filho único de Deus
441.
Filho de Deus, no Antigo Testamento, é um
título dado aos anjos, ao povo eleito, aos filhos de Israel e aos seus reis. Significa
então uma filiação adotiva, que estabelece entre Deus e sua criatura relações
de intimidade especial. Quando o Rei-Messias prometido é chamado “filho de Deus”,
isso não implica necessariamente, segundo o sentido literal desses textos, que ele
ultrapasse o nível humano. Os que designam Jesus como Messias de Israel, talvez
não tenham tido a intenção de dizer mais do que isto.
442.
Não acontece o mesmo com Pedro, quando confessa
Jesus como “o Cristo, o Filho de Deus vivo”, pois este lhe responde com solenidade:
“Não foi a carne nem e o sangue que te revelou isso, e sim o meu
Pai que está nos Céus” (Mt 16, 17). Paralelamente, a propósito de sua
conversão no caminho para Damasco, Paulo dirá: “Quando, porém, Àquele, que me
separou desde o ventre materno e me chamou por sua graça, agradou revelar-se o
seu Filho, para que eu o anunciasse aos pagãos…” (Gl 1, 15-16). “E
logo começou a pregar nas sinagogas, afirmando que Jesus é o Filho de Deus” (At
9, 20). Este será, desde o início, o centro da fé apostólica professada, primeiro
por Pedro como fundamento da Igreja.
443.
Se Pedro pôde reconhecer o caráter transcendente da
filiação divina de Jesus Messias foi porque este o deu a entender claramente.
Diante do Sinédrio, a pergunta de seus acusadores: “Tu és, portanto, o Filho de
Deus?”, Jesus respondeu: “Vós mesmos estais dizendo que eu sou” (Lc 22,
70). Já bem antes, Ele se designara como “o Filho” que conhece o Pai e que é diferente
dos “servos”, que Deus enviara anteriormente a seu povo, superior aos próprios
anjos. Distinguiu sua filiação daquela de seus discípulos, não dizendo nunca “nosso
Pai”, a não ser para ordenar-lhes: “Portanto, orai assim: Pai nosso que estás
nos céus” (Mt 6,9); e sublinhou esta distinção: “meu Pai e vosso Pai” (Jo 20,
17).
444.
Os Evangelhos narram m dois momentos solenes – o
batismo e a transfiguração de Cristo – a voz do Pai a designá-lo como seu “Filho
bem-amado”. Jesus designa-se a si mesmo como “o Filho Único” (Jo 3, 16) e afirma
com este título sua preexistência eterna. Exige a fé “no nome do Filho Único de
Deus” (Jo 3, 18). Esta confissão cristã aparece já na exclamação do centurião
diante de Jesus na cruz: “Na verdade, este homem era Filho de Deus” (Mc 15,
39); pois somente no Mistério Pascal o fiel cristão pode entender o pleno
significado do título “Filho de Deus”.
445.
Depois de sua ressurreição, a filiação divina de
Jesus aparece no poder de sua humanidade glorificada: “foi declarado Filho de
Deus com poder, desde a ressurreição dos mortos” (Rm 1, 4). Os
Apóstolos poderão confessar: “Nós vimos a sua glória, glória que recebe do seu Pai
como filho único, cheio de graça e de verdade” (Jo 1, 14).
IV.
Senhor
446.
Na versão grega dos livros do Antigo Testamento, o
nome inefável com o qual Deus se revelou a Moisés, Iahweh, traduzido por
“Kýrios” [“Senhor”]. Senhor torna-se, desde então, o nome mais habitual
para designar a própria divindade do Deus de Israel. Neste forte sentido o Novo
Testamento utiliza o título de “Senhor” para o Pai, e também – e aí está a
novidade – para Jesus, reconhecido assim como o próprio Deus.
447.
Jesus se atribui, de maneira velada, este título,
quando discute com os fariseus sobre o sentido do Salmo 110, e também, de modo
explícito, dirigindo-se a seus Apóstolos. Durante toda a sua vida pública, seus
gestos de domínio sobre a natureza, sobre as doenças, sobre os demônios, sobre
a morte e o pecado demonstravam a sua soberania divina.
448.
Nos Evangelhos, muito frequentemente, determinadas pessoas
dirigem-se a Jesus o chamando de “Senhor”. Este título exprime o respeito e a confiança
dos que se achegam a Jesus e esperam dele ajuda e cura. Sob a moção do Espírito
Santo, ele exprime o reconhecimento do Mistério Divino de Jesus. No encontro
com Jesus ressuscitado, ele se transforma em expressão de adoração: “Meu Senhor
e meu Deus!” (Jo 20, 28). Assume então uma conotação de amor e afeição,
que se tornará peculiar à tradição cristã: “É o Senhor!” (Jo 21, 7).
449.
Ao atribuir a Jesus o título divino de Senhor, as
primeiras confissões de fé da Igreja afirmam, desde o início, que o poder, a
honra e a glória devidos a Deus Pai convém também a Jesus, por se Ele “de
condição divina” (cf. Fl 2, 6) e ter o Pai manifestado esta soberania
de Jesus ressuscitando dos mortos e o exaltando em sua glória.
450.
Desde o princípio da história cristã, a afirmação
do senhorio de Jesus sobre o mundo e sobre a história significa também o
reconhecimento de que o homem não deve submeter, de maneira absoluta, sua
liberdade pessoal a nenhum poder terrestre, mas somente a Deus Pai e ao Senhor
Jesus Cristo: César não é o “Senhor”. “A Igreja crê, que a chave, o centro e o
fim de toda a história humana encontram-se em seu Senhor e Mestre”.
451.
A oração cristã é marcada pelo título “Senhor”,
quer se trate do convite à oração – “o Senhor esteja convosco” – ou da
conclusão da oração – “por Jesus Cristo, nosso Senhor” – ou ainda do grito
cheio de confiança e de esperança: “Maran atha” (“o Senhor vem!”) ou “Marana
tha” (“Vem, Senhor!”) (1 Cor 16, 22): “Amém! Vem, Senhor Jesus!” (Ap
22, 20).
Resumindo:
452.
O nome de Jesus significa “Deus
que salva”. A criança nascida da Virgem Maria é chamada “Jesus”, “pois Ele vai
salvar o seu povo dos seus pecados” (Mt 1, 21): “Não existe debaixo do céu
outro nome dado a humanidade pelo qual devamos ser salvos” (At 4, 12).
453.
O nome Cristo significa “Ungido”,
“Messias”. Jesus é Cristo, pois “foi ungido por Deus com o Espírito Santo e com
poder” (At 10, 38). Ele era “aquele que há de vir” (Lc 7, 19), o objeto da
esperança de Israel.
454.
O nome de Filho de Deus
significa a relação única e eterna de Jesus Cristo com Deus, seu Pai: Ele é o
Filho único do Pai e o próprio Deus. Crer que Jesus Cristo é o Filho de
Deus é necessário para ser cristão.
455.
O nome Senhor designa a
soberania divina. Confessar ou invocar Jesus como Senhor é crer em sua
divindade. “Ninguém será capaz de dizer ‘Jesus é Senhor’ a não ser sob
influência do Espírito Santo” (1 Co 12, 3).
ARTIGO 3
“JESUS
CRISTO FOI CONCEBIDO PELO PODER
DO
ESPÍRITO SANTO, NASCEU DA VIRGEM MARIA”
PARÁGRAFO 1
O
FILHO DE DEUS SE FEZ HOMEM
I.
Por que o Verbo se fez carne?
456.
Com o Credo niceno-constantinopolitano, respondemos,
confessando: “E por nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos céus e se
encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria e se fez homem”.
457.
O Verbo se fez carne para nos salvar,
reconciliando-nos com Deus: “Foi Deus que nos amou e enviou o seu
Filho como oferenda de expiação pelos nossos pecados” (1 Jo 4, 10). “O
Pai enviou seu Filho como Salvador do mundo” (1 Jo 4, 14). “Ele se
manifestou para tirar os pecados” (1 Jo 3, 5):
“Doente, nossa
natureza precisava de ser curada; decaída, ser reerguida; morta, ser
ressuscitada. Havíamos perdido a posse do bem, era preciso restituí-lo a nós.
Enclausurado nas trevas, era preciso trazer-nos à luz; cativos, esperávamos um
salvador; prisioneiros, um socorro; escravos, um libertador. Essas razões eram sem
importância? Não eram tais comoveriam a Deus, a ponto de fazê-lo descer até à
nossa natureza humana para visita-la, uma vez que a humanidade encontrava-se em
um estado tão miserável e tão infeliz?”.
458.
O Verbo se fez carne para que, assim,
conhecêssemos o amor de Deus: “Foi assim que o amor de Deus se
manifestou entre nós: Deus enviou seu Filho Único ao mundo, para que tenhamos a
vida por meio dele” (I Jo 4, 9). “De fato, Deus amou tanto o mundo,
que deu o seu o Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas
tenha a vida eterna” (Jo 3, 16).
459.
O Verbo se fez carne para ser nosso modelo de
santidade: “Tomai sobre vós o meu jugo e sede discípulos meus…” (Mt 11,
29). “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida; ninguém vai ao Pai senão por mim” (Jo 14,
6). O Pai, no monte da transfiguração, ordena: “Escutai-o” (Mc 9, 7). De
fato, Ele é o modelo das bem-aventuranças e a norma da nova Lei: “Amai-vos uns
aos outros, assim como eu vos amei” (Jo 15, 12). Este amor implica a
oferta efetiva de si mesmo em seu seguimento.
460.
O Verbo se fez carne para nos tornar “participantes
da natureza divina” (2 Pd 1, 4): “Esta é a razão pela qual o Verbo se
fez homem, e o Filho de Deus, Filho do homem: para que o homem, entrando em
comunhão com o Verbo e recebendo, assim, a filiação divina, se torne filho de
Deus”. “Pois o Filho de Deus se fez homem para nos fazer Deus”. “Unigenitus
Dei Filius, suae divinitatis volens nos esse participes, naturam
nostram assumpsit, ut homines deos faceret factus homo. – O Filho Unigênito
de Deus, nos querendo participantes de sua divindade, assumiu nossa natureza
para que, feito homem, fizesse os homens deuses”.
II.
A Encarnação
461.
Retomando a expressão de São João (“E a palavra se
fez carne” Jo 1, 14), a Igreja chama “encarnação” o fato de o Filho
de Deus ter assumido uma natureza humana, para nela realizar nossa salvação. Em
um hino advindo de São Paulo, a Igreja canta o ministério da encarnação:
“Haja entre
vós o mesmo sentir e pensar que no Cristo Jesus. Ele existindo em forma divina,
não se apegou ao ser igual a Deus, mas despojou-se, assumindo forma de escravo
e tornando-se semelhante ao ser humano. E encontrando um aspecto humano,
humilhou-se, fazendo-se obediente até à morte – e morte de cruz” (Fl 2,
5-8).
462.
A Epístola aos Hebreus fala do mesmo mistério:
“Por essa razão, ao
entrar no mundo, Cristo declara: ‘Não quiseste vítima nem oferenda, mas
formaste um corpo para mim. Não foram do teu agrado holocaustos nem sacrifícios
pelo pecado’. Então eu disse: Eis que eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade” (Hb 10,
5-7, citando o Sl 40. 7-9, segundo os LXX).
463.
A fé na encarnação verdadeira do Filho de Deus é o
sinal distintivo da fé cristã: “Este é o critério para saber se uma inspiração
vem de Deus: de Deus é todo o espírito que professa a Jesus Cristo que veio na
carne” (1Jo 4, 2). Esta é a alegre convicção da Igreja desde o seu começo,
quando canta “o grande mistério da piedade”: “Ele foi manifestado na carne” (1Tm 3,
16).
III.
Verdadeiro Deus e verdadeiro homem
464.
O acontecimento único e totalmente singular da
Encarnação do Filho de Deus não significa que Jesus Cristo seja em parte Deus e
em parte homem, nem que ele seja o resultado de uma mistura confusa entre o
divino e o humano. Ele se fez verdadeiramente homem, permanecendo verdadeiro
Deus. Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. A Igreja teve de
defender e clarificar esta verdade de fé no decurso dos primeiros séculos, diante
das heresias que a falsificavam.
465.
As primeiras heresias negaram a humanidade
verdadeira de Cristo mais do que a sua divindade (docetismo gnóstico). Desde os
tempos apostólicos, a fé cristã insistiu na verdadeira encarnação do Filho de
Deus, “que veio na carne”. No século III, porém, a Igreja teve de afirmar,
contra Paulo de Samósata, em um concílio reunido em Antioquia, que Jesus Cristo
é Filho de Deus por natureza e não por adoção. O I Concílio Ecumênico de
Niceia, em 325, confessou em seu Credo que o Filho de Deus é “gerado, não
criado, consubstancial (‘homousios’) ao Pai” e condenou Ário, o qual
afirmava que “o Filho de Deus veio do nada” e ele seria “de uma substância
diferente da do Pai”.
466.
A heresia nestoriana via em Cristo uma pessoa
humana unida à pessoa divina do Filho de Deus. Diante desta heresia, São Cirilo
de Alexandria e o III Concílio Ecumênico, reunido em Éfeso em 431, confessaram
que “o Verbo, unindo a si, em sua pessoa, uma carne animada por uma alma
racional, tornou-se homem”. A humanidade de Cristo não tem outro sujeito senão
a pessoa divina do Filho de Deus, que a assumiu e a fez sua desde sua concepção.
Por isso, o Concílio de Éfeso proclamou, cm 431, que Maria tornou-se, verdadeiramente
Mãe de Deus, pela concepção humana do Filho de Deus em seu seio: “Mãe de Deus,
não porque o Verbo de Deus tirou dela sua natureza divina, mas porque é dela que
ele tem o corpo sagrado, dotado de uma alma racional, unido ao qual, na sua
pessoa, se diz que o Verbo nasceu segundo a carne”.
467.
Os monofisitas afirmavam que a natureza humana
tinha cessado de existir, como tal, em Cristo, ao ser assumida por sua pessoa
divina de Filho de Deus. Confrontado com esta heresia, em 451, o IV Concílio Ecumênico,
em Calcedônia, confessou:
“Na linha dos santos
Padres, ensinamos unanimemente a confessar um só e mesmo Filho, nosso Senhor
Jesus Cristo, o mesmo perfeito em divindade e perfeito em humanidade; o mesmo
verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, composto de uma alma racional e de
um corpo; consubstancial ao Pai, segundo a humanidade; ‘semelhante a nós em
tudo, com excedo pecado’; gerado do Pai antes de todos os séculos, segundo a divindade,
e nesses últimos dias, para nós e para nossa salvação, nascido da Virgem Maria,
Mãe de Deus, segundo a humanidade. Um só e mesmo Cristo, Senhor, Filho Único,
que devemos reconhecer em duas naturezas, sem confusão, sem mudança, sem
divisão, sem separação. A diferença das naturezas não é, de modo algum,
suprimida por sua união; mas antes as propriedades de cada uma são
salvaguardadas e reunidas em uma só pessoa e uma só substância”.
468.
Depois do Concílio de Calcedônia, alguns fizeram da
natureza humana de Cristo uma espécie de sujeito pessoal. Contra eles, em 553,
em Constantinopla, o V Concílio Ecumênico confessou a propósito de Cristo: “Não
há senão uma única hipóstase [ou pessoa], que é nosso Senhor Jesus
Cristo, um da Trindade”. Na humanidade de Cristo, portanto, tudo deve ser
atribuído à sua pessoa divina como ao seu sujeito próprio; não somente os
milagres, mas também os sofrimentos, e até a morte: “Aquele que foi crucificado
na carne, nosso Senhor Jesus Cristo, é verdadeiro Deus, Senhor da glória e um
da Santíssima Trindade”.
469.
A Igreja confessa, assim, que Jesus é
inseparavelmente verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Ele é verdadeiramente o
Filho de Deus que se fez homem, nosso irmão, e isso sem deixar de ser Deus,
nosso Senhor:
“Id quod fuiit
remansit, et quod non fuiit assumpsit” – Ele permaneceu o que era, assumiu o
que não era”, canta a liturgia romana. A liturgia de São João Crisóstomo
proclama e canta: “Ó Filho Único e Verbo de Deus, sendo imortal, vos dignastes,
por nossa salvação, encarnar-se da Santa Mãe de Deus e sempre Virgem Maria, vós
que sem mudança vos tornastes homem e fostes crucificado, ó Cristo Deus, que
por vossa morte esmagastes a morte, sois Um da Santíssima Trindade, glorificado
com o Pai e o Espírito Santo, salvai-nos!”.
IV.
De que maneira o Filho de Deus é homem
470.
Uma vez que, na união misteriosa da Encarnação, “a
natureza humana foi assumida, não aniquilada”, a Igreja tem sido levada, ao
longo dos séculos, a confessar a plena realidade da alma humana, com suas
operações de inteligência e vontade, e do corpo humano de Cristo. Paralelamente,
porém, teve de lembrar, por vezes, que a natureza humana de Cristo pertence “in
proprio” à pessoa divina do Filho de Deus que a assumiu. Tudo o que Cristo é
e o que faz nela depende do “um da Trindade”. Por conseguinte, o Filho de Deus
comunica à sua humanidade seu modo pessoal de existir na Trindade. Assim, em
sua alma como em seu corpo, Cristo exprime humanamente os modos divinos de agir
da Trindade:
“O Filho de
Deus [...] trabalhou com mãos humanas, pensou com inteligência humana, agiu com
vontade humana, amou com coração humano. Nascido da Virgem Maria, tornou-se
verdadeiramente um de nós, semelhante à nós em tudo, exceto no pecado”.
A ALMA E O CONHECIMENTO HUMANO DE CRISTO
471.
Apolinário de Laodiceia afirmava que, em Cristo, o
Verbo havia substituído a alma ou o espírito. Contra este erro a Igreja
confessou que o Filho eterno assumiu também uma alma racional humana.
472.
Esta alma humana, que o Filho de Deus assumiu é
dotada de um verdadeiro conhecimento humano. Enquanto tal, este não podia ser
por si ilimitado: exercia-se nas condições históricas de sua existência no
espaço e no tempo. Por isso o Filho de Deus, ao torna-se homem, pôde aceitar ir
“crescendo em sabedoria, tamanho e graça” (Lc 2, 52) e também se informar
sobre que, na condição humana, se deve aprender de maneira experimental. Isso
correspondia à realidade de seu rebaixamento voluntário à “condição de escravo”.
473.
No entanto, este conhecimento verdadeiramente
humano do Filho de Deus exprimia, ao mesmo tempo, a vida divina de sua pessoa. “A
natureza humana do Filho de Deus, não por si mesma, mas por sua união ao Verbo, conhecia
e manifestava nela tudo o que convém a Deus”. Este é, em primeiro lugar, o caso
do conhecimento íntimo e direto que o Filho de Deus feito homem tem de seu Pai.
O Filho mostrava também em seu conhecimento humano a penetração divina que tinha
dos pensamentos secretos do coração dos homens.
474.
Por sua união à Sabedoria divina na Pessoa do Verbo
encarnado, o conhecimento humano de Cristo gozava, na plenitude da ciência, dos
desígnios eternos que viera revelar. Aquilo que ele diz reconhecer neste campo
declara, em outro momento, não ser sua missão revelá-lo.
A VONTADE HUMANA DE CRISTO
475.
Paralelamente, a Igreja, no VI Concílio Ecumênico, confessou
que Cristo possui duas vontades e duas operações naturais, divinas e humanas,
não opostas, mas cooperantes, de modo que o Verbo feito carne quis humanamente,
em obediência a seu Pai, tudo o que decidiu divinamente com o Pai e o Espírito
Santo por nossa salvação. A vontade humana de Cristo “segue a sua vontade
divina, sem estar em resistência nem em oposição em relação a ela; mas antes sendo
subordinada a esta vontade toda poderosa”.
O VERDADEIRO CORPO DE CRISTO
476.
Visto que o Verbo se fez carne, assumindo a
verdadeira humanidade, o corpo de Cristo era delimitado. Em razão disso, o
rosto humano de Jesus pode ser “desenhado”. No VII Concílio Ecumênico, a Igreja
reconheceu como legítimo que ele seja representado em imagens sagradas.
477.
Ao mesmo tempo, a Igreja sempre reconheceu que, no
corpo de Jesus, “invisível em sua divindade, tornou-se visível em nossa carne”.
Com efeito, as particularidades individuais do corpo de Cristo exprimem a
pessoa divina do Filho de Deus. Este fez seus os traços de seu corpo humano a
ponto de pintados em uma imagem sagrada, poderem ser venerados, pois o crente
que venera sua imagem, “venera nela a pessoa que está pintada”.
O CORAÇÃO DO VERBO ENCARNADO
478.
Jesus nos conheceu e nos amou a todos, durante sua
vida, sua agonia e paixão, e entregou-se por todos e por cada um de nós: “Filho
de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2, 20). Amou-nos a
todos com um coração humano. Por esta razão, o sagrado Coração de Jesus, transpassado
por nossos pecados e para a nossa salvação – “praecipuus consideratur index
et symbolus… illius amoris, quo divinus Redemptor aeternum Patrem hominesque
universos continenter adamat – é considerado o principal sinal e símbolo daquele
amor como qual o divino Redentor ama ininterruptamente o Pai eterno e todos os
homens”.
Resumindo:
479.
No tempo determinado por
Deus, o Filho único do Pai, a Palavra eterna, isto é, o Verbo e a imagem
substancial do Pai, se encarnou. Sem perder a natureza divina, assumiu a natureza
humana.
480.
Jesus Cristo é verdadeiro
Deus e verdadeiro homem, na unidade de sua Pessoa Divina: por isso ele é o
único mediador entre Deus e os homens.
481.
Jesus Cristo possui duas
naturezas, a divina e a humana, não confundidas, mas unidas na única Pessoa do
Filho de Deus.
482.
Sendo verdadeiro Deus e
verdadeiro homem, Cristo tem inteligência e vontade humanas, perfeitamente harmonizadas
com sua inteligência e sua vontade divinas, que tem em comum com o Pai e o
Espírito Santo, e a elas submetidas.
483.
A Encarnação é, portanto,
o Mistério da admirável união da natureza divina e da natureza humana, na única
Pessoa do Verbo.
PARÁGRAFO 2
“…
CONCEBIDO PELO PODER DO ESPÍRITO SANTO, NASCIDO DA VIRGEM MARIA”
I.
Concebido pelo poder do Espírito Santo…
484.
A Anunciação a Maria inaugura “o tempo previsto”
(Gl 4, 4), isto é, o cumprimento das promessas e das preparações. Maria é
convidada a conceber aquele em quem habitará “corporalmente toda a plenitude da
divindade” (Cl 2, 9). A resposta divina à sua pergunta “Como acontecerá
isso, se não conheço homem?” (Lc 1, 34) é dada pelo poder do
Espírito: “O Espírito Santo descerá sobre ti” (Lc 1, 35).
485.
A missão do Espírito Santo está sempre conjugada e
ordenada à do Filho. O Espírito Santo é enviado para santificar o seio da
Virgem Maria e fecundá-la divinamente, ele que é “o Senhor que dá a Vida”,
fazendo com que ela conceba o Filho eterno do Pai em uma humanidade proveniente
da sua.
486.
Ao ser concebido como homem no seio da Virgem
Maria, o Filho Único do Pai é “Cristo”, isto é, ungido pelo Espírito Santo,
desde o início de sua existência humana, ainda que sua manifestação só se realize
progressivamente: aos pastores, aos magos, a João Batista, aos discípulos. Toda
a vida de Jesus Cristo manifestará, portanto, como ele foi “ungido por Deus com
o Espírito Santo e com poder” (At 10, 38).
II.
…Nascido da Virgem Maria
487.
Aquilo que a fé católica crê, a respeito de Maria,
funda-se no que ela crê a respeito de Cristo, e por sua vez, o que a fé ensina
sobre Maria ilumina sua fé em Cristo.
A PREDESTINAÇÃO DE MARIA
488.
“Deus enviou seu Filho” (GI 4, 4), porém,
para “formar-lhe um corpo”, quis a livre cooperação de uma criatura. Por isso,
desde toda a eternidade, Deus escolheu, para ser a Mãe do seu Filho, uma filha
de Israel, uma jovem judia de Nazaré, na Galileia, “uma virgem prometida em
casamento a um homem de nome José, da casa de Davi. A virgem se chamava Maria”
(Lc 1, 26-27):
“Quis o Pai
das misericórdias que a encarnação fosse precedida pela aceitação daquela que era
predestinada a ser Mãe de seu Filho, para que, assim como uma mulher contribuiu
para a morte, uma mulher também contribuísse para a vida.
489.
Ao longo de toda a Antiga Aliança, a missão de
Maria foi preparada pela missão de santas mulheres. No princípio está
Eva: apesar da sua desobediência, ela recebe a promessa de uma descendência que
sairá vitoriosa sobre o maligno e de ser a mãe de todos os viventes. Em virtude
dessa promessa, Sara concebe um filho, apesar de sua idade avançada. Contra
toda a expectativa humana, Deus escolheu o que era tido como impotente e fraco
para mostrar sua fidelidade à sua promessa: Ana, a mãe de Samuel, Débora, Rute,
Judite, Ester, e muitas outras mulheres. Maria “é a primeira entre (esses)
humildes e pobres do Senhor, que, com confiança, dele esperam e recebem a Salvação.
Com ela, excelsa filha de Sião, depois da longa espera da promessa, completam-se
os tempos e inaugura-se a nova economia”.
A IMACULADA CONCEIÇÃO
490.
Para ser a Mãe do Salvador, Maria “foi enriquecida por
Deus com dons dignos para tamanha função”. No momento da Anunciação, o anjo
Gabriel a saúda como “cheia de graça”. Efetivamente, para poder dar o
assentimento livre de sua fé ao anúncio de sua vocação, era preciso que ela estivesse
totalmente sob a moção da graça de Deus.
491.
Ao longo dos séculos, a Igreja tomou consciência de
que Maria, “cumulada de graça” por Deus, foi redimida desde a concepção. É isso
que confessa o dogma da Imaculada Conceição, proclamado em 1854, pelo Papa Pio
IX:
“A beatíssima
Virgem Maria, no primeiro instante de sua conceição, por singular graça e
privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador
do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha do pecado original”.
492.
Esta “santidade resplandecente, absolutamente única”
da qual Maria é “enriquecida, desde o primeiro instante de sua conceição”, lhe vem
inteiramente de Cristo: “Em vista dos méritos de seu Filho, foi redimida de um
modo mais sublime”. Mais do que qualquer outra pessoa criada, o Pai a “abençoou
com toda benção espiritual nos céus, em Cristo” (Ef 1, 3). Nele a
escolheu “antes da fundação do mundo para ser” santa e imaculada “diante dele,
no amor” (Ef 1, 4).
493.
Os Padres da tradição oriental chamam a Mãe de Deus
“a toda santa” (“pan-hagia”), celebram-na como “imune de toda mancha de
pecado, tendo sido plasmada pelo Espírito Santo e formada como uma nova criatura”.
Pela graça de Deus, Maria permaneceu, por toda a sua vida, pura de todo pecado
pessoal.
“FAÇA-SE EM MIM SEGUNDO A TUA PALAVRA…”
494.
Ao anúncio de que, sem conhecer homem algum, ela
conceberia o Filho do Altíssimo pela virtude do Espírito Santo. Maria respondeu
com a “obediência da fé”, certa de que “nada é impossível a Deus”: “Eis aqui a serva
do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38). Assim,
dando à Palavra de Deus seu consentimento, Maria tornou-se Mãe de Jesus e, abraçando
de todo o coração, a vontade divina de salvação, sem que nenhum pecado a
retivesse, entregou-se ela mesma totalmente à pessoa e à obra de seu Filho,
para servir, na dependência dele e com Ele, pela graça de Deus, ao Mistério da Redenção.
Como diz Santo Irineu,
“obedecendo, se fez causa de salvação tanto para si como para todo o gênero
humano”. Do mesmo modo, não poucos antigos Padres dizem com ele: “O nó da
desobediência de Eva foi desfeito pela obediência de Maria; o que a virgem Eva ligou
pela incredulidade, a virgem Maria desligou pela fé”. Comparando Maria com Eva,
chamam Maria de “mãe dos viventes” e, com frequência, afirmam: “Veio a morte por
Eva e a vida por Maria”.
A MATERNIDADE DIVINA DE MARIA
495.
Denominada nos Evangelhos “a Mãe de Jesus” (Jo 2,
1; 19, 25), Maria é aclamada, sob o impulso do Espírito, desde antes do
nascimento de seu Filho, como “a Mãe de meu Senhor” (Lc 1, 43). Com
efeito, Aquele que ela concebeu do Espírito Santo como homem e que se tornou
verdadeiramente seu Filho, segundo a carne, não é outro que o Filho eterno do
Pai, a segunda pessoa da Santíssima Trindade. A Igreja confessa que Maria é
verdadeiramente Mãe de Deus (“Theotókos”).
A VIRGINDADE DE MARIA
496.
Desde as primeiras formulações da fé, a Igreja
confessou que Jesus foi concebido exclusivamente pelo poder do Espírito Santo
no seio da Virgem Maria, afirmando também o aspecto corporal deste evento: Jesus
foi concebido do Espírito Santo. Os Padres veem, na conceição virginal, o sinal
de que foi verdadeiramente o Filho de Deus que veio ao mundo numa humanidade
como a nossa. Assim, diz Santo Inácio de Antioquia (início do século II):
“Estais firmemente
convencido acerca de Nosso Senhor, que é verdadeiramente da raça de Davi
segundo a carne, Filho de Deus segundo a vontade e o poder de Deus,
verdadeiramente nascido de uma virgem; […] ele foi verdadeiramente pregado [à
cruz] por nós, na sua carne, sob Pôncio Pilatos […] ele sofreu verdadeiramente,
assim como ressuscitou verdadeiramente”.
497.
Os relatos evangélicos entendem a conceição
virginal como uma obra divina que ultrapassa toda compreensão e toda possibilidade
humanas: “O que foi gerado nela vem do Espírito Santo”, diz o anjo a José, a
respeito de Maria, sua esposa (Mt 1, 20). A Igreja vê aí o
cumprimento da promessa divina dada pelo profeta Isaías: “Eis que a virgem ficará
grávida e dará à luz um filho” (Is 7, 14, segundo a tradução grega
de Mt 1, 23).
498.
Por vezes, se tem estranhado o silêncio do
Evangelho de São Marcos e das epístolas do Novo Testamento sobre a concepção
virginal de Maria. Houve também quem se perguntasse se não se trataria aqui de
lendas ou de construções teológicas sem pretensões históricas. A isto deve-se responder:
a fé na concepção virginal de Jesus encontrou intensa oposição, zombarias ou incompreensão
da parte dos não crentes, judeus e pagãos. Ela não provinha da mitologia pagã ou
de qualquer adaptação às ideias do tempo. O sentido deste acontecimento só é
acessível à fé, que o vê no “nexo que interliga os mistérios entre si”, no
conjunto dos mistérios de Cristo, desde a sua encarnação até à sua Páscoa. Santo
Inácio de Antioquia dá testemunho deste nexo: “O príncipe deste mundo ignorou a
virgindade de Maria e o seu parto, da mesma forma que a morte do Senhor: três
mistérios proeminentes que se realizaram no silêncio de Deus”.
MARIA – “SEMPRE VIRGEM”
499.
O aprofundamento de sua fé na maternidade virginal
levou a Igreja a confessar a virgindade real e perpétua de Maria, mesmo no
parto do Filho de Deus feito homem. Com efeito, o nascimento de Cristo “não
diminuiu, mas sagrou a integridade virginal” de sua mãe. A liturgia da Igreja
celebra Maria como a “Aeiparthenos” (pronuncie “áeiparthénos”), “sempre
virgem”.
500.
A isto objeta-se, por vezes, que a Escritura
menciona irmãos e irmãs de Jesus. A Igreja sempre entendeu essas passagens não
designam outros filhos da Virgem Maria. Com efeito, Tiago e José, “seus irmãos” (Mt 13,
55), são os filhos de uma Maria discípula de Cristo que significativamente é
designada como “a outra Maria” (Mt 28, 1). Trata-se de parentes
próximos de Jesus, conforme uma expressão conhecida do Antigo Testamento.
501.
Jesus é o filho único de Maria. A maternidade
espiritual de Maria estende-se, porém, a todos os homens que Ele veio salvar: “Ela
gerou seu Filho, do qual Deus fez “o primogênito numa multidão de irmãos” (Rm 8,
29), isto é, entre os fiéis, para cujo nascimento e educação ela cooera com
amor materno”.
A MATERNIDADE VIRGINAL DE MARIA NO DESÍGNIO DE DEUS
502.
O olhar da fé pode descobrir, tendo em mente o
conjunto da Revelação, as razões misteriosas pelas quais Deus, em seu desígnio
salvífico, quis que seu Filho nascesse de uma virgem. Essas razões tocam tanto
a pessoa e a missão redentora de Cristo quanto o acolhimento desta missão por
Maria em favor de todos os homens.
503.
A virgindade de Maria manifesta a iniciativa
absoluta de Deus na Encarnação. Jesus tem um só Pai. Deus. “A natureza humana
que ele assumiu nunca o afastou do Pai […]; por natureza, Filho de seu Pai
segundo a divindade; por natureza, Filho de sua Mãe, segundo a humanidade; mas
propriamente Filho de Deus em suas duas naturezas”.
504.
Jesus é concebido pelo poder do Espírito Santo no
seio da Virgem Maria, pois ele é o Novo Adão, que inaugura a nova criação: “O
primeiro homem, formado da terra, era terrestre; o segundo homem veio do Céu” (1
Cor 15, 47). A humanidade de Cristo é, desde a sua concepção, repleta do
Espírito Santo, pois Deus “Lhe dá o Espírito sem medida” (Jo 3, 34).
É “da plenitude” dele, cabeça da humanidade remida, que “nós recebemos, graça por
graça” (Jo 1, 16).
505.
Jesus, o Novo Adão, inaugura, por sua concepção
virginal, o novo nascimento dos filhos de adoção, no Espírito Santo
pela fé, “Como acontecerá isso?” (Lc 1, 34). A participação na vida
divina não vem “do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem,
mas de Deus” (Jo 1, 13). O acolhimento desta vida é virginal, por ser ela
totalmente dada ao homem pelo Espírito. O sentido esponsal da vocação humana em
relação a Deus é perfeitamente na maternidade virginal de Maria.
506.
Maria é virgem, porque sua virgindade é o sinal de
sua fé, absolutamente livre de qualquer dúvida, e de sua doação sem
reserva à vontade de Deus. Sua fé lhe concede tornar-se a Mãe do
Salvador: “Beatior est Maria percipiendo fidem Christi quam concipiendo carnem
Christi – Maria é mais bem-aventurada por receber a fé de Cristo do
que por conceber a carne de Cristo”.
507.
Maria é, ao mesmo tempo, Virgem e Mãe por ser a figura
e a realização mais perfeita da Igreja: “A Igreja [...] torna-se também ela Mãe
por meio da palavra de Deus que ela recebe na fé, pois, pela pregação e pelo
Batismo, ela gera para a vida nova e imortal os filhos concebidos do Espírito
Santo e nascidos de Deus. Ela é também a virgem que guarda, íntegra e pura, a
fé dada a seu Esposo”.
Resumindo:
508.
Na descendência de Eva,
Deus escolheu a Virgem Maria para ser a Mãe do seu Filho. “Cheia de graça”, ela
é “o fruto sublime da Redenção”. Desde o primeiro instante de sua concepção,
foi totalmente preservada da mancha do pecado original e permaneceu pura de
todo pecado pessoal por toda a sua vida.
509.
Maria é verdadeiramente “Mãe
de Deus”, visto ser a Mãe do Filho Eterno de Deus feito homem, que é ele mesmo
Deus.
510.
Maria “permaneceu Virgem, concebendo
seu Filho, Virgem ao dá-lo à luz, Virgem ao carregá-lo, Virgem ao alimentá-lo
de seu seio, Virgem sempre”. Com todo o seu ser ela é a “Serva do Senhor”
(Lc 1, 38).
511.
A Virgem Maria cooperou “para
a salvação humana com livre fé e obediência”. Pronunciou seu “fiat” (faça-se) “em
representação de toda a natureza humana”. Por sua obediência, tornou-se a nova
Eva, mãe dos viventes.