A Síria, o Afeganistão e a Somália são os piores
países para se ser criança. Das mortes, às mutilações, passando abusos sexuais
ou raptos, há todo um historial de horrores que nenhuma criança devia ver,
sentir ou passar.
Os números são tão altos como o indescritível
sofrimento delas: 357 milhões de crianças vivem em zonas com conflitos armados.
Mais 75% do que no início dos anos 1990. E mais de metade (165 milhões) estão
em locais de conflitos de grande intensidade. Os três piores países para se ser
criança são a Síria, o Afeganistão e a Somália.
Se alguns casos estão expostas a explosões nas
áreas habitacionais, noutras são maltratadas ou usadas como soldados. No Top 10
de países deste horror estão, a seguir aos três anteriores, Iémen, Nigéria,
Sudão do Sul, Iraque, República Democrática do Congo, Sudão e República Centro
Africana.
Estes são alguns dos dados do último relatório de
análise da agência humanitária Save The Children, com base em números da
seção das Nações Unidas Children and Armed Conflict, e reportam ao período
entre 1989 e 2016 (último ano com números comprovados), embora também tenham em
conta informação relativas a 2017 provenientes da UNICEF, Missão de Assistência
na Somália da ONU e Escritório do Alto-Comissário das Nações Unidas para os
Direitos Humanos.
A dura realidade mostra que há diferentes
territórios onde as crianças estão vulneráveis às violações dos direitos
humanos e às maiores atrocidades: morte, mutilação, violência sexual, rapto,
usadas como soldados, ataques a escolas e hospitais ou recusa de assistência
humanitária.
De acordo com o relatório da Save The Children, o
número de crianças mortas ou mutiladas aumentou 300% desde 2010 e a recusa de
ajuda humanitária cresceu 1,500%.
As 357 milhões de crianças em perigo, em 52 países,
viram ou vivenciaram experiências que nenhuma criança deveria presenciar.
As percentagens por região dividem-se da seguinte
forma: no Médio Oriente, 39% das crianças vivem a menos de 50km de um conflito
(2 em cada 5); em África são 21% (cerca de 1 uma cada 5); na Ásia são 14%, na
Europa 7% e na América 6%,
A ONU também confirmou que só em 2016 quase oito
mil miúdos foram recrutados como soldados. Sendo que a Nigéria está no topo da
lista com mais de duas mil crianças forçadas a pegar em armas.
LEIA TRÊS DOS TESTEMUNHOS PUBLICADOS NO
RELATÓRIO SAVE THE CHILDREN:
Shadibabiran*, 16
anos, Myanmar
“Os militares chegaram à minha povoação. Começaram
a disparar na direção das pessoas e a minha mãe foi atingida num tornozelo.
Depois pediram a todas as adolescentes que se levantassem e perguntaram-nos
onde estavam os nossos pais. Disse-lhes que o meu pai tinha morrido há 15 anos.
Não acreditaram e alguns soldados levaram-me, e a
mais duas raparigas, para uma casa. Bateram-me na cara com a arma,
pontapearam-me no pescoço. A seguir fui violada por três soldados. Violaram-me
durante duas horas e, a determinada altura, desmaiei. Fiquei com uma costela
partida devido aos pontapés e mal conseguia respirar. Ainda tenho dificuldade
em respirar, mas não fui ao médico, tenho muita vergonha.”
Halima*, 16 anos,
Nigéria
Fui capturada quando tinha 13 anos. Prenderam a
minha mãe a um árvore e mataram-na. Depois de matarem toda a gente disseram-me
para ir com eles. Resisti e por isso ameaçaram-me com uma arma. Disseram-me que
iria casar com um deles. Respondi que isso nunca iria acontecer porque tinham
matado a minha família. Mas não era uma questão de escolha. Dois dias depois
estava casada. Não sabia sequer quem ele era. Nem o vi na cerimônia.
Às vezes falava com o meu marido e dizia-lhe que
“iria fugir” e ele respondia “nunca o vais fazer”. Estava completamente sozinha
durante todo o tempo. Às vezes passava uma semana sem comida. Fiquei grávida.
Aos 8 meses de gravidez disseram-me que o meu marido tinha morrido em combate.
A primeira vez que vi outras pessoas foi quando me salvaram. Ouvi os ruídos da
guerra e sabia que eram os militares. Deram-me água e comida e levaram-me dali.
Ainda penso muitas vezes naquele tempo. Tenho medo quando vejo algum homem a
aproximar-se e quando oiço sons muito altos, receio que venha alguém buscar-me
outra vez. Espero que os meus filhos tenham educação e sejam protegidos para
que não lhes aconteça o mesmo que a mim.”
Basma*, 8 anos,
Síria
“Sou de uma cidade perto de Damasco; a minha casa
estava lá e a minha escola também. Gostava muito da minha escola, era muito
bonita, a minha professora gostava muito de mim e tinha muitos amigos. Estava
na aula quando a escola foi atingida por uma bomba. Correremos logo para fora
da escola e fui para casa, só mais tarde descobri que várias crianças tinham
ficado feridas. Nunca mais vi a minha escola nem os meus amigos; sinto muito a
falta deles.
A seguir mudámo-nos para diferentes locais, mas
começámos por alugar uma casa numa nova cidade. Nunca deixei de ir às aulas,
mas nesta nova cidade a escola foi atingida e, desta vez, morreram 20 crianças.
Depois disso a minha família decidiu que devíamos
ir para norte porque, nessa altura, era mais seguro. Mas a primeira escola era
muito má e os professores batiam-nos pelas mais pequenas coisas, como esquecer
os trabalhos de casa. Os professores deixavam-nos a maior parte do tempo
sozinhos na sala, sem fazer nada. Odiei.
Agora estou numa escola nova e gosto muito. Adoro
as cores e os desenhos nas paredes. O professor de que mais gosto é o de
Inglês, é muito simpático e ensina bem.”
*nomes fictícios
FONTE: Revista Visão