A padroeira do
Continente da Oceania, Nossa Senhora Auxílio dos Cristãos, pareceria não ter
nenhuma relação com esse país. De fato, em 1571 a esquadra católica venceu os
turcos na batalha de Lepanto, e o Papa São Pio V mandou incluir na Ladainha
Lauretana a invocação Auxílio dos Cristãos. Mas nessa época a Oceania
era completamente desconhecida dos cristãos europeus. Somente em 1606 um
navegante holandês parou poucos dias na zona norte do país, e depois seguiu seu
caminho.
Na Inglaterra
existia uma velha prática de deportar os presos para as colônias. Havia muitos
territórios para povoar, e os presos, além de trabalhar nesses locais, depois
de liberados costumavam aí permanecer. Habitualmente eram enviados para os
Estados Unidos, que na época era a colônia mais próxima. Quando a Inglaterra
reconheceu a independência dos Estados Unidos, em 1783, teve que pensar em
outro local para onde enviar os prisioneiros. Foi assim que surgiu a ideia de
enviá-los para a Oceania, e já em 1788 ali chegava o primeiro grupo deles.
Ainda hoje, com tanta facilidade de transporte aéreo, a Oceania é um lugar
“muito distante” para se ir morar. Podemos então imaginar o que isso
representava naquela época, em que a viagem a partir de Londres levava uns seis
meses, caso as tormentas, os ciclones ou os piratas não impedissem os
emigrantes de atingir aquele remoto território.
Quando se
menciona que prisioneiros eram enviados para lá, imediatamente pensamos em
bandidos sanguinários, dos quais a Inglaterra queria se ver livre. Mas não era
bem assim. Naquela época os católicos, especialmente irlandeses, que se opunham
às arbitrariedades dos protestantes, eram com muitíssima facilidade condenados
ao desterro. Em 1798 houve na Irlanda uma rebelião contra o domínio dos
protestantes ingleses. Por isso, muitos irlandeses foram encaminhados à Oceania.
As rebeliões
irlandesas apresentavam sempre um fundo religioso de luta de católicos contra
protestantes, e as autoridades australianas exerciam uma vigilância especial
para evitar manifestações católicas, que costumavam ter uma nota de oposição ao
Estado. Em vista disso não havia inicialmente sacerdotes na Oceania; e mesmo
depois de alguns deles terem sido enviados para lá “por cumplicidade” na
rebelião, não podiam exercer publicamente seu ministério. Foi somente em 1820
que oficialmente se pôde começar a celebrar o culto católico de forma regular e
pública no país. Em todos os anos anteriores, os católicos na Oceania se
mantiveram fiéis graças à recitação do Rosário, oração em que também pediam a
Nossa Senhora que, de alguma forma, os libertasse.
A vinculação
deles com a invocação de Nossa Senhora Auxílio dos Cristãos encontra então seu
início. Pois no começo do século XIX o Papa Pio VII tornou-se prisioneiro do
revolucionário imperador Napoleão I. Já o Papa anterior, Pio VI, havia falecido
prisioneiro de Bonaparte, e podia-se supor que o novo Pontífice também viesse a
morrer sem alcançar a liberdade. Afinal, depois de seis anos, as derrotas
militares forçaram o corso a conceder liberdade ao Papa, tendo Pio VII voltado
para Roma, entrando na cidade no dia 24 de maio de 1814. Quando ainda
prisioneiro, ele tinha feito a promessa de, se libertado, instaurar uma festa
em honra de Nossa Senhora. E decidiu então que fosse celebrada em toda a
Igreja, exatamente no dia 24 de maio, a
festa de Nossa Senhora Auxílio dos Cristãos.
Os ingleses, que
haviam estado entre os principais inimigos de Napoleão, fizeram na Oceania
muita propaganda dos malefícios praticados pelo déspota em sua perseguição
contra o Papa. Assim os católicos, que acompanhavam os acontecimentos, tomaram
conhecimento da libertação do Sumo Pontífice. A nova festa instituída tinha para
a pequena comunidade católica um simbolismo muito tocante. Por isso, passou a
ser por ela especialmente celebrada. Não é estranhável, portanto, que em 1844,
quando se pôde reunir a primeira assembleia de bispos católicos, escolhessem
eles Nossa Senhora Auxílio dos Cristãos como padroeira do Continente, pois a
invocação já era celebrada anteriormente.
A história de
como foi escolhida a padroeira da Oceania facilita compreender o espírito da
Igreja no relacionamento com seus filhos. Mal acostumados estamos hoje em dia
com a praxe de governantes imporem seus conceitos e preconceitos de forma
totalmente arbitrária sobre a maioria das populações, muitas vezes
completamente diversos do que elas desejam. O espírito da Igreja é bem
diferente de tal mentalidade. É possível que os bispos preferissem ter como
padroeira a mesma da Inglaterra, para manifestar sua ligação com a mãe-pátria;
também, sendo o principal deles um beneditino, talvez eles preferissem escolher
uma devoção mariana vinculada àquela ordem. Ao invés disso, os sacerdotes
simplesmente se conformaram em seguir a devoção que já havia deitado raízes no
povo católico, pelos fatos acima narrados. Nada havendo contra a fé e a moral,
os pastores da Igreja aceitaram aquilo que os fiéis preferiram, pois
discerniram nisto um sinal da Divina Providência. E assim, católicos continuam
hoje cultuando Nossa Senhora sob a invocação que lhes recorda os difíceis
tempos em que deviam perseverar sozinhos à espera do auxílio divino.