“Meu partido é a pobreza”, costumava
dizer a freira baiana Irmã Dulce (1914 – 1992) enquanto saía pelas ruas de
Salvador, na Bahia, com uma Kombi, acolhendo pobres e doentes. De postura
apartidária, ela enfrentava qualquer comitiva para cumprir sua missão em nome
da bondade e solidariedade. E não se intimidava: com uma mão batia na porta de políticos
e de grandes empresários; com a outra, confortava os necessitados e os
desfavorecidos. Muito religiosa, a católica acaba de entrar para a História
oficial do Vaticano, transformando -se na primeira mulher nascida no Brasil a
ser canonizada.
Aos 13 anos, Maria Rita de Souza Brito
Lopes transformou a casa dos pais, o dentista Augusto Lopes Pontes e Dulce
Maria de Souza Brito Lopes Pontes, num lar de acolhida e atendimento a mendigos
e doentes. Situada à rua da Independência, 61, no bairro Nazaré, de
Salvador-BA, a casa ficou conhecida como ‘A Portaria de São Francisco’, tal o
número de carentes que se aglomeravam a sua porta. O gesto é o embrião de uma
vida virtuosa, desde cedo inclinada à santidade.
Trata-se de um entre tantos fatos na
biografia de Irmã Dulce, conhecida como o Anjo Bom da Bahia, que no dia 13 de
outubro, às 10h (horário do Vaticano) em celebração presidida pelo Papa
Francisco, no Vaticano, será elevada aos altares na condição de Santa Dulce dos
Pobres. O anúncio de sua canonização aconteceu dia 1º de julho, quando o Papa
presidiu, na Sala Clementina, no Vaticano, o Consistório Ordinário Público para
a Canonização da Bem-Aventurada e de outros quatro beatos.
Para o arcebispo de Belo Horizonte (MG)
e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a canonização
da Irmã Dulce é um grande presente para toda a Igreja no Brasil, de modo
especial para a Igreja na Bahia, mas também para toda sociedade. Dom Walmor
destaca o caráter exemplar de sua biografia. “Ela é exemplar na fé
incondicional em Deus e exemplar no desdobramento autêntico de sua fé que se
traduz no cuidado com os mais pobres. Por isto é elevada à glória dos altares”,
disse.
Segunda filha, ao nascer em 26 de maio
de 1914, em Salvador, Irmã Dulce recebeu o nome de Maria Rita de Souza Brito
Lopes Pontes. A menina Maria Rita foi uma criança cheia de alegria, adorava
brincar de boneca, empinar arraia e tinha especial predileção pelo futebol –
era torcedora do Esporte Clube Ypiranga, time formado pela classe trabalhadora
e os excluídos sociais.
A vocação para trabalhar em benefício
da população carente teve a influência direta da família, uma herança do pai
que ela levou adiante, com o apoio decisivo da irmã, Dulcinha. Além da
inclinação para doar-se ao serviço solidário, na adolescência também
manifestou, pela primeira vez, após visitar com uma tia em áreas onde habitavam
pessoas pobres, o desejo de se dedicar à vida religiosa.
Em 8 de fevereiro de 1933, logo após a
sua formatura como professora, Maria Rita entrou para a Congregação das Irmãs
Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, na cidade de São Cristóvão,
em Sergipe. Em 13 de agosto de 1933, recebe o hábito de freira das Irmãs
Missionárias e adota, em homenagem a sua mãe, o nome de Irmã Dulce.
A primeira missão de Irmã Dulce como
freira foi ensinar em um colégio mantido pela sua congregação, no bairro da
Massaranduba, na Cidade Baixa, em Salvador. Mas, o seu pensamento estava
voltado mesmo para o trabalho com os pobres. Já em 1935, dava assistência à
comunidade pobre de Alagados, conjunto de palafitas que se consolidara na parte
interna do bairro de Itapagipe.
Nessa mesma época, começa a atender
também os operários que eram numerosos naquele bairro, criando um posto médico
e fundando, em 1936, a União Operária São Francisco – primeira organização
operária católica do estado, que depois deu origem ao Círculo Operário da
Bahia.
Em 1937, funda, juntamente com Frei
Hildebrando Kruthaup, o Círculo Operário da Bahia, mantido com a arrecadação de
três cinemas que ambos haviam construído através de doações – o Cine Roma, o
Cine Plataforma e o Cine São Caetano. Em maio de 1939, Irmã Dulce inaugura o
Colégio Santo Antônio, escola pública voltada para operários e filhos de
operários, no bairro da Massaranduba.
Quando faleceu, em 13 de março de 1992,
Irmã Dulce deixou um legado não apenas de fé, mas um conjunto de obras de
caridade e socioassistenciais que ergueu graças a seu incansável trabalho de
doação aos maios pobres.
Celebração no Brasil
A primeira missa, em solo brasileiro,
em homenagem à Irmã Dulce, pós-canonização, já tem um cenário certo. Será no
Arena Fonte Nova, em Salvador (BA), no dia 20 de outubro, às 16h. Cerca de 500
crianças do Centro Educacional Santo Antônio apresentarão um musical que conta
a história dos 60 anos das Obras Sociais da religiosa.
Para o arcebispo de Salvador (BA) e
primaz do Brasil, dom Murilo Krieger, a canonização da Irmã Dulce dará à
dimensão da caridade, um dos quatro pilares das Novas Diretrizes Gerais da Ação
Evangelizadora da Igreja no Brasil, um grande impulso. “Irmã Dulce tem muito a
nos ensinar: mais do que nos deixar uma reflexão sobre a importância do amor
aos mais necessitados, nos deixou um exemplo concreto, pois foi ao encontro de
quem sofre e os socorreu”, disse.
“É uma emoção muito grande de graças,
de bênçãos. Ter uma fundadora como santa é uma graça muito grande, são bênçãos
de Deus. Eu não a conheci, mas cheguei na congregação no mesmo mês que ela
faleceu. Pelos testemunhos e pela história é como se eu tivesse conhecido Irmã
Dulce. Eu bebo dessa fonte a cada dia aqui no hospital, é como se eu estivesse
caminhando junto com ela. É um momento muito forte, de graça e de alegria”,
afirmou a irmã Josinete Maria Costa, da congregação Filhas de Maria Serva dos
Pobres, fundada por Irmã Dulce.
O processo de canonização de Irmã Dulce
foi o terceiro mais rápido da Igreja Católica. O primeiro foi o do Papa São
João Paulo II, que foi canonizado 9 anos após a sua morte; depois, madre Tereza
de Calcutá, que foi canonizada 19 anos após a sua morte; e agora Irmã Dulce dos
Pobres, que será canonizada após 27 anos de sua morte. Ela será canonizada no
ano em que as Obras Sociais Irmã Dulce comemoram 60 anos. O dia litúrgico da
Santa Dulce dos Pobres será celebrado em 13 de agosto.
Fonte:
Revista Bote Fé nº 29, Edições CNBB