Há pais que
vendem os seus filhos por vinte euros, permitindo que desde muito novos sejam
explorados na pesca no lago Volta. A quarta edição da campanha Resgate Sorrisos
quer pôr fim a esta situação desumana de escravatura infantil
Umas são
trocadas por simples sacos de milho, outras valem mesmo dinheiro, tanto pode
ser vinte, trinta ou até oitenta euros. Tudo depende de como o negócio é feito.
Esta transação acontece no seio de famílias muito numerosas, num país africano
sem qualquer tipo de planeamento familiar, onde os filhos, independentemente da
sua idade, são vistos como uma força de trabalho. “Há pais que os vendem a
pensar que iam estudar. O Baba, por exemplo, esteve sempre ao lado dos pais a
assistir ao negócio da sua venda. E a criança resgatada mais nova, a Esther,
tem apenas três anos”, descreve Tânia Henriques, responsável pela comunicação
da Associação Filhos do Coração. A missão desta associação é conseguir resgatar
todas as crianças que no Gana são vendidas a pescadores locais, que as escravizam
de uma forma desumana, obrigando-as a trabalhar no lago Volta 14 horas por dia,
todos os dias da semana, a troca de um prato de mandioca.
Esta foi a
realidade que Alexandra Borges, jornalista da TVI, encontrou há uma década e
que denunciou na sua reportagem Infância Traficada. As primeiras três crianças resgatadas por
Alexandra têm agora entre 18 e 19 anos. Em 2009, a jornalista portuguesa voltou
ao Gana e conheceu Pam Cope, uma mãe americana que tinha perdido o seu filho e
depois de ler um artigo no jornal The New York Times sobre a escravidão infantil, meteu-se num
avião e aterrou no Gana onde resgatou Mark, a primeira criança que encontrou no
lago Volta. Nessa altura, Pam Cope avançou com a construção de um Centro de
Acolhimento, em Kumasi, e criou a Organização Não-Governamental para o
Desenvolvimento Touch a Life Kids. Alexandra Borges já tinha fundado a
associação Filhos do Coração, e tornaram-se parceiras.
Desde 2015, a
campanha Resgate Sorrisos tem vindo a angariar
fundos e a sensibilizar os portugueses para a questão da escravatura infantil.
A campanha começa já no próximo sábado, 27, e perdura até 5 de fevereiro. As
pessoas podem contribuir através da compra de três os tipos de vale que vão
encontrar junto às caixas de pagamento dos supermercados Pingo Doce: uma
refeição (€1), material escolar (€3) ou vestuário (€5). No ano passado,
reuniram mais de €125 mil, quase o triplo de 2016 (€48 050) e muito distante
dos 21 mil da primeira edição.
Quando os desenhos
negros ganham cor
Crianças como
Alex Queity, Baba, Daniel, Humphrey ou Raul são extremamente gratas, valorizam
a escola e consideram que a melhor defesa é a Educação. Ninguém quer sair do
Centro de Acolhimento onde, atualmente, estão 95 crianças. Para que depois dos
18 anos estes jovens tenham um futuro foi criada a Life Academy, em Acra, uma
Academia Para a Vida que pretende dotá-los de capacidades sociais. Uma
psicóloga esteve em conjunto com estes adolescentes a trabalhar questões de
responsabilidade, como chegar a horas a uma entrevista de emprego, por exemplo.
À academia chegam
também os tecidos pintados pelos mais novos no centro de acolhimento, que
utilizam o batik,
uma técnica de tingimento artesanal. Esta é a matéria-prima para fazer malas,
sacos, individuais ou tapetes que depois são comercializados nos Estados Unidos
e é isso que paga o ordenado de cada um deles.
“Tem sido feito um
trabalho se sensibilização junto do Governo do Gana que leva a que a questão de
escravatura esteja melhor. O Governo criou o Ministério da Mulher e da Criança
e já é a própria Segurança Social que vai ao lago Volta resgatar as crianças.
Já não há resgates diretos como os realizados por Alexandra ou pela Pam”,
explica Tânia Henriques. Depois de, em 2009, ter resgatado mais dez crianças e
ter denunciado mais casos de escravatura infantil, Alexandra Borges ficou
impedida de entrar neste país da África Ocidental.
No Centro de
Acolhimento em Kumasi a rotina das 95 crianças passa por acordarem cedo e por
volta das seis e meia da manhã já estão a sair de autocarro para a escola.
Regressam ao fim da tarde, a partir das 17 horas, e têm tarefas tão banais como
tomar banho, fazer os trabalhos de casa, estudar, mas também brincar, seja em
festas de batuque ou corridas coloridas. A criação de um Centro de Arte foi a
pensar que a melhor forma de resgatar sorrisos a estas crianças é quando os
seus desenhos negros ou a preto e branco ganham cor.
Para estas crianças a Educação é a melhor arma de defesa
contra a escravidão
FONTE: Revista Visão